terça-feira, 27 de abril de 2010

Primeira ponte de concreto armado do Estado de São Paulo completa 100 anos

Inaugurada em 3 de maio de 1910, a primeira ponte de concreto armado construída no Estado de São Paulo está prestes a completar cem anos. E, é bom acrescentar, em pleno uso, como as fotos demonstram.



A ponte, com 28 metros de comprimento, está localizada na cidade de Socorro, possibilitando a passagem sobre o Ribeirão dos Machados. Foi construída pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro para facilitar o acesso à estação ferroviária de Socorro que, ao contrário do costume da época, estava algo distante do centro da cidade. Longa vida à ponte!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tiradentes - desmi(s)tificando a desmi(s)tificação do mito

Uma reflexão sobre a figura de Tiradentes como herói da Independência do Brasil


Na Antiguidade, os gregos tinham seus heróis, tais como Hércules, Aquiles, Perseu e outros mais, que se diferenciavam dos deuses porque, ao contrário desses últimos, eram mortais (Hércules tornou-se uma exceção, é verdade, mas isso não invalida a regra). A explicação era simples: os heróis eram filhos de um deus com uma mortal. Portanto, a praga da mortalidade também os alcançava, embora fossem capazes, por sua origem semidivina, de realizar feitos espetaculares, normalmente vedados aos humanos "comuns". Assim como os deuses, tinham defeitos de caráter bem parecidos com os dos homens, não faltando quem tecesse críticas a essas crenças, no sentido de considerá-las desastrosas para a educação dos jovens. É o que podemos ver, por exemplo, na República, de Platão, o que não impediu que tanto deuses como heróis continuassem a ser objeto da religiosidade para a maioria dos gregos.
Entretanto, leitor, no Brasil as coisas são muito diferentes! O País foi descoberto por acaso (não vale a pena perder tempo com essa discussão), Tiradentes era apenas um falastrão incompetente, D. Pedro I, um mulherengo e governante incapaz. Ou seja, nada de heróis! Viva a mediocridade, mesmo porque ela não tem o mau hábito de incomodar a concorrência.
Se você já tentou entender a causa de tanto amor pelo andar na contramão, talvez tenha pensado que seja influência do pensamento marxista (vide O 18 Brumário de Luís Bonaparte). Discordo, embora reconheça que há, por aqui, um certo costume de transformar citações descontextualizadas de Marx em algum tipo de categoria axiomática, impossibilitando qualquer discussão ou questionamento, o que é, por suposto, um absurdo, pois vai contra a própria essência do marxismo. O problema, a mim me parece, é outro, é a ideia de que é preciso negar tudo o que é brasileiro, transformando em verdadeira questão de honra a suposta necessidade de "desmi(s)tificar o mito". Vejamos, como exemplo, o caso de Tiradentes, já que estamos perto da data comemorativa de sua execução.
Tem-se dito que o Alferes de Minas Gerais só veio a ser proposto como herói no calor da agitação política que, em fins do período imperial, propunha a mudança de regime, sendo necessário levantar um nome que sintetizasse as aspirações do movimento republicano. E isso poderia até parecer verdade, bastando dar uma olhada na letra do Hino da República ("Se é mister que de peitos valentes haja sangue no nosso pendão / Sangue vivo do herói Tiradentes batizou esse audaz pavilhão"), não fosse o caso de que os fatos demonstram o contrário.
O primeiro partido republicano brasileiro, o P.R.P. (*), foi formalmente estabelecido em abril de 1873. Pois em 25 de abril de 1865 (oito anos antes, portanto), em artigo publicado no Diário do Rio de Janeiro, Machado de Assis defendia a inclusão de Tiradentes entre os heróis nacionais e, mesmo reconhecendo a característica republicana da Inconfidência Mineira, apelava ao espírito esclarecido do Imperador D. Pedro II, para que o único a pagar com a vida em 1792, por ter-se metido com ideais de independência, fosse homenageado, tanto quanto D. Pedro I ou José Bonifácio. Fica assim demonstrado que o mito de Tiradentes não foi inventado pela campanha republicana. Fica demonstrado que Tiradentes não havia sido simplesmente esquecido depois de sua execução.
Mas não paramos por aqui. É voz corrente entre a população de Congonhas do Campo (Estado de Minas Gerais) que Antônio Francisco Lisboa teria se inspirado na fisionomia de Tiradentes para esculpir o rosto de Jesus para as capelas da Via Sacra em Bom Jesus de Matosinhos, obra executada, é bom que se diga, entre 1796 e 1799, quando os acontecimentos relacionados à Inconfidência ainda deviam estar nítidos na memória de seus contemporâneos. Isso poderia explicar a frequente associação da imagem de Jesus com a de Tiradentes, a que muitos se referem no sentido de descaracterizar o "mito". Pois sim, pode-se ter aí apenas crendice popular, é forçoso admitir. Mas, em uma das capelas, a belíssima escultura de Cristo tem um detalhe singular: uma mancha de sangue ao redor do pescoço. Ora, Jesus não foi enforcado e sim crucificado. Tiradentes foi enforcado. Como sempre digo, leitor, a decisão é sua. Eu apenas lhe dei ferramentas para refletir sobre o assunto.
Não é minha intenção defender a construção idealizada, para não dizer irresponsável, de determinadas personagens, como já se tem visto, quase sempre com fins políticos. Não é preciso inventar - a pesquisa histórica existe justamente para assegurar uma perfeita ancoragem em fatos reais. Entretanto, talvez devamos aprender com os antigos gregos a valorizar as ações significativas, ao mesmo tempo em que concedemos aos heróis modernos o direito de se mostrarem autenticamente humanos e, por isso mesmo, imperfeitos, como todos nós. Vale ainda ponderar que, se os heróis são ruins, incapazes de expressar valores nacionais, será melhor substituí-los por gente mais adequada. Quem acha que Tiradentes e outros  mais não passam de figuras prosaicas deve, obrigatoriamente, apresentar outros candidatos à função, e isso por uma razão muito simples: não sendo possível encontrar substitutos à altura, segue-se que, provavelmente, não há brasileiros dignos desse posto. E com isso eu jamais poderia concordar.

