quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A abolição da pena de açoites para escravos no Brasil

"No poder de seus três primeiros senhores provara os mais duros castigos: experimentara por mais de uma vez as dolorosas solidões do tronco, e os tormentos do açoite no poste horrível, onde se amarra o padecente, a vítima, criminosa embora."
Joaquim Manuel de Macedo, As Vítimas-Algozes

Castigos físicos para escravos eram coisa rotineira no Brasil. Da palmatória ao chicote empunhado por feitores, valia quase tudo para assegurar a obediência e o trabalho por parte dos cativos. A brutalidade parecia não impressionar a quase ninguém. Afinal, eram escravos!...
Em fins do Século XVIII, o vice-rei D. Luís de Vasconcelos, talvez incomodado com a aplicação de castigos em público, fez criar no Rio de Janeiro o calabouço, lugar para onde senhores podiam mandar escravos que queriam ver castigados, mas longe de suas vistas. Pagava-se para isso, naturalmente.
É preciso recordar, todavia, que a legislação vigente no Brasil colonial (¹) admitia a pena de açoites, não somente para escravos, mas também para pessoas livres, de baixo estrato social. Já no Código Criminal do Império, adotado após a independência, açoites somente foram admitidos para escravos. Aliás, um detalhe curioso é que castigos físicos também eram tolerados para crianças, quando aplicados por pais ou professores. Assim rezava o Código no Título I, Capítulo II, Artigo 14:
"Será crime justificável, e não terá lugar a punição dele:
[...]
§ 6. Quando o mal consistir no castigo moderado, que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos e os mestres a seus discípulos [...]."
Contraditório, não é? "Crime justificável"?!! O mesmo Código Criminal do Império, que não previa açoites como punição para crimes praticados por pessoas de condição livre, estipulava, relativamente aos cativos, no Título II, Capítulo I, Artigo 60:
"Se o réu for escravo, e incorrer em pena que não seja a capital ou de galés, será condenado na de açoites, e, depois de os sofrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazê-lo com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz designar.
O número de açoites será fixado na sentença, e o escravo não poderá levar por dia mais de cinquenta."
Contudo, à medida que, avançando o Século XIX, crescia a força do movimento abolicionista, também aumentava a pressão, dentro e fora do Brasil, pela extinção da bárbara penalidade de açoites,  Argumentava-se, é claro, pelo aspecto desmoralizante que tal prática acarretava à sociedade. Enfim, em 13 de outubro de 1886, a Câmara do Império votou e aprovou o fim do infame castigo (²). Isso significa que, desde então, nenhum juiz poderia sentenciar escravos a tal pena, mas não quer dizer que os castigos físicos desaparecessem do quotidiano onde o escravismo era ainda realidade, incluindo os latifúndios voltados à cafeicultura. Seria preciso esperar a abolição definitiva da escravatura, em maio de 1888, para que a prática cessasse por completo.

(1) As Ordenações do Reino, que vigoravam em Portugal e em seus domínios.
(2) A proibição fora sugerida pelo imperador. 


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Animais na arena dos anfiteatros romanos

