quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Para que servem os rabanetes

Já tentou cultivar rabanetes, leitor? É coisa simples. Colocam-se as sementes em um canteiro com terra de boa qualidade e, depois disso, contam-se os dias: um, dois, três... As sementes começam a brotar e, dentro de mais ou menos três semanas (depende um pouco do lugar), você terá rabanetes frescos para suas saladas, com o orgulho de poder afirmar: fui eu mesmo/mesma que plantei!
Se você quiser ver rabanetes brotando, mas não tiver espaço suficiente para um canteiro, talvez possa gostar de um experimento bem simples, que já foi muito comum nas escolas, para o qual precisará apenas de um copo de vidro transparente, de uma toalha de papel, de uma pinça e de algumas sementes de rabanete. O procedimento é este: molhe a toalha de papel (sem encharcar) e, com ela, forre cuidadosamente a parede interna do copo. Depois, com auxílio da pinça, espalhe as sementes entre o copo e a toalha de papel. Cuide para que o papel seja mantido úmido e, depois de poucos dias, você verá as sementes brotando. Não terá rabanetes para salada, é claro, mas, se tiver gente pequena e curiosa em casa, os brotos serão material interessante para ser observado ao microscópio, desde que haja paciência suficiente para preparar corretamente as lâminas.
Mas por que, afinal, sendo este um blog de História, estamos falando de horticultura?
Rabanetes são apreciados desde a Antiguidade. Eram parte importante da alimentação dos egípcios que trabalhavam na construção de pirâmides. Horticultores medievais, sempre que o clima permitia, adotavam seu cultivo. Sabe-se, também, que, na Grécia Antiga, a região de Mantineia era afamada pela produção de excelentes rabanetes. Isto quer dizer que quando alguém ia à praça do mercado em uma cidade grega, teria a possibilidade de encontrar alguns, que poderia adquirir, juntamente com outros vegetais. 
Acontece que, uma vez ou outra, tendo começado alguma discussão no mercado, o tom subia até virar tumulto, e a multidão, já nem sabendo qual a causa da discórdia, entrava na briga. Consta que, nessas circunstâncias, não era incomum que alguns lançassem mão de pequenos projéteis vegetais para atacar os oponentes (nesse tempo não havia balas de borracha), e lá ia a democracia pelos ares... Sim, era para isso que (também) serviam os rabanetes! 
Se alguém acha que uma batalha campal dessa natureza não poderia resultar em grande dano, é porque está pensando em rabanetes como tenras esferas de uns dois centímetros de diâmetro, no máximo. Mas podia ser pior. Vejam a foto abaixo, que mostra um autêntico Raphanus sativus de quinhentos e onze gramas e nove centímetros e meio de diâmetro. Com semelhantes propriedades e fazendo dela uma espécie de granada de mão da Antiguidade, tal hortaliça, habilmente arremessada, poderia derrubar um êmulo de Golias.



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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O preço de um cavalo nas minas do Brasil Colonial

