sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Caçando bugios

Bugio (¹) 

O método de caça aos bugios descrito em Diálogos das Grandezas do Brasil (²), obra do começo do Século XVII, é tão famoso que até deu origem a fábulas. Mas vamos a ele:
"Tomam-nos com laços e armadilhas, dos quais um escravo meu lhes fazia uma assaz galante; a qual era que tomava uma botija de boca estreita e a meava de milho, e assim a punha lançada no chão com alguns grãos por fora ao redor da boca dela; e tendo assim a botija preparada da parte onde os bugios costumavam a vir fazer seus furtos, tanto que algum chegava a ela, vendo os grãos de milho, depois de os comer, olhava pelo buraco a ver se achava mais, e tanto que os divisava dentro, metia a mão pela boca da botija, e quando a queria tornar a tirar para fora já cheia de milho, o não podia fazer, porque, como a metera vazia, pôde bem caber no buraco, mas trazendo-a cheia, não lhe era possível podê-la tornar a tirar para fora, por esse modo ficava preso; [...] o que fazia era somente dar muitos gritos até que ao rebate deles acudia o caçador a lhe lançar um laço, com o qual depois de quebrar a botija, o trazia para casa." (³) 
Bugios um tanto estranhos (⁴)
O que é que, afinal, passava pela cabeça de colonizadores que aprisionavam bugios?
É fato que muitos achavam que esses primatas eram especialistas em roubar frutas e outros artigos agrícolas e, portanto, era preciso, ao menos, diminuir o número de seus assaltos. Mas havia duas razões principais para a sua captura:
  • Muitos colonizadores gostavam de aprisionar animais silvestres para tentar domesticá-los, e bugios eram particularmente apreciados para isso, em tempos nos quais não havia, ainda, nenhuma proibição ao seu cativeiro;
  • Mais sórdido era o gosto que alguns colonizadores desenvolveram de capturar bugios e outros macacos para nada menos que fazer sopa, ou "caldo de macaco", como se dizia. Pobres animais!
Assim, fosse pelo método descrito nos Diálogos, fosse com qualquer outra estratégia, os bugios corriam perigo, mas, sempre comilões, não resistiam a uma possibilidade de comida farta e saborosa, caindo, vez após vez, nas mãos de captores, nem sempre benevolentes.  

(1) Cf. SELLIN, Alfred Wilhelm. Das Kaiserreich Brasilien. Leipzig: Frentag, 1885, p. 44. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(2) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(3) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 281.
(4) Cf. BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 535. Desenho de E. Riou, sobre esboços de F. Biard. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Eclipse solar durante a Guerra do Peloponeso

Ocorre eclipse solar, todo mundo sabe, quando a Lua se interpõe entre a Terra e o Sol. Todo mundo sabe hoje, mas não era assim na Antiguidade. 
Foi Cícero (¹), romano, quem contou: durante a Guerra do Peloponeso (²), atenienses, horrorizados pela ocorrência de um eclipse, não queriam ir ao combate. Intervém então ninguém menos que Péricles, e, com algumas palavras, move o ânimo de sua gente, fazendo-a deixar de lado a superstição paralisante:
"[...] disse aos concidadãos que aprendera na escola de Anaxágoras (³), em que fora ouvinte, que eclipses eram fenômenos periódicos, que aconteciam quando a Lua estava diante do Sol [...]. Argumentando racionalmente, fez desaparecer o medo entre o povo. Parece que Tales de Mileto (⁴) foi o primeiro a compreender que eclipses aconteciam pela sobreposição da Lua ao Sol, coisa que antes era desconhecida. [...]" (⁵) 
O pânico gerado pelo eclipse, mesmo entre os instruídos atenienses, pode ser compreendido porque se supunha que a escuridão fora de hora era resultado da irritação dos deuses, e quem é que ousaria entrar em combate, se o Olimpo estava de mau humor? Umas poucas palavras sensatas de conhecimento científico à moda (e com as limitações) do Século V a.C. foram, porém, suficientes para esclarecer os fatos e varrer o medo, ainda que continuasse escuro por mais algum tempo. Lamentável é dizer, contudo, que a guerra em andamento nos dias de Péricles iria, essa sim, eclipsar, para sempre, a glória de Atenas. Aviso sábio para os que manejam os rumos das nações.

(1) Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.). Político, escritor, orador e jurista romano. 
(2) 431 - 404 a.C.
(3) Anaxágoras foi um filósofo do Século V a.C.
(4) Filósofo, Tales de Mileto viveu entre os Séculos VII e VI a.C.
(5) CÍCERO, Marco Túlio. De re publica, c. 51 a.C. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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