O cinema conseguiu imprimir no imaginário popular uma noção de suntuosidade em relação aos espetáculos realizados nos anfiteatros romanos. A verdade, porém, é que, ao lado do luxo e da ostentação, os espetáculos eram exibições do que poderia haver de pior na humanidade. 
O lugar em que ocorriam os combates era chamado arena, e não por acaso. É que arena, no latim, significa simplesmente areia, e era isso que se espalhava sobre o piso, entre um espetáculo e outro, para cobrir o sangue que fora derramado durante as lutas precedentes, sangue de homens e de animais, muitos animais.
Testemunhos dessas carnificinas não faltam, na palavra dos próprios romanos. Um deles, Plínio, o Velho, afirmou no Livro VIII de Naturalis historia"O primeiro elefante foi visto a lutar no circo [...] no ano 655 (¹) da fundação de Roma, e a primeira luta de um elefante contra touros aconteceu vinte anos mais tarde [...]. (²)" O mesmo Plínio mencionou, também no Livro VIII, exibições de luta simultânea entre leões, cem deles quando Sila, mais tarde ditador, exercia o cargo de pretor, seiscentos, sob as ordens de Pompeu, e quatrocentos, quando César era ditador. Vê-se que a ênfase parece estar na quantidade, mas é simplesmente impossível saber se esses números correspondem ao que, de fato, acontecia, ou se há algum exagero, ainda que não intencional. 
Posteriormente, quando o Coliseu foi inaugurado (³), as festividades  duraram nada menos que cem dias, e afirma-se que cerca de cinco mil animais selvagens foram mortos na arena, quer em lutas entre si, quer em combates contra gladiadores. Que diversão era essa, que fazia correr o sangue dos inocentes animais, além, é claro, de tantos homens compelidos a lutar entre si e contra as feras?
Estranho como possa parecer, era ideia corrente que esses espetáculos que incluíam a morte de tantos animais resultavam em benefício às terras de onde provinham, que ficavam despovoadas de feras ameaçadoras. Talvez, hoje, pouco ou nada saibamos, por experiência, da ameaça dos animais selvagens, mas também é evidente que a noção de equilíbrio ecológico, envolvendo todas as espécies de um dado ambiente, era pouco considerada na Antiguidade. Contudo, se a banalização da morte de homens e animais na arena dos anfiteatros tinha como fim entreter a população e canalizar a violência dos insatisfeitos para longe dos governantes, a quantidade de imperadores assassinados talvez seja uma evidência de que, neste caso, o efeito talvez fosse exatamente o contrário do desejado. 

(1) 99 a.C.
(2) O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) 80 d.C.


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Para que se cultivava mandioca no Século XIX

A técnica básica de cultivo da mandioca (Manihot esculenta) e da preparação, com ela, de farinha, que envolve certa complexidade, estava amplamente disseminada entre indígenas do Brasil, antes que europeus começassem a frequentar a região em fins do Século XV.  Um pouco mais tarde, colonizadores, a partir do contato com a população nativa, passaram a incluir a farinha de mandioca na alimentação, mesmo porque as tentativas de cultivo de trigo não resultaram em safras tão avantajadas que pudessem assegurar a autonomia da terra para se fazer pão e outros alimentos. Desde então, o sincretismo cultural resultou na descoberta de várias aplicações para a mandioca, de modo que, já no Século XIX, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o segundo barão de Paty do Alferes, escreveu: 
"É esta preciosa planta [a mandioca] uma das mais necessárias ao fazendeiro e a todos em geral; sua ótima farinha serve nas nossas mesas como um acessório indispensável e necessário; nas mesas de maior luxo aí aparece o seu pirão, os deliciosos bolos de sua tapioca e os saborosos mingaus e biscoitos de sua goma, que também lustra a cambraia e finíssimos morins de nossas camisas e dos vestidos de nossas damas." (*)
Da cozinha aos serviços de lavanderia: eis aí uma transição interessante quanto ao emprego da farinha de mandioca, que deixa entrever alguma coisa dos costumes relativos ao cuidado da roupa em fazendas do Século XIX, além dos hábitos de vestuário da elite rural. Por outro lado, a farinha de mandioca, enquanto durou a escravidão, foi amplamente empregada na alimentação dos cativos
Talvez nunca saibamos quem foram os primeiros que tiveram a ideia de empregar a planta tão comum na dieta indígena para algo mais que farinha, mas podemos estar certos de que, nesse aspecto, a necessidade de improvisar teve papel significativo, diante da ausência de artigos cujo uso era corrente no Reino.

(*) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, p. 96.


