quarta-feira, 12 de junho de 2013

Ler e escrever, eis a questão - Parte 1

A relação entre a prática da escrita e o exercício do poder na Antiguidade


Hoje em dia há muito poucos trabalhos para uma pessoa não alfabetizada, pelo menos para quem vive em áreas urbanas. E, mesmo quando é possível a um analfabeto encontrar trabalho, há que se reconhecer que a incapacidade de ler e escrever resulta em sério dano ao exercício pleno da cidadania, particularmente em uma sociedade democrática.
No passado, no entanto, a maioria das pessoas não sabia ler e, menos ainda, escrever, de modo que a capacidade de dominar a escrita era, por si só, uma profissão: a de escriba.
No Egito Antigo os escribas tinham excelente posição social - também como uma escrita daquelas! Na prática, eram indispensáveis à burocracia de Estado e aos templos (o que, às vezes, era a mesma coisa). Sua habilidade em registrar os grandes feitos dos faraós, tanto os autênticos como os exagerados e  até mesmo imaginários, era a garantia da perpetuação do nome dos poderosos monarcas. Isso entre os vivos. Da morte, cuidava-se, no Egito, como todo mundo sabe, com mumificação e sepultamentos mais que suntuosos (não necessariamente em pirâmides), mas sempre em túmulos nos quais as inscrições eram muito importantes. Afinal, o que seria de um faraó na outra vida sem o conjunto de inscrições de caráter mágico a que hoje se dá o nome de "Livro dos Mortos"?... Eis a causa de ser a profissão de escriba tão importante naqueles tempos.
Um pouco menos complicada que os hieróglifos, a escrita cuneiforme também ensejou o aparecimento de escribas profissionais. Na Mesopotâmia, porém, ir à escola e aprender a escrever e a fazer contas tinha também uma outra justificativa, ou seja, comerciantes começavam a perceber a utilidade de registros precisos de suas atividades. É claro que isso estava a milhões de quilômetros de uma política de alfabetização em massa, mas já era, inegavelmente, uma mudança. Gregos e romanos, por sua vez, com formas de escrita alfabéticas e, por isso mesmo, muito mais simples, chegaram ao ponto de entender que a capacidade de escrever era essencial ao exercício da cidadania, mesmo se considerarmos que o conceito de cidadão, nesses tempos, era bastante diferente e mais restritivo do que aquele que se emprega hoje nas democracias ocidentais. Assim, a escrita não estava mais limitada ao âmbito dos templos, túmulos e registros de façanhas reais. Jovens aristocratas precisavam ser muito bons em ler e escrever, porque precisavam estudar muito, a fim de se tornarem capazes de, no pleno exercício da política, defender seus interesses e os de seu estrato social. Mesmo artesãos, gente simples do povo, eram capazes de escrever, e não poucos documentos comprovam esse fato.
Não foi por acaso, então, que pelas alturas da expansão do Cristianismo pelo Império Romano, textos escritos de gênero epistolar tenham sido amplamente empregados para a divulgação da nova religião, e é bom lembrar que isso não se restringe aos documentos da chamada era apostólica - na patrística encontram-se bons exemplos de cartas que bispos e outros líderes religiosos encaminhavam aos fiéis, na intenção de orientar os conversos em meio a uma sociedade que passava por severas mudanças que redundavam em convulsões sociais, políticas e militares. Se é verdade que nem todo mundo sabia ler, também é fato que sempre havia alguém por perto que podia fazê-lo, de modo que enviar cartas através dos correios que seguiam pelas ótimas estradas romanas era um meio bastante eficiente de fazer com que as informações circulassem. Os cristãos souberam valer-se disso muito bem.


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