domingo, 31 de julho de 2011

O rio Tietê que os viajantes do Século XIX não viram

No início deste ano tratei, em duas postagens, dos viajantes europeus que, no século XIX, passaram pelo Salto do Tietê, também chamado, naqueles tempos, Salto  de Itu, embora hoje faça parte do município de Salto. A beleza do lugar e a força das águas encantavam os viajantes, que se ocuparam, vários deles, em registrar, por palavras ou desenhos, aquilo que viram.
Pois bem, em uma dessas postagens convidei os leitores a contrastarem o salto segundo o registro de Hércules Florence e segundo o que se vê atualmente. Já na outra postagem fiz observações sobre a quantidade de lixo que andava a infestar as águas do Tietê (principalmente garrafas pet e outros objetos de plástico e/ou metal). A quantidade de lixo era tanta que, na ocasião, o assunto chegou a figurar como tema na grande imprensa nacional. Deu-se, para o "fenômeno", a desculpa de que, sendo aquela uma época de chuvas intensas, a enxurrada havia arrastado o entulho das margens para dentro das águas que, em seu incessante movimento, encarregaram-se de espalhar os pródigos detritos da sociedade de consumo ao longo do curso do rio.
Mancha de óleo no rio Tietê
(Porto Feliz, 13 de julho de 2011)
Um fato que salta aos olhos de quem analisa a obra dos viajantes europeus que percorreram o Brasil no século XIX é que há, entre eles, quase absoluta unanimidade no extasiar-se com a beleza natural do país, em flagrante contraste com o atraso cultural da população que, em sua maioria, vivia em crasso analfabetismo  e imersa em superstições ridículas, obtendo a subsistência mediante práticas agrícolas primitivas e, por isso mesmo, de baixíssimo rendimento, quando as condições de clima e solo bem podiam propiciar um quadro de grande prosperidade. (*)
Ocorre que, ao longo dos anos, sempre se arranjou uma explicação para esse panorama nada lisonjeiro: era a exploração colonial, ou o jogo infame dos partidos políticos do Império, ou ainda a corrupção reinante na República Velha. Qualquer que fosse a justificativa, vinha ela acompanhada da ideia de que, "graças a tais problemas do passado", não havia muito o que esperar do presente. Sim, no fim das contas era um conceito muito conveniente, tanto para os dirigentes (que não se viam na obrigação de qualquer iniciativa séria para solucionar as grandes questões nacionais), como para os governados (que não julgavam ser seu dever exigir dos governantes o cumprimento das funções de seus respectivos cargos).
Agora, leitor, após essa breve digressão, vou finalmente contar o que é que os viajantes do século XIX não viram no rio Tietê (para sorte deles), mas que hoje está à disposição de quem quiser ver (eu vi há poucos dias). Para sorte deles, repito, não viram o rio cheio de manchas de óleo (no exato ponto de onde, no século XVIII, partiam as monções), ou repleto de poluentes que, a despeito da aparência, nada têm a ver com as fugidias "espumas flutuantes" de Castro Alves, sendo antes um indesejável subproduto de  atividade industrial que precisa, com urgência, ter seus processos reavaliados, se é que se pretende ainda, seriamente, salvar o rio e todo o seu entorno. Digo seriamente porque, remetendo mais uma vez às observações dos viajantes do século XIX, esse não era o método usual de tratar problemas no Brasil. Sempre há, porém, uma possibilidade de mudar, de fazer as coisas diversamente, e precisamos acreditar e trabalhar nesse sentido. Vale acrescentar que, sendo determinado poluente lançado em um dado ponto do rio, irá afetar regiões às vezes muito distantes de onde foi produzido, o que é lamentável.

Poluentes flutuantes sobre as águas do rio Tietê
(Salto, 13 de julho de 2011)
Quando criança (lá pelo início do Período Neolítico...), vi Santana de Parnaíba coberta de massas da tal espuma que, pelo exagero da quantidade, deixavam o rio e, impelidas pelo vento, chegavam às ruas da cidade. Quase inacreditável é ver o rio, ainda hoje, coberto de poluente análogo. Está, portanto, na hora de parar de inventar explicações que nada resolvem, passando-se a adotar, com responsabilidade, medidas de caráter eminentemente prático. Ah, e para contrariar ainda mais o "jeitinho brasileiro", que as providências sejam imediatas. De preferência, para hoje. Para já. O Tietê não pode esperar.

(*) Está claro que a análise negativa podia, eventualmente, ser fruto de certo preconceito ou mesmo de uma interpretação deficiente da realidade, mas o fato de que esse tipo de observação fosse quase unanimidade não deixa de ser muito significativo.