Cavalos eram imprescindíveis no Século XVIII, quer como meio de transporte nas cidades e vilas, quer como auxiliares no trabalho agrícola. E, se era assim na vida rotineira da época, não haveria razão para que coisa diferente acontecesse nas minas que, em consequência da procura insaciável por ouro, faziam nascer povoações muito populosas em um piscar de olhos.
Contudo, cavalos não são nativos da América, e, portanto, não era possível sair simplesmente a capturá-los em meio à mataria das Gerais. Era preciso trazê-los de longe - do Nordeste açucareiro, de São Paulo, do Rio de Janeiro, ou até de pontos ainda mais distantes - e os animais que resistiam aos meses de viagem, às doenças e à má alimentação eram vendidos por preços tão altos que fariam os Andes e o Himalaia parecerem insignificantes.
Na célebre obra de Antonil (¹), Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, publicada em 1711, encontra-se esta afirmação, relativa aos preços dos cavalos:
"Por um cavalo sendeiro, cem oitavas.
Por um cavalo andador, duas libras de ouro." (²)
Sim, os pagamentos se faziam em ouro, porque este havia em abundância, enquanto quase tudo o mais escasseava.
Vejamos, leitores, em que esses preços resultavam. Uma oitava corresponde a 3,58 gramas; portanto, um cavalo sendeiro sairia a 358 gramas. Uma libra corresponde a 0,453 gramas, o que nos leva à conclusão de que um cavalo andador custaria nada menos que 0,906 gramas de ouro. Uma simples verificação da cotação do ouro permitirá alguma referência quanto ao preço desses animais.
Os lucros mirabolantes obtidos pelos que faziam comércio nas Minas cooperou, de acordo com André João Antonil,  não só para a decadência das regiões açucareiras, como para a elevação geral dos preços no Brasil: "E estes preços tão altos, e tão correntes nas Minas", escreveu ele, "foram causa de subirem tanto os preços  de todas as coisas, como se experimenta nos portos das cidades e vilas do Brasil, e de ficarem desfavorecidos muitos engenhos de açúcar das peças necessárias, e de padecerem os moradores grande carestia de mantimentos, por se levarem quase todos, aonde vendidos hão de dar maior lucro" (³). Cabe apenas dizer que as "peças" a que Antonil fez referência eram os escravos, mão de obra nos engenhos coloniais e nas minas. Os preços deles, também, se elevaram, e muito.

(1) Entende-se que André João Antonil foi pseudônimo adotado pelo jesuíta italiano Giovanni Antonio Andreoni para a publicação de Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas.
(2) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 142.
(3) Ibid., pp. 142 e 143.


quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

O que é povo

Povo: dificilmente haverá palavra mais usada em época de campanha eleitoral. "O povo quer", "o povo precisa", "em nome do povo", "em favor do povo", "pela vontade do povo", e por aí segue o discurso repetitivo adotado por muitos candidatos. Quase não há quem desconheça o quanto o conceito de povo foi manipulado por regimes totalitários do Século XX.
Mas, afinal, o que é povo?
Resolvi fazer uma consulta popular (!!!), solicitando a várias pessoas que dissessem qual a primeira ideia que lhes vem à cabeça quando ouvem a palavra "povo". Selecionei algumas respostas, entre sérias e pitorescas:
  • "Quase todo o conjunto da população (com exceção da classe política)."
  • "É o que eu vejo na rodoviária todo dia, pela manhã."
  • "Povo são os habitantes de uma comunidade."
  • "Multidão de pessoas que falam a mesma língua e têm costumes e interesses semelhantes."
  • "Povo são os amigos, a galera."
  • "Habitantes de uma determinada região."
E vocês, leitores, o que dizem?
Em Roma, o conceito de povo estava, ao que parece, profundamente ligado ao exercício de tudo o que envolvia a cidadania romana, e, portanto, não será exagero dizer que, nesse sentido, povo podia, perfeitamente, ser entendido como o coletivo dos cidadãos. Como prova disso, vejam, leitores, estas palavras de Cícero, político e filósofo notável pela oratória no Século I a.C.: "Povo, porém, não é o ajuntamento de homens reunidos de qualquer modo, mas a multidão ligada pelo consenso da justiça e da utilidade comum [...]." (¹)
Muitos séculos mais tarde, "povo" passou a ter outro sentido. Coletivamente, veio a designar todos aqueles que não pertenciam à nobreza. Foi assim em parte dos tempos medievais e, com toda certeza, nos dias conhecidos como a "Era Moderna". Compreende-se, pois, sem grande dificuldade, que tal polarização tenha contribuído para acirrar conflitos e conduzir a revoltas e revoluções nada favoráveis à cabeça de reis e nobres. Afinal, o que é que havia de especial na gente da nobreza que, hereditariamente, lhe assegurava privilégios obtidos à custa do restante da população? Alexandre Herculano expressou opinião deveras interessante sobre a diferença moral entre o povo e as elites: "Sobre os farrapos do povo", disse ele, "não têm cabida os adornos de ouropel. É a única diferença moral que há entre ele e as classes superiores, que se creem melhores, porque no ginásio da civilização aprendem desde a infância as destrezas e os momos de compostura hipócrita" (²).
Que dizer do Brasil? C. Schlichthorst, militar alemão contratado como oficial para o 2º Batalhão de Granadeiros do Império, observou, em relação às mudanças introduzidas pela aplicação do ideário iluminista que, no caso do Brasil, teve, de permeio, o processo de Independência: "Como no Brasil nem todos os habitantes constituem o povo, pois os escravos são considerados mais coisas do que pessoas, depressa se decidiu a luta entre o velho e o novo sistema. Talvez por isso mesmo seja mais demorada sua completa consolidação." (³) 
O assunto é vasto, leitores, e dá margem a muita polêmica. Digo apenas que, a meu julgar, e tendo em conta o modo como se fizeram a Independência, a abolição do sistema de trabalho escravo e a proclamação da República, paralelamente à estrutura social vigente e a algumas ideias e valores muito antigos que, a despeito de caducos, insistiram (e insistem) em sobreviver, a consolidação de que falou Schlichthorst ainda é obra a ser concluída.

