Que tal substituir as enxadas por arados?
Até meados do Século XIX, o equipamento de uso agrícola mais moderno que frequentava a maioria das lavouras brasileiras chamava-se enxada, equipamento esse que era, usualmente, posto em funcionamento mediante o emprego da força muscular de escravos vigorosos.
Não venham me dizer, senhores leitores, que isso é inacreditável. Correspondia à rotina das plantações, independente do cultivo que se praticava.
Em O Agricultor Brasileiro, publicação já mencionada na postagem anterior, apareceu um cálculo interessante, demonstrando quanto podia fazer um escravo diariamente em seu trabalho, seguindo-se uma comparação quanto ao que se obteria no caso de se utilizar um arado, um prosaico arado, em lugar de tantos escravos na lavoura. Eis a informação do trabalho feito com enxada e a despesa estimada com escravos:
"A despesa que mais avulta na agricultura é a de braços em número suficiente para lavrar. Um trabalhador não pode lavrar mais de vinte braças quadradas por dia, trabalhado dez horas diárias [sic], e duas braças por hora; de sorte que para lavrar duzentas braças serão necessários dez trabalhadores em um dia, ou dez dias para um trabalhador. Ora, sendo escravos os nossos trabalhadores e custando cada um pelo menos oitocentos mil réis, tem-se a necessidade de empregar oito contos de réis, que produzem, ao juro de 6% ao ano, a renda de 480 mil réis, ou cerca de 1.315 réis por dia, além do sustento e risco do capital empregado nos escravos, que morrem mais cedo ou mais tarde." (¹)
Façamos uma pausa para algumas considerações. Antes de mais nada, observaram os leitores a longa jornada - dez horas - que se estimava como normal para um escravo na lavoura? Além disso, percebe-se que o "normal", da época, era mesmo o trabalho feito sempre com enxadas. Qualquer modernização nas práticas agrícolas devia parecer muito perturbadora aos fazendeiros. Observe-se também que, em 1853, quando foi publicado o primeiro número de O Agricultor Brasileiro, os preços dos escravos estavam ficando cada vez mais altos. A causa disso? O fim do tráfico de africanos, a partir da Lei Eusébio de Queirós, datada de 1850. Mas vamos em frente, com a proposta de adoção do arado para substituir as enxadas:
"Porém, se na nossa lavoura estivesse admitido o uso dos arados, grande seria a economia dos proprietários. Existem presentemente no país arados construídos para diversas sortes de terrenos, e cujos preços variam de 15 mil a 100 mil réis. Este instrumento de tão simples estrutura e de tanta duração lavra tanta terra em um dia quanta podem lavrar dez homens, pelo menos." (²)
Modelo de arado que ilustrava o primeiro número do jornal O Agricultor Brasileiro (³) |
Não era recente a advertência quanto à necessidade de pôr fim à escravidão, com a adoção do trabalho livre assalariado e o uso de máquinas agrícolas que reduzissem a demanda por trabalhadores e aumentassem a produtividade. Já na primeira Assembleia Constituinte, instalada em 1823 - aquela que D. Pedro I dissolveu - a questão havia sido levantada. Quase toda mudança no Brasil do Século XIX era, contudo, morosíssima. Por que, nesse caso, seria diferente? A escravidão acabaria acabando, é verdade, mas só mesmo quando já era, na prática, insustentável.
(1) O AGRICULTOR BRASILEIRO, Ano I, nº 1, pp. 7 e 8.
O Agricultor Brasileiro era um jornal voltado para a discussão de questões relacionadas à lavoura, como pretexto para divulgar máquinas e equipamentos agrícolas vendidos pela Casa Nathaniel Sands & C., instalada no Rio de Janeiro, Rua da Alfândega, nº 20, que editava a publicação.
(2) Ibid., p. 8.
(3) Ibid. p. 7.
(3) Ibid. p. 7.
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