quinta-feira, 26 de maio de 2022

Buriti foi alimento para soldados brasileiros na Guerra do Paraguai

Buritizeiros com cachos de frutos
Uma das grandes dificuldades enfrentadas por tropas brasileiras durante a Guerra do Paraguai foi a falta de suprimentos indispensáveis - alimentos, por exemplo. Não havia mapas acurados para orientar o comando, tampouco havia estradas para uma remessa fácil de víveres. Em um processo penoso, a guerra forçou o Brasil a tomar conhecimento de si mesmo. Na ausência da ração habitual (ou que deveria ser habitual), soldados recorreriam à caça e coleta de frutos. Pães de jatobá, por exemplo, foram frequentes na campanha de Mato Grosso.
O buriti (¹), comum no Centro-Oeste, foi também utilizado. Alfredo de Escragnolle Taunay, um jovem oficial na época da guerra, explicou: "Do buriti extrai-se um suco sacarino, usado, depois da fermentação, como bebida e do qual se pode tirar excelente açúcar, como o fez um oficial das forças. Os frutos dão em compridos cachos; são ovoides, com casca rija, amarelo avermelhada, escura e brilho metálico, todos cobertos por escamas romboides, que encobrem uma polpa pouco saborosa, ainda quando preparada com açúcar." (²)
Os soldados não eram muito exigentes quanto ao sabor daquilo que conseguiam encontrar para comer, ainda que, ante a expectativa de morrer de fome, chegassem, de acordo com Taunay, a causar transtornos para a dieta rotineira das araras: "[...] Em épocas de fome, de muito serviram aos soldados que procuravam não só os cocos [de buriti], em concorrência com as araras, como em razão do miolo que chupavam com grande gosto" (³).
Havia gado pastando à solta na região, mas a insuficiência de cavalos tornava difícil a captura de algum animal para abate. Às vezes, porém, uma pontaria feliz resultava em um churrasco preparado toscamente, do qual, como se pode facilmente deduzir, em pouco tempo nada restava.

(1) Fruto de uma palmeira, o buritizeiro (Mauritia flexuosa).
(2) TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. Cenas de ViagemRio de Janeiro: Typographia Americana, 1868, p. 152.
(3) Ibid., pp. 152 e 153.


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quinta-feira, 19 de maio de 2022

Costumes dos romanos quanto ao banho

Pela época do Império, os romanos, que foram um povo rústico nos primeiros tempos, haviam adquirido alguns hábitos sofisticados. Entre eles estava o costume de um banho, diariamente, em locais públicos construídos com esse propósito, embora pessoas de alta posição também tivessem recintos para banho em casa.
Sucede, porém, que banhar-se veio a ser, em Roma, muito mais que um hábito de higiene. Era evento social. Os banhos públicos tinham áreas destinadas a homens e a mulheres em separado, com água em várias temperaturas, além de escravos encarregados de massagear e perfumar os frequentadores com óleos e outros cosméticos. A hora do banho era considerada por muitos romanos como especialmente favorável para uma boa conversa com amigos - havia até políticos que preferiam debater assuntos de Estado enquanto mergulhados em água agradavelmente tépida. 
Quando romanos saíam do banho, tinham, geralmente, oportunidade para algumas atividades atléticas, em áreas anexas para isso projetadas. Para os que preferiam exercitar o cérebro, em algumas termas até mesmo uma biblioteca estava disponível. 
Vê-se, pois, que o banho ganhara contornos de ritual. A que horas acontecia? Ao que parece, a maioria dos romanos preferia banhar-se no meio da tarde, antes, portanto, da refeição que acontecia perto do anoitecer e que, em Roma, costumava ser a mais importante do dia. Outros, em menor número, talvez preferissem um bom mergulho em horários de pouco movimento. 
Espalhando seu estilo de vida por regiões conquistadas, os romanos levaram a elas, também, o hábito do banho. Foi o que aconteceu, por exemplo, em Corinto, que, depois de conquistada pelos romanos, tornou-se uma colônia:  "Os coríntios", escreveu Pausânias (¹) em sua Descrição da Grécia, "têm banhos em vários pontos da cidade, e alguns são mantidos às expensas públicas" (²). Coisa semelhante aconteceu em muitas outras localidades onde os costumes romanos se impuseram.

(1) c. 115 - 180 d.C.
(2) PAUSÂNIAS, Descrição da Grécia, Livro II. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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quinta-feira, 12 de maio de 2022

Como era a alimentação dos escravos no Distrito Diamantino

As áreas promissoras de extração aurífera eram, no Brasil Colonial, entregues à exploração daqueles que tinham escravos suficientes para ocupar na mineração. Já a extração de diamantes era monopólio da Coroa, mas era feita também por escravos, que eram alugados, de modo que seus senhores recebiam um pagamento pelos dias de trabalho dos cativos que legalmente lhes pertenciam. 
Dito isto, passemos à questão de como eram alimentados os escravos que procuravam diamantes. Como regra, a cada dia havia três refeições: almoço, jantar e ceia, como era costume nos tempos coloniais, tanto para os escravos como para os livres. Portanto, a primeira refeição era chamada almoço, na qual se gastava cerca de meia hora. Foi assim descrita pelo barão de Eschwege (¹):
"Ao almoço, servem, em grandes caldeirões, angu, isto é, uma mistura [...] de fubá, água e sal. Para essa refeição se lhes concede meia hora de descanso. Cada um devora sua ração, sozinha ou acompanhada daquilo que tenha comprado, caçado ou ganho de seu senhor [...]. Assim, um come uma banana ou qualquer outro fruto silvestre, outro um peixe ou uma ave assada em espeto de pau, enquanto um terceiro devora um pedaço de carne-seca, ou, menos feliz, o angu puro." (²)
Ao meio-dia era servido o jantar:
"Para a segunda refeição os escravos dispõem de duas horas de descanso. Assim, a boia deve estar pronta ao meio-dia em ponto. A esta hora, as bolotas de angu já estão empilhadas umas sobre as outras, ao lado do enorme caldeirão, cheio de feijão preto misturado a um caldo grosso e negro [...].
[...]
Como o alimento que recebem é desprovido de gorduras, a maior parte recebe dos donos um pouco de toucinho, destinado a tornar mais substanciosa a magra refeição.
Deve-se reconhecer em alguns deles sentimentos bons, pois os que recebem toucinho dos senhores ou podem comprá-lo, dividem-no com os companheiros menos felizes. Outros porém, sentam-se à distância, colocam sua panela no fogo para frigir a gordura e comem tudo, sem lembrar dos outros." (³)
A ceia, última refeição do dia, era bastante simples:
"Para a ceia recebem canjica, a que os gulosos misturam melado ou rapadura." (⁴)
Façamos, agora, algumas rápidas ponderações:
  • No Brasil, a alimentação oferecida aos escravos tinha as características de cada região. No caso do Distrito Diamantino, não era diferente.
  • A alimentação que os escravos recebiam era destinada a mantê-los trabalhando, nem mais e nem menos. Referindo-se à quantidade destinada a cada trabalhador, Eschwege observou: "[...] O alimento [...] é suficiente, pois dá para encher a barriga de cada um. Nunca varia de qualidade, porém, [...] não agradando ao paladar" (⁵).
  • Não é impossível que outros itens aparecessem eventualmente no cardápio, ainda que Eschwege tenha assegurado que, como regra, a comida era invariável: "Ano após ano, esses homens não recebem dos administradores senão milho, fubá, feijão-preto e um punhado de sal, a que acrescentam, uma vez por semana, um palmo de fumo de rolo para o cachimbo, ou rapé" (⁶).
  • Alguns senhores complementavam a alimentação para os escravos de sua propriedade porque, afinal, queriam preservar seus interesses econômicos. Ninguém precisava de muita esperteza para saber que o escravo que tivesse uma alimentação melhor poderia viver mais e, portanto, seria mais lucrativo a quem pagara por ele.
  • Havia escravos que tinham algum dinheiro para comprar alimento extra porque eram premiados quando encontravam diamantes bons (⁷) ou porque trabalhavam nas horas vagas, plantando alguma coisa que podiam consumir ou vender, a despeito das severas restrições que imperavam no Distrito Diamantino.
Nos domingos e em outros feriados religiosos não se devia exigir trabalho dos escravos. Apesar disso, o barão de Eschwege notou que, nesses dias, havia uma novidade na alimentação: tanto o feijão (do jantar) como a canjica (da ceia) eram cozidos com tutano (⁸). 