terça-feira, 19 de novembro de 2019

O dia em que cinquenta mil pessoas foram vítimas em um anfiteatro romano

Em um só dia, nada menos que cinquenta mil pessoas morreram ou sofreram ferimentos em um anfiteatro romano, mas não suponham, leitores, que todos os mortos ou feridos fossem gladiadores. Eram parte do público que assistia a um espetáculo em um anfiteatro particular em Fidenas, que estava localizada bem perto de Roma. É melhor contar essa história desde o princípio.
Aconteceu no ano 27 d.C., quando Tibério era imperador. Um liberto (ou seja, um ex-escravo) chamado Atílio, decidiu construir por conta própria um anfiteatro, com a ideia de lucrar com ele o máximo possível. Não creio que seja difícil imaginar o quanto a construção foi precária e, devido ao número elevado de espectadores, o anfiteatro veio ao chão, soterrando não só os que estavam dentro, mas até quem se achava perto, porém do lado de fora. 
O resultado foi horrendo e, de acordo com Tácito (*), que registrou essa tragédia no Livro IV dos Annales, mais felizes foram os que morreram de imediato, porque muitos dilacerados, contudo ainda vivos entre os escombros, gritavam, desesperados, dia e noite, por socorro, aumentando a angústia dos parentes que haviam acorrido ao local à procura de sobreviventes. Estimou-se em cinquenta mil o número de mortos e feridos.
Esse episódio permite algumas considerações:
  • Romanos de todas as camadas sociais eram fanáticos por espetáculos de gladiadores, o que explica a quantidade de pessoas presentes no dia do desabamento;
  • Havia libertos que conseguiam acumular um patrimônio razoável, e Atílio, o dono do anfiteatro que caiu, é prova disso;
  • As técnicas de resgate em caso de acidentes e os recursos médicos, rudimentares como eram na Antiguidade, explicam, ao menos em parte, o número de mortos nessa ocasião.
Segundo Tácito, uma decisão posterior do Senado estipulou a quantia mínima que alguém deveria ter ao solicitar permissão para construir um anfiteatro. Assim os romanos estavam, é claro, colocando tranca em porta arrombada. Quanto a Atílio, o dono do anfiteatro que desabou - sim, ele sobreviveu! - também por decisão do Senado, foi punido com o exílio.

(*) c. 47 d.C. - 120 d.C.


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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Como foi anunciada a chegada da família real ao Rio de Janeiro em 1808

Embarque do príncipe D. João para o Brasil, de acordo com Giuseppe Gianni (¹)

A família real portuguesa iniciou a incômoda viagem rumo ao Brasil no final de novembro de 1807. No ano seguinte, depois de uma breve estada na Bahia, a Corte móvel deslocou-se para o Rio de Janeiro, onde chegou no dia 8 de março.
De acordo com Joaquim Manuel de Macedo, uma embarcação foi enviada com antecedência, dando aviso para que fossem tomadas as providências indispensáveis: 
"Era vice-rei do Brasil o Conde dos Arcos, quando, a 14 de janeiro de 1808, entrou no porto do Rio de Janeiro o brigue de guerra Voador, trazendo a notícia da próxima chegada da família real portuguesa. O brigue fizera honra ao nome que lhe tinham dado: voara para dar aquela nova ao vice-rei, ainda a tempo de serem por ele tomadas algumas providências." (²)
Era muita gente que chegava, e, como se sabe, as medidas para prover acomodação decente não foram simpáticas à população do Rio de Janeiro (³). Apesar disso, e apesar das críticas (algo humorísticas) que se costuma fazer ao governo joanino, há que se reconhecer que a permanência da família real no Brasil por alguns anos teve aspectos bastante favoráveis, pela ruptura das velhas estruturas coloniais que, se não impediam por completo, ao menos dificultavam bastante o desenvolvimento do país. O Rio ganhou uma efervescência cultural inteiramente nova, cujos resultados se estenderam para além da Independência. A modernização, ainda que modesta, foi importante por dar ao Brasil, que logo seria nação livre, algumas instituições que, de outro modo, talvez demorassem a existir, incluindo os primeiros cursos superiores, biblioteca, teatro, academia militar, entre outras mais. 

(1) O original pertence à BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) MACEDO, Joaquim Manuel de. Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 39.
(3) Os até então felizes proprietários de bons imóveis não devem ter achado graça nenhuma em ter de sair de casa.