(1) CÍCERO, Marco Túlio. De re publica. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(2) HERCULANO, Alexandre. Lendas e Narrativas vol. 1. Lisboa: Bertrand e Filhos, 1851, p. 55.
(3) SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro Como É (1824 - 1826). Brasília: Senado Federal: 2000, p. 195.


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Sucuris

Isto já foi parte de uma sucuri (¹)

Há algumas semanas, a imprensa andou comentando o caso de uma sucuri capturada em uma fazenda no interior de Goiás, cujo proprietário, depois de notar o sumiço de alguns animais, resolveu instaurar vigilância e constatou que a larápia era ninguém menos que um exemplar de quase seis metros de comprimento. Com as precauções indispensáveis, o réptil foi capturado e devolvido à natureza, depois que profissionais especializados constataram seu perfeito estado de saúde. 
Aparições de sucuris já não ocorrem frequentemente, daí o estardalhaço com que são noticiadas. Mas nem sempre foi assim. No Brasil Colonial, as sucuris, por suas dimensões, impunham espanto e medo aos colonizadores. De acordo com frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (²), quem precisava andar por áreas alagadas usava, naquele tempo, a seguinte estratégia, para saber de antemão se havia sucuris por perto:
"Os que andam por semelhantes lugares e lhes é preciso atravessar esses lagos, para saberem se neles habitam estas cobras, ou serpentes, em chegando à margem deles, disparam uma arma de fogo, porque elas ao mesmo tempo que ouvem o estouro, correspondem, dando um grande urro [sic], lançando a cabeça fora da água; e assim se conhece facilmente onde as há." (³)
Fato ou lenda, ninguém sabe ao certo, mas foi Francisco José de Lacerda e Almeida quem contou em 1788, ao escrever um diário de viagem pelo rio Tietê:
"Deixei na margem boreal um ribeirão chamado Sucuriy [sic], por causa de uma cobra deste nome de extraordinária grandeza, que nele foi achada. Os escravos que vinham na comitiva, julgando ser um tronco, quiseram-lhe deitar fogo para se aquentarem a ele por toda noite: com o calor se moveu o suposto tronco, e cheios de admiração todos se tiraram do engano em que estavam. Esta é a tradição, e muito verossímil para os que têm viajado por este novo mundo, onde a cada passo estão encontrando coisas que teriam por fabulosas se não tivessem sido testemunhas oculares." (⁴)
Compreende-se, assim, por que motivo, mesmo bastante tempo depois, Euclides da Cunha, em Os Sertões, comparou o combate dos sertanejos contra forças governamentais, durante a Guerra de Canudos (⁵), à luta entre uma sucuri e um touro:
"A tática invariável do jagunço expunha-se temerosa naquele resistir às recuadas, restribando-se em todos os acidentes da terra protetora. Era a luta da sucuri flexuosa com o touro pujante. Laçada a presa, distendia os anéis; permitia-lhe a exaustão do movimento livre e a fadiga da carreira solta, depois se constringia repuxando-o, maneando-o nas roscas contráteis, para relaxá-las de novo, deixando-o mais uma vez se esgotar no escarvar a marradas, o chão; e novamente o atrair, retrátil, arrastando-o - até ao exaurir completo..."