(*) Partido Republicano Paulista.


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terça-feira, 13 de abril de 2010

Grandes mudanças ocorridas ao longo do Século XX

Minha postagem anterior ("Quem se Importa com Animais e Escravos que Fugiram?") causou certo impacto em alguns leitores. Compreende-se. É chocante verificar o quanto a escravidão, aparentemente tão distante e, ao mesmo tempo, tão perto de nós, pode bestializar os seres  humanos (e, nesse caso, trato especificamente de muitos dos homens livres), fazendo crer que o fato de alguém declarar-se proprietário da vida de outro alguém é coisa perfeitamente normal. O lamentável é que essa mentalidade está longe de ter desaparecido completamente, apresentando desdobramentos julgados impensáveis, mesmo nos dias atuais. Entretanto, a bem da parcela mais jovem que acessa este blog, assinalarei alguns aspectos que faziam o mundo da virada do século XIX para o XX tão diferente deste em que vivemos, no início do século XXI.

1. Não deve espantar a ninguém que mulas, cavalos e burros circulassem livremente na cidade de São Paulo em 1867, já que o automóvel, como o conhecemos, é invenção de cerca de 1885, tendo sua produção em série começado só em 1908, nos Estados Unidos. Portanto, leitor, é óbvio que equinos e muares tinham, na época, emprego garantido. Foi apenas em 1872 que São Paulo passou a contar com bondes... Puxados por burros!

2. A limpeza pública de fins do Século XIX e início do XX encontrava importantes auxiliares nas saias das senhoras que, gratuitamente, ajudavam a varrer as ruas. Fique sabendo, leitor, que para confeccionar tais peças de vestuário eram necessários vários metros de tecido. O uso de calças pelas mulheres estava ainda distante, embora na França, por exemplo, a legislação autorizasse seu uso para aquelas que montavam ou pedalavam. A popularização de calças para mulheres ocorreu, efetivamente, após a Segunda Guerra Mundial, por obra, em grande parte, do que se via nas telas dos cinemas.

3. Pergunte aos seus parentes mais idosos e eles confirmarão o que digo: as famílias antigas eram muito numerosas. E como seria diferente? O chamado Método Ogino-Knaus (vulgo "tabelinha") é coisa dos anos vinte do Século XX, e, até que sua divulgação atingisse o grande público, passou-se muito tempo. Pílula anticoncepcional, como experimento viável, surgiu no início dos anos 50. Foi liberada para uso na Alemanha em 1961 e, nos Estados Unidos, popularizou-se ao longo da década de 60.

4. Piadinhas à parte, televisão é coisa mais ou menos recente. Excetuando-se  a famosa transmissão da abertura das Olimpíadas de Berlin em 1936, assistir TV é coisa, mesmo nos países mais desenvolvidos, do período pós-Segunda Guerra. Só como curiosidade, a primeira transmissão no Brasil teria ocorrido em 1948 e nela  mostrou-se, claro, uma partida de futebol.