terça-feira, 12 de novembro de 2019

Extravagâncias nos triunfos de César

Caio Júlio César - sim, o do Primeiro Triunvirato - teve não um, nem dois, nem três e nem quatro, mas cinco triunfos, com pequenos intervalos. Quatro deles foram celebrados em 46 a.C., e o quinto, no ano seguinte, 45 a.C.
Ora, meus leitores, se o número de triunfos é exagerado, mostra, certamente, que, a despeito de todos os inimigos que angariou ao longo da vida, César foi um grande líder militar, ao menos sob o ponto de vista dos romanos. Os inimigos derrotados em combate talvez não tivessem dele uma ideia muito favorável. No entanto, o que mais impressiona são alguns detalhes desses triunfos, que conhecemos através da obra de Suetônio (¹), De vita Caesarum. Vejam só:
  • No triunfo em comemoração à vitória sobre os gauleses, César subiu ao Capitólio em companhia de nada menos que quarenta elefantes, tudo isso à luz de tochas (²); 
  • No triunfo em comemoração à vitória no Ponto (³), uma placa trazia as palavras "Veni, vidi, vici", que, de acordo com Suetônio, tinham por objetivo retratar a velocidade com que a guerra, um grande sucesso, fora feita;
  • Os triunfos foram também ocasião para prodigalidades, e quem é que poderia fugir à suspeita de que, com elas, César pretendia, literalmente, comprar o favor popular? Seus soldados das legiões veteranas receberam, cada um, vinte e cinco mil sestércios, além de terras para cultivo; quanto ao povo em geral, recebeu donativos em dinheiro, trigo e azeite, além da participação em um banquete público;
  • Houve ainda grande variedade de espetáculos, tais como lutas de gladiadores, peças teatrais, espetáculos de circo, uma batalha naval simulada e competições esportivas, e isso em vários pontos da cidade de Roma, para que todos os que quisessem assistir, tivessem oportunidade;
  • Com tanta fartura de comida e diversão, a cidade ficou abarrotada de gente, chegando a haver acampamentos nas ruas, feitos por aqueles que vinham de longe para participar dos festejos. Sucede, porém, que a Roma desse tempo tinha ruas diminutas para tanto movimento. A consequência, trágica para alguns, é que, com as multidões que se aglomeravam, houve gente que foi pisoteada e asfixiada. Entre os mortos, contaram-se até dois senadores.
Suetônio viveu muito tempo depois desses acontecimentos, e é possível que seu relato contenha algum exagero, devido à idealização dos "tempos de César", que romanos do Século II talvez fizessem. Contudo, de seu registro, depreende-se um fato inquestionável: a grandeza dos triunfos era um retrato da importância que os romanos atribuíam às conquistas militares, enquanto a prática de pão e circo, como política e como estilo de vida, ganhava força, para glória e desgraça do Império que, em poucos anos, iria se firmar.

(1) 69 - 141 d.C.
(2) Não havia lâmpadas de LED naquele tempo...
(3) Ponto era o nome dado na Antiguidade à região na costa sul do mar Negro.


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Um lugar para o treinamento de ciclistas no final do Século XIX

"Ponho de lado igualmente as corridas de bicicletas e velocípedes, por serem recentes, o que não quer dizer que não tenham graça."
Machado de Assis, Gazeta de Notícias, 29 de março de 1896

Em parte por influência estrangeira, em  fins do Século XIX crescia o interesse por esportes no Brasil. Havia controvérsias, no entanto, não faltando quem achasse que exercícios atléticos, qualquer que fosse a modalidade, não passavam de um modismo ou perda de tempo para desviar a juventude, e mesmo os de mais idade, de ocupações reputadas, então, mais nobres e cerebrais. O partido oposto se desdobrava em argumentos a favor dos esportes como promotores da saúde e do desenvolvimento físico, qualidades desejáveis em bons cidadãos para a República que o Brasil, há pouco, se tornara.
Com tal cenário, não é difícil imaginar que os apaixonados por algum esporte enfrentavam problemas para encontrar lugar adequado às suas atividades. Ciclistas, por exemplo: onde treinar, sem atrapalhar o trânsito ou colocar em risco a segurança dos pacatos caminhantes? Parece-me que, nesse tempo, a maioria das pessoas olhava para as bicyclettes, mais ou menos menos como nós olharíamos, hoje, na hipótese da aparição de alguma bike voadora...
De acordo com o jornal Semana Sportiva, na edição de 18 de novembro de 1899 (¹), ciclistas do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, que gostavam de pedalar na Praça da República, enfrentavam restrições quanto ao horário para suas práticas. Dizia o jornal: 
Na edição de 18 de novembro de 1899,
o jornal Semana Sportiva protestava
contra as restrições aos ciclistas (²)
"Ainda está vigorando o edital mandando que seja permitido o ingresso de ciclistas no jardim da praça da República somente das 11 horas da manhã às 4 da tarde.
Reconhecido o inconveniente dessa ordem, expedida em virtude de abusos cometidos por alguns ciclistas sem critério, estamos certos de que o ilustre diretor geral dos jardins públicos, Sr. Dr. Júlio Furtado, espírito culto e cordato como é, a revogará, pois é sabido que o parque da praça da República é hoje o único ponto do centro desta capital onde se pode fazer o salutar e higiênico exercício do pedal, tão preconizado e aceito em todo o mundo civilizado." (³)
Não era implicância a recusa do horário oferecido (ainda que, como já visto, o jornal reconhecesse que havia alguns ciclistas de comportamento inadequado). É que das 11 às 16 horas os atletas amadores estavam, com toda certeza, cada um em seu respectivo local de trabalho ou estudo, conforme a Semana Sportiva iria ainda lembrar: "A limitação, como está feita, equivale quase a uma interdição, pois das 11 às 4 horas só os desocupados poderão aproveitar-se da licença, e é considerável o número de cavalheiros distintos que usam a bicyclette e têm ocupações nesse interregno."
Observem, leitores, que as palavras do jornal mostram que bicicletas, nesse tempo, não eram ainda vistas como um meio de transporte, e, ao que parece, não passaria pela cabeça de quase ninguém a ideia de ir ao trabalho pedalando. O correr do tempo se encarregaria de trazer mudanças: hoje é sugerido o uso de bicicletas para desafogar o trânsito caótico gerado por automóveis nas cidades.