(1) O esqueleto visto na foto pertence ao acervo do Museu de Ciências Naturais do Zoológico de Brasília. 
(2) Antônio de Santa Maria Jaboatão foi um autor do Século XVIII que escreveu sobre as origens e desenvolvimento das missões e conventos franciscanos no Brasil, entretecendo, em sua obra, relatos sobre o quotidiano colonial, que são interessantes para quem se dedica a estudar esse período.
(3) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil Segunda Parte. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1859, p. 677.
(4) ALMEIDA, Francisco José de Lacerda e. Demarcação dos Domínios da América Portuguesa. São Paulo: Typographia de Costa Silveira, 1841, p. 81.
(5) 1896 - 1897.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Plutarco e a educação das crianças

Plutarco (¹), que era grego de nascimento, mas que se tornou cidadão romano (²), é famoso pelas muitas biografias que escreveu.  Talvez, quanto à veracidade das informações, não seja o mais confiável dos escritores de seu tempo, mas, ainda assim, é fonte importante, quando se trata de estudar a Antiguidade. Como filósofo, escreveu sobre temas variados, e veremos aqui algumas ideias suas quanto à educação de crianças. Para ele, quanto mais cedo um bebê começasse a ser educado, melhor seria, e comparava a questão à doma dos cavalos: "Sendo domados quando pequenos, que cavalos não se deixam, depois de adultos, montar e controlar pelos donos? Quais os cavalos não domados que, mais tarde, não são bravios e teimosos?" (³) Que bela analogia! Pela mesmíssima razão - a desejável precocidade no processo educativo - propunha que, tanto quanto possível, cada bebê deveria ser amamentado pela respectiva mãe, e não por uma ama de leite.
Ora, meus leitores, conforme já disse, Plutarco foi apaixonado escritor de biografias, e foi buscar inspiração em Licurgo, o célebre e um tanto obscuro legislador de Esparta:
"Licurgo, legislador dos lacedemônios, escolheu dois cãezinhos, filhos dos mesmos pai e mãe, e criou-os com hábitos distintos, de modo que um veio a ser preguiçoso e comilão, enquanto o outro aprendeu a ser bom farejador e caçador. Apresentou-os depois aos lacedemônios, dizendo-lhes que vissem quanto a disciplina, bons hábitos, ensino e criação adequada eram decisivos para o desenvolvimento das virtudes. "Vocês verão isto claramente" - disse ele - e apresentou-lhes os dois cães, colocando à frente deles uma vasilha com carne e uma lebre viva. Com todo ímpeto, um dos cães se atirou a comer a carne, enquanto o outro se pôs a correr atrás da lebre. Os lacedemônios não puderam, contudo, atinar quanto ao que pretendia ensinar-lhes, e assim, posto no meio deles, explicou: "Os dois cães nasceram do mesmo pai e da mesma mãe, mas foram criados de modo diferente, e foi assim que um veio a ser comilão, e o outro, caçador"." (⁴)
E Plutarco, reforçando sua posição, acrescentou:
"Convém, portanto, estabelecer regras e controlar os hábitos dos filhos desde o princípio, porque a infância é idade tenra, em que se pode moldar o que se deseja, e é na mente infantil que se inculca melhor a disciplina" (⁵).