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Araraitaguaba, o porto feliz das monções - Parte 2

Esta postagem, leitor, será antes fotográfica que palavrosa. A ideia aqui é dar uma visão do estado atual do antigo porto de Araraitaguaba (veja postagem anterior), como se observa no Parque das Monções, em Porto Feliz.
Nessas paragens o Tietê corre tranquilo, daí a escolha do lugar para ponto de partida das arriscadíssimas monções. Era, por assim dizer, um consolo para as tremendas dificuldades que, de qualquer maneira, seriam enfrentadas na viagem até Cuiabá, o que incluía as muitas cachoeiras, a falta de suprimentos ao longo do caminho, as doenças tropicais, o confronto com indígenas, só para mencionar alguns dos obstáculos que se opunham aos monçoeiros.


Curiosamente, hoje chama a atenção a quantidade de cachorros que perambulam pelo Parque das Monções. Registrei dois deles. O primeiro, a que denominei "guardião do Monumento às Monções", dormia serenamente em seu posto, logo abaixo do Monumento, como se vê na foto abaixo:


Um outro (vou chamá-lo "guardião do rio Tietê") resolveu dar-me a honra de sua companhia, escoltando-me voluntariamente em boa parte do tempo em que andei pelo Parque. Corajoso, vigia o rio e não receia beber de suas águas. Haja coragem, mesmo!


Vale dizer que chega a ser surpreendente a vitalidade do rio Tietê, a despeito das inumeráveis agressões de que é alvo. No leito do rio, repleto de lixo que a corrente arrasta, ainda se veem tartarugas e aves. Às margens, flores emprestam uma certa magia ao lugar.




Findo o passeio, o visitante, que  porventura haja descido a vasta escadaria do Parque com entusiasmo, acaba por dar-se conta de que terá de enfrentar cada degrau mais uma vez. Escada acima, claro, no ritmo das remadas dos canoeiros das monções...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Araraitaguaba, o porto feliz das monções - Parte 1


Araraitaguaba era o nome do porto, no rio Tietê, de onde partiam as monções que, principalmente no século XVIII, iam em direção às minas de Cuiabá. O nome indígena "Araraitaguaba" ou "Araritaguaba" significa, segundo alguns, "lugar onde as araras afiam o bico", ou, segundo outros, "lugar onde as araras pousam", ou ainda "lugar onde as araras fazem ninhos". Seja lá, no entanto, qual for o significado, remete necessariamente ao paredão rochoso que acompanha aquele trecho do Tietê, no município de Porto Feliz, Estado de São Paulo.
Monumento em homenagem às monções
(Porto Feliz - SP)
É, sem dúvida, um belo lugar, onde está o Parque das Monções, com o monumento inaugurado em 1920, ocasião de um certo entusiasmo pela História do Brasil, em parte decorrente da proximidade das celebrações do primeiro centenário da independência do Brasil. Junto ao rio, canoas de construção recente oferecem ao visitante uma referência às expedições dos que arriscavam a vida em perseguir a miragem do enriquecimento rápido nas minas de ouro.
Duraram as monções um tempo relativamente breve, tanto em virtude dos perigos que a viagem implicava quanto pelo fato de que a abertura de um caminho terrestre, longo, é verdade, mas um pouco menos arriscado, acabou por encerrar o ciclo mais brilhante dessas navegações. Por volta de 1822 Saint-Hilaire assinalou que as monções estavam restritas ao âmbito militar (¹) e, uns poucos anos depois, Hércules Florence anotou em seu diário da Expedição Langsdorff que, após um breve renascimento, as monções comerciais estavam, outra vez, caindo em desuso (²).
Sim, as monções findaram, e até mesmo o Tietê já não é o mesmo. Mas isso será assunto das próximas postagens.

Embarcações à margem do rio Tietê no local do antigo porto de Araraitaguaba

(1)
"Araraitaguaba"
"Há muito tempo, aliás, que os paulistas aproveitavam o rio Tietê, iniciando a gigantesca e perigosa navegação que os conduzia a Cuiabá e, se por ocasião de minha viagem, o comércio havia abandonado a via fluvial [...], o governo ainda da mesma se servia, algumas vezes, para transportar até Mato Grosso tropas e munições de guerra."
SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo
Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 194
(2) "A navegação por Camapuã vai sendo muito menos frequentada depois que se abriu o caminho por terra, porém as remessas do governo têm continuado a seguir pelos caudais, não só em vista da menor despesa, como por ser o único meio de transportar artilharia. Alguns negociantes, que em outras épocas tinham tirado lucro dessas viagens, recomeçaram a fazê-las em razão da carestia das tropas de animais."
FLORENCE, H. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829
Brasília: Ed. Senado Federal, 2007, p. 82
"Camapuã é uma fazenda pertencente a uma sociedade que tem sua sede em São Paulo. Em estado de decadência desde que a navegação dos rios vai sendo abandonada pelos negociantes, conta perto de 300 habitantes, dos quais é a terça parte escravatura dos sócios."
Ibid., p. 66

domingo, 24 de julho de 2011

A galinha mais importante da história do Brasil

Quem realizou o experimento que permitiu a descoberta da técnica de branqueamento do açúcar usada nos engenhos coloniais brasileiros? Um grande cientista? Um trabalhador experiente? Um senhor de engenho? Se Frei Vicente do Salvