domingo, 9 de junho de 2013

Tamanduás

Tamanduá-bandeira, segundo obra do Século XVII (¹)

"Tamanduçu (²)", escreveu Frei Vicente do Salvador em sua História do Brasil (³), "é um animal tão grande como carneiro, o qual é de cor parda com algumas pintas brancas, tem o focinho comprido e delgado para baixo, a boca não rasgada como os outros animais, mas pequena e redonda, a língua da grossura de um dedo e quase três palmos de comprido, as unhas à maneira de escopros (⁴), o rabo mui povoado de cerdas, quase tão compridas como de cavalo, e todas estas coisas lhe são necessárias para conservar sua vida, porque como não come outra coisa senão formigas, vai-se com as unhas cavar os formigueiros, até que saiam da cova, e logo lança a língua fora da boca para que se peguem a ela, e como a tem bem cheia, a recolhe para dentro, o que faz tantas vezes até que se farta [...]."
Essa descrição apresenta, ainda, um pouco daquele deslumbramento que, nos escritos sobre o Brasil feitos ao longo do século XVI, assinalavam as descrições tanto de animais como de plantas típicos do Continente Americano. Como se vê, essa característica perdurou em relatos pelo século XVII adentro, e ainda poderia, mesmo, no XIX, ser encontrada, por exemplo, na Corografia Brasílica do Padre Ayres de Casal.
Mas, voltando ao texto de Frei Vicente do Salvador, passa ele da descrição das características do tamanduá-bandeira para uma curiosa observação quanto ao uso que dele faziam indígenas do Brasil:
"A carne deste animal comem os índios velhos, e não os mancebos, por suas superstições e agouros."

Tamanduá-mirim

No Século XIX, Hércules Florence presenciaria um interessante misto de jogo e dança, praticado por índios bororos, no qual se representava o movimento típico de um tamanduá:
"... dois deles, dentro do círculo, representavam o jogo do tamanduá. Um põe-se de quatro pés com uma criança agarrada às costas: é a fêmea do tamanduá-bandeira e seu filhote. Outro vem o incitar, pondo-lhe a ponta de um pau no nariz, imitando com muita fidelidade os movimentos letárgicos do animal, o que faz de tamanduá levanta devagar a cara e uma das mãos, com os dedos curvos como que querendo agarrar o pau: quando se adianta, o outro recua. Sabe-se que se esse bicho é pouco temível em razão de sua lentidão, nada é mais perigoso do que pôr-se ao alcance de suas unhas: não há outro remédio senão cortar-lhe a pata." (⁵)

(1) PISO/PIES, Willen et MARKGRAF, Georg. Historia naturalis Brasiliae. 
Amsterdam: Ioannes de Laet, 1648, p. 225. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) Provavelmente tamanduá-açu, ou tamanduá-bandeira.
(3) O manuscrito data de c. 1627.
(4) Instrumentos metálicos para corte.
(5) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 169.


Veja também:

2 comentários:

  1. Adorei a postagem.
    Pergunta: teria ja no blog alguma matéria
    sobre o Lobo Guará ?
    Bjs Linda terça-feira.

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  2. Hahaha, as postagens sobre lobos (inclusive guarás, mas também sobre lobos na Antiguidade, o lobo mau, etc.)estão sendo preparadas há algumas semanas, e devem aparecer no blog por volta da segunda semana de julho, eu acho. Espere só um pouquinho...

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