(1) Nascido em Queroneia em c. 45 d.C.
(2) Era muito conveniente.
(3) PLUTARCO. Moralia.
(4) Ibid.
(5) Ibid. As citações de Moralia de Plutarco existentes nesta postagem foram traduzidas por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


terça-feira, 14 de janeiro de 2020

A esquadra que trouxe o primeiro governador-geral ao Brasil

Tomé de Sousa, nomeado primeiro governador-geral do Brasil em 1548, chegou às terras portuguesas na América do Sul no ano seguinte. Não veio sozinho, é claro. De acordo com Antônio de Santa Maria Jaboatão, autor setecentista, a esquadra de Tomé de Sousa era constituída por "três naus de guerra (¹), duas caravelas e um bergantim" (²), não faltando espaço, portanto, para que viesse com ele um grupo de pessoas numericamente expressivo.
Entre a gente graduada que então pôs os pés no Brasil, Jaboatão referiu: "Para ouvidor-geral foi mandado o doutor Pedro Borges, e Antônio Cardoso de Barros para provedor da Fazenda Real, com todos os mais ministros e oficiais competentes para administração da justiça. Para a conversão do gentio vinham também alguns religiosos da Sagrada Companhia (³) [...], para que uma e outra conquista surtisse melhor o seu efeito, tanto a das almas dos gentios como a dos interesses da Coroa [...]." (⁴)
Mas, como todo o trabalho ainda estava por fazer, a começar pela construção de uma cidade destinada a ser a primeira capital do Brasil, havia muito mais gente nos navios, também citada por Antônio de Santa Maria Jaboatão, ao falar da chegada e desembarque do governador-geral: "Aqui pôs Tomé de Sousa em terra a gente que trazia capaz de peleja, seiscentos soldados, e quatrocentos degradados (⁵) (boa droga ou semente para novas fundações, e de que nasceram nestas conquistas os principais e maiores abortos de vícios, escândalos e desordens), vários casais, alguns criados de el-Rei providos de cargos e ofícios [...]." (⁶)
Toda a multidão de funcionários, para uma variedade de cargos, dispensáveis e indispensáveis, demandaria, desde então, salários. Quanto aos sentenciados a degredo, Jaboatão disse o bastante. Jesuítas logo demonstrariam a maior aversão a eles, pelos maus costumes que faziam questão de perpetuar no ambiente colonial. Nem podia ser diferente, numerosos como eram, ainda que, se quisermos ser justos, tenhamos de reconhecer que, de um modo ou de outro, desempenharam um papel significativo nos rumos da colonização.

(1) Uma das principais atribuições do governador-geral era combater os ataques de piratas, corsários e invasores estrangeiros ao longo do litoral brasileiro. Esse fato justifica que Tomé de Sousa e seus subordinados viessem ao Brasil em navios de guerra.
(2) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Crônica dos Frades Menores da Província do Brasil  Volume 1. Rio de Janeiro: Typ. Brasiliense, 1858, pp. 123 e 124.
(3) Jesuítas.
(4) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Op. cit., p. 122.
(5) Condenados em Portugal que vinham cumprir pena de degredo no Brasil.
(6) JABOATÃO, Antônio de Santa Maria O.F.M. Op. cit., p. 123.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Por que Júlio César foi assassinado

Júlio César (⁴)
Dia 15 de março de 44 a.C., os "idos de março", para os antigos romanos. Nesse dia, por volta das onze da manhã (¹), Júlio César foi assassinado. Fora avisado pelos áugures de que havia grave ameaça sobre ele, mas, supersticioso como era, ainda assim desprezou a advertência e, ao se apresentar para um compromisso público, foi morto com múltiplas punhaladas. Eram mais de sessenta os conspiradores (²). Por quê?
De acordo com De vita Caesarum, de Suetônio, o pretexto formal é que havia quem pretendesse dar a César o título de rei, sob o argumento de que nos livros sibilinos haveria uma profecia segundo a qual Roma somente conquistaria a Pártia se fosse governada por um rei. Ora, o povo romano tinha a mais ferrenha aversão à monarquia, desde que o último dos sete reis, Tarquínio, chamado "o soberbo" fora deposto. Mas, com profecias sibilinas ou sem elas, é fato que César flertava com a monarquia, ainda que afirmasse jamais aceitar uma coroa. Seu comportamento, àquela altura, mais parecia o de um rei que de um governante republicano. Não era, já, ditador vitalício?
O apoio popular, que Júlio César tão zelosamente cultivara, era instável. A plebe estava sempre ao seu lado, "sempre" significando, aqui, quando fazia distribuições de víveres e de dinheiro (³). Quanto ao patriciado, irritara-se com a decisão de César de introduzir gauleses no Senado. O ditador tinha, pois, inimigos à direita e à esquerda.
Seriam essas explicações suficientes para um assassinato público? Sêneca, que viveu no século seguinte - era filósofo estoico e foi professor de Nero - interpretou a morte de César sob outro olhar: "O divino Júlio", disse ele, "foi morto com a participação antes de amigos que de inimigos, por não ter concretizado suas pretensões ilimitadas" (⁵). Suas palavras sugerem uma reflexão útil aos poderosos de todos os tempos.

(1) À hora quinta. A correspondência com o sistema atual de vinte e quatro horas varia um pouco, de acordo com a época do ano.
(2) Suetônio, em De vita Caesarum, apontou Caio Cássio, Marco e Décimo Bruto como os líderes do complô.
(3) Sim, leitores, isso acontecia.
(4) HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 156. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(5) SÊNECA. De iraO trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Por que se cultivava milho e feijão nas fazendas de café do Século XIX

Pensemos nas fazendas do Vale do Paraíba e áreas adjacentes em meados do Século XIX. O cultivo de café era prioridade, não há dúvida, mas, para assegurar a produção desse gênero exportável, recomendava-se plantar, também, aquilo que fosse mais útil para a manutenção dos trabalhadores (escravos, nesse tempo). Entre as culturas secundárias, mas indispensáveis, estavam o milho e o feijão.

Milho


São palavras de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (¹), recomendando o plantio de milho ao filho, ainda jovem, que assumia o comando de uma propriedade agrícola: "É este o alimento mais necessário ao lavrador de serra acima; com ele se nutrem os escravos, a tropa (²), os cavalos, os porcos, os carneiros, galinhas, etc. etc. Deve-se ter o celeiro onde se guarda bem provido, e haver a maior cautela na sua sementeira, que deve ser em terras da melhor qualidade." (³)
Como o objetivo era ter o máximo ganho, todo desperdício deveria ser evitado: "[...] A palha não se deve queimar, mas sim guardar em um paiol para isso feito, e deste se vai tirando para a boiada, por ser um grande alimento para estes animais." (⁴)
Não sei se os bois aprovariam, mas é de se notar um avanço em relação aos tempos coloniais, quando se dava ao bagaço da cana-de-açúcar o pior destino possível. Werneck acertava, é claro, em buscar o aproveitamento de tudo o que era cultivado.

Feijão


Quanto ao cultivo de feijão, Lacerda Werneck recomendou, ao salientar seu emprego na alimentação, tanto dos escravos quanto da família do fazendeiro: "É este um alimento tanto mais sadio quanto necessário [...]; serve ele para a principal alimentação dos trabalhadores e para o prato quotidiano de nossas mesas, dando-se-lhe o nome vulgar de pai da casa." (⁵)
Em suas instruções de cultivo, temos um retrato das práticas agrícolas associadas ao feijão no Século XIX, quando os braços cativos, que moviam enxadas, eram os equipamentos agrícolas usuais no Brasil:
"Logo que ele [o feijão] tem um mês ou que principia a deitar o baraço, deve-se-lhe chegar terra ao pé, e tirar todas as ervas parasitas [sic]. O melhor meio de se conseguir vantagem deste grão é plantá-lo debaixo do milho, e também na falta deste se planta solteiro ou entre canas semeadas de novo, mas nesse caso é melhor usar do de cor, que também resiste melhor ao frio, se porventura se fizer a sementeira em março, o que só se deve praticar por urgente necessidade." (⁶)
Em razão das distâncias e das dificuldades de transporte, propriedades agrícolas do Século XIX deviam ser tão autônomas quanto possível, o que explica, ainda, esta consideração de Lacerda Werneck sobre a palha do feijão, quando, depois da colheita, a plantação secava: "A palha queima-se quando não houver cômodo para depositá-la; no dia seguinte, junta-se a cinza que abunda de potassa, e guarda-se em formas ou jacás para com ela se fazer decoada para o sabão do gasto da casa." (⁷)

