Escrivães deviam saber escrever
Qual seria a maior virtude de um escrivão? No Reino de Portugal, diziam as Ordenações (¹):
"Fiéis e entendidos devem ser os escrivães da nossa Corte, e que saibam bem escrever e notar, de maneira que as Cartas e Notas que fizerem, mostrem ser feitas por homens de bom juízo e entendimento." (²)
Pode parecer redundância, mas não era, nem estou contando alguma anedota - em Portugal e em suas possessões de ultramar os escrivães deviam saber escrever. Consta que em São Paulo, nos tempos coloniais, um sujeito aceitou nomeação para o cargo e, um mês depois, pediu que dele fosse exonerado, já que não sabia escrever...
Simplificando, o processo de nomeação dos escrivães funcionava assim: o rei nomeava o escrivão que, no entanto, para exercer efetivamente seu cargo, deveria passar por exame comprobatório de sua capacidade para o ofício. É o que se vê também nas Ordenações:
"Os Escrivães da Corte hão de ser examinados pelos desembargadores do Paço, tanto que houverem nossa Provisão, pela qual lhes fazemos mercê dos ofícios, antes que hajam as Cartas deles, se sabem escrever e notar, de maneira que sejam pertencentes para os ditos ofícios, ou se são infamados de tal infâmia ou suspeita, que honestamente não caibam neles. E segundo o que acharem pelo exame, assim devem mandar-lhes fazer as Cartas dos Ofícios, ou notificar a Nós seus defeitos, para fazermos como for nossa mercê." (³)
Além da remuneração e da posição social que o ofício de escrivão trazia consigo, era privilégio e obrigação de todos os escrivães o portar armas quando seguiam suas obrigações fora dos tribunais, o que se proibia para a maioria das pessoas. Todo escrivão devia, necessariamente, ter couraças, capacete, lança e adaga (⁴). Entretanto, a punição para escrivães infiéis ou relapsos em suas funções era severa:
"E quando passarem alguns instrumentos às partes, declararão toda a verdade dos autos, que pelas partes ou pelo juiz for apontada em seus requerimentos ou respostas, sob pena de privação dos ofícios..." (⁵)
Antevendo, porém, que algum escrivão afastado de seu cargo podia bem fazer-se de desentendido, tentando manter-se na função, a férrea legislação fulminava-o com mais horrendo castigo, o degredo para o Brasil (!!!):
"E se depois que o tabelião ou escrivão incorrer nas ditas penas, por denegar o instrumento à parte, fizer mais escritura ou outra alguma coisa que a seu ofício pertença, mandamos que seja preso, e da cadeia pague vinte cruzados, a metade para os cativos e a outra para quem o acusar, e mais será degradado dez anos para o Brasil..." (⁶)
(1) Ordenações do Reino, de acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
(2) Livro Primeiro, Título XXIV.
(3) Ibid., § 1º.
(4) Livro Primeiro, Título LVII.
(5) Livro Primeiro, Título LXXX, § 12.
(6) Ibid., § 13.
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