(1) Ano XI, nº 360.
(2) O original pertence à BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) Essa afirmação é facilmente compreensível no contexto do Brasil que se desejava na época. Na prática, o recado seria este: se queremos ser civilizados, precisamos admitir as bicicletas. Está dada a licença para o riso, leitores!


terça-feira, 5 de novembro de 2019

A comunicação entre navios durante viagens no Século XVI

Entre as ordens dadas por Pedro Sarmiento de Gamboa em 1579, para a viagem pelo Estreito de Magalhães que liderou, havia estas:
"[...] sigam sempre o farol, de noite, e a a bandeira, de dia, da Capitana (¹). E, sendo conveniente que a Capitana, em que vou, mude para rota ou caminho diferente daquele que até ali houver seguido, dará aviso com dois faróis para aquela parte onde se mudará o caminho, movendo-os para que melhor se conheça e siga o dito caminho;
[...] se ocorrer em alguma necessidade que seja preciso socorro, se dará um tiro de canhão, e se for necessidade de socorro de pessoas, se darão dois, porque o mesmo fica entendido que farei eu, em meu navio, para que me socorra, se for preciso." (²)
Era muito importante que essas convenções fossem escrupulosamente obedecidas, porque:
  • Não havia, na época, modo mais eficiente de comunicação;
  • Em caso de algum acidente em um navio, outros poderiam prestar socorro;
  • A segurança dos que viajavam dependia do agrupamento de navios, para facilitar a defesa em caso de um ataque de piratas e corsários, o que não era nada incomum nesse tempo.
A imensa esquadra comandada por Pedro Sarmiento era composta por apenas dois navios "de verdade", em não muito bom estado, aos quais se juntaram pequenas embarcações feitas pelos próprios navegantes. Um dos navios desertou, e Sarmiento e os que com ele estavam completaram sozinhos a viagem que, depois de transposto o Estreito de Magalhães, conduziu-os à costa da África, aos arquipélagos de Cabo Verde e Açores e, finalmente, à Espanha. Não houve sinalização, portanto, que impedisse a nau comandada por Juan de Villalobos de "desaparecer". Sabe-se, todavia, que a técnica de sinalizar, dia e noite, respectivamente, com bandeiras e faróis, era usual, nessa época, para navios que viajavam em comboio. Em meio às ondas do oceano, as embarcações de madeira talvez parecessem tão frágeis como cascas de ovos, sendo necessária toda a ajuda mútua possível, no empreendimento de conduzir os corajosos navegadores até o destino que almejavam.

(1) As duas embarcações principais da expedição de Pedro Sarmiento foram denominadas "Capitana", na qual ele próprio ia, e "Almiranta", comandada por Juan de Villalobos.
(2) GAMBOA, Pedro Sarmiento de. Viage al Estrecho de Magallanes. Madrid: Imprenta Real de la Gazeta, 1768, p. 38. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.



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