(1) Segundo barão de Paty do Alferes. Sua Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda foi publicada originalmente em 1847.
(2) Muares empregados no transporte de carga.
(3) WERNECK, Francisco Peixoto de Lacerda. Memória Sobre a Fundação e Custeio de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863, p. 85.
(4) Ibid., p. 88.
(5) Ibid., p. 89.
(6) Ibid., p. 90.
(7) Ibid., p. 92.


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quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Machadinhas de cobre em troca de contas coloridas

Escambo, todo mundo sabe, é o nome tradicionalmente dado às trocas de mercadorias entre europeus e indígenas da América, ocorridas no princípio da Colonização. À procura de madeiras nobres, especiarias e metais preciosos, comerciantes ofereciam aos indígenas tesouras, facas e outras ferramentas, contas coloridas, ou seja, coisas de baixo custo, ainda que o valor de um objeto não esteja relacionado apenas ao preço, mas à raridade e estima que lhe são dadas. Economicamente, os europeus levavam grande vantagem, mas seria tolice negar que nativos do Continente Americano logo tenham desenvolvido interesse por esse tipo de comércio. Em alguns casos, contudo, as trocas resultaram em situações engraçadas. Vou falar de uma delas.
Corria o ano de 1518. Um grupo de soldados e aventureiros espanhóis, desesperados por encontrar ouro, navegava nas proximidades do México, quando entrou em contato com alguns indígenas e começou a resgatar com eles. "Resgatar" significava fazer trocas ou escambo, e "resgates" eram as mercadorias de pouco valor que ofereciam aos ameríndios. Conta Bernal Díaz del Castillo, soldado espanhol que era parte do grupo:
"[...] todos os índios daquela província tinham por costume trazer umas machadinhas de cobre polido, à semelhança de armas, que tinham cabos de madeira muito pintados, e nós acreditamos que eram ouro baixo, e começamos a resgatar com eles; digo que em três dias conseguimos mais de seiscentas delas, e estávamos muito contentes, crendo que eram de ouro baixo, e os índios muito mais com suas contas. Tudo, porém, em vão, porque as machadinhas eram de cobre (¹), e as contas, quase nada. Um marinheiro havia resgatado às escondidas sete machadinhas e estava muito alegre por elas, e parece que outro marinheiro foi dizê-lo ao capitão, que lhe ordenou entregá-las, mas nós pedimos por ele, e ficou com as machadinhas, crendo que eram de ouro." (²)
Quem poderia calcular o entusiasmo dos espanhóis, diante de um "achado" que, supunham, iria torná-los ricos de um dia para outro? Que sorte, a deles...
Navegaram de volta a Santiago de Cuba, onde estava o governador Diego Velazquez, a quem deviam prestar contas de suas viagens, descobertas e façanhas. Como leais súditos do rei da Espanha, apresentaram as machadinhas brilhantes para que o ouro fosse quintado (³). Foi aí que fizeram uma importante - e triste - descoberta. É ainda Bernal Díaz quem relata:
"[...] trouxeram as seiscentas machadinhas (⁴) que pareciam de ouro, e quando as trouxeram para quintar estavam tão mofadas, como cobre que eram, e ali houve muito que rir e dizer da burla e do resgate." (⁵)
Para quem queria ouro, era mesmo muito pouco.

(1) Ou, pelo menos, Bernal Díaz supunha que fossem desse material.
(2) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. Os trechos dessa obra citados aqui foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Vejam, leitores, que a cobrança dos Reais Quintos não era exigência apenas dos monarcas portugueses.
(4) Não é impossível haver exagero no número de machadinhas que trouxeram.
(5) CASTILLO, Bernal Díaz del. Op. cit.