5. Para terminar, a Internet, como hoje a entendemos, data dos anos 90, embora usos militares e científicos da rede já tivessem, então, certa quilometragem. Ah, www, só em 1991.

 Vê-se que o tal "mundo de hoje" é, sob muitos aspectos, bem diferente do de, quem sabe, cento e poucos anos atrás. Aposto que um eventual visitante do século XIX, que chegasse hoje à Terra (se isso fosse possível), imaginaria, muito provavelmente, estar em outro planeta. Em nenhuma outra época da História humana as mudanças foram tão profundas e, simultaneamente, tão aceleradas. Algumas dessas mudanças foram, por suposto, muito boas, enquanto, outras, nem tanto. Resta saber se nós, como pessoas, ficamos melhores. Julgue você mesmo, leitor.


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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Quem se importa com animais e escravos que fugiram?

Eu poderia ter levantado os dados em muitos outros jornais da época, mas escolhi este pela facilidade do acesso ao acervo digitalizado do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Trata-se da edição de terça-feira, 5 de fevereiro de 1867 do Correio Paulistano. Como na maioria dos jornais, há uma seção, nesse caso na página 4, dedicada a anúncios, e dois deles chamam a atenção - estão bem próximos, quase ao lado um do outro.
Vejamos o primeiro. Trata-se de um animal de carga que fugiu e que o dono deseja recuperar, oferecendo uma recompensa. Transcrevo o texto, na ortografia atual:
"BESTA FUGIDA
50$ DE GRATIFICAÇÃO
Fugiu de um pasto da freguesia do Brás uma besta grande e nova, ferrada dos quatro pés, de cor vermelha, tem sinais de pisadura sobre o lombo, e as orelhas muito grandes que costuma derrubar, dá pelo nome de Boneca, e é muito mansa.
Quem achar e levar à rua nova de S. José n. 1 será gratificado com a quantia acima."
Está aí uma leitura altamente edificante para quem acha que "as coisas são como sempre foram". Ajuda a refletir sobre o modo de vida em São Paulo no século XIX. Mas não é essa a razão pela qual transcrevo o texto. Vamos ao segundo anúncio que, como já disse, aparece na mesmíssima página de jornal, quase ao lado do primeiro:
"ESCRAVO FUGIDO
Gratifica-se generosamente a pessoa que apreender o escravo mulato de nome Belisário, pernambucano ou baiano, idade 20 anos, principiando a buçar, e poucos fios de barba, tem um sinal branco no tornozelo do pé esquerdo.
Este escravo fugiu de Itu a José Galvão de França Pacheco Junior no dia 25 de janeiro próximo passado, e foi encontrado no dia 29 na Varginha em direção para São Paulo, trazendo camisa de chita e calça de casimira, e cobertor francês branco. Poderá ser entregue em Itu ao dito José Galvão ou em São Paulo aos senhores Redondo e Coelho na Rua do Comércio n. 42, que se satisfará a gratificação."
Imagino que você, leitor, esteja estarrecido diante das semelhanças entre os dois anúncios, como nome do fujão, referências à idade, sinais particulares e o oferecimento de uma recompensa. No caso do escravo, era importante classificá-lo como baiano ou pernambucano, pois o tráfico de africanos, proibido "de mentirinha" em 1831, fora efetivamente banido em 1850. Fica evidente que, para muitos dos contemporâneos, animais de carga e humanos escravizados eram mais ou menos a mesma coisa, ou seja, máquinas de trabalhar, que constituíam propriedade de alguém e cuja fuga, portanto, representava prejuízo. Daí estipular-se uma recompensa, a fim de favorecer a captura e a devolução.
É fato notório que este não foi um caso isolado. Quem se der ao trabalho de pesquisar em outros jornais encontrará uma chuva torrencial de anúncios semelhantes, ensejando a óbvia constatação de que a prática de assemelhar escravos a bestas de carga de modo algum ofendia a opinião pública. Para dizer bem claramente, as pessoas estavam acostumadas a isso. Chegamos, portanto, à reflexão final: hoje, o tratamento desumano dispensado aos escravos nos parece uma aberração, mas não estaremos nós, em nossos dias, tolerando absurdos  tão grandes quanto e  aos quais nos acostumamos ao ponto de termos perdido a capacidade de reconhecê-los?


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