(1) Especialista em minas, esteve no Brasil a convite do governo joanino, para estudar o que poderia ser feito para reativar a exploração aurífera.
(2) ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 485.
(3) Ibid., p. 486.
(4) Ibid.
(5) Ibid., p. 485.
(6) Ibid.
(7) Segundo Eschwege, o escravo que encontrava um diamante superior a 17,5 quilates era libertado (Op. cit., p. 495). Para diamantes menores que isso, mas bastante valiosos, eram oferecidas pequenas recompensas.
(8) Cf. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Op, cit., p. 486.


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quinta-feira, 5 de maio de 2022

Poetas gregos viviam na corte de governantes da Antiguidade

Anacreonte (²) 
A poesia, enquanto arte, tem e sempre teve muitos apreciadores, embora não se possa afirmar, com idêntica certeza, que sempre andou na moda. Entre os antigos gregos, era muito valorizada. Havia até competições públicas para poetas, os textos em verso eram ouvidos nos anfiteatros e quem escrevia poemas com maestria era tão importante quanto um atleta consagrado nos jogos olímpicos.
Apesar disso, uma questão se impunha naquele tempo: de que viveriam os poetas? Por suposto, não havia editoras, e a circulação de obras escritas não se fazia do mesmo modo que hoje. Na Descrição da Grécia, de Pausânias, autor grego do Século II, somos informados de que muitos poetas achavam acolhida na corte dos governantes. Teria sido o caso, por exemplo, de Anacreonte (¹), patrocinado por Polícrates, tirano de Samos, enquanto Ésquilo (³), nascido em Elêusis, viveu durante algum tempo em Siracusa (⁴). 
Mas... Mas havia, ao que parece, quem preferisse fugir à conveniência do apoio de um mandatário, para preservar a independência ou para evitar viagens.
Homero (⁸)
Esse teria sido o caso, ainda de acordo com Pausânias, de Hesíodo (⁵), autor, entre outras obras, da famosa Teogonia, e de Homero (⁶), a quem são atribuídas a Ilíada e a Odisseia. Sim, são atribuídas, porque desde a Antiguidade houve quem questionasse essa autoria. Os dois poemas, compostos e repetidos oralmente, teriam sido fruto do trabalho de muitos autores, todos anônimos. Sêneca, em
De brevitate vitae, afirmou que "[...] os gregos tinham a mania de questionar quantos remadores tinha Ulisses, se foi escrita primeiro a Ilíada ou a Odisseia e se os livros foram obra de um único autor [...]" (⁷).
Como explicar, porém, a coerência interna que perpassa praticamente toda a Ilíada? Letras não se juntam por conta própria, formando palavras ordenadamente, para compor, ainda por si mesmas, uma obra dessa extensão (aliás, de extensão nenhuma). Alguém tem de ter criado o cerne desse épico, embora não seja absurdo admitir acréscimos e supressões no poema original, fruto da repetição oral e escrita ao longo dos séculos. Seja como for, sabendo tão pouco como se sabe sobre o Hesíodo e o Homero "de verdade", como argumentar que o primeiro detestava viajar, enquanto o segundo preferia o apoio popular e a independência, e, por isso, dispensaram a subvenção de algum monarca de seu tempo? Em casos assim, na ausência de um documento confiável, o melhor que se pode dizer é que não sabemos. Conjecturas são aceitáveis, desde que não percam o caráter de possibilidades que merecem ser investigadas, devido ao desconhecimento de fatos solidamente embasados.

(1) c. 570 a.C. - 495 a.C.
(2) HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 6.
(3) c. 525 a.C. - 456 a.C.
(4) Cf. PAUSÂNIAS. Descrição da Grécia, Livro I.
(5) É geralmente aceito que teria vivido entre os Séculos VIII e VII a.C.
(6) Teria vivido, talvez, entre os Séculos X e IX a.C., embora haja quem suponha ter sido muito antes. 
(7) SÊNECA. De brevitate vitae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(8) HEKLER, Anton. Op. cit., p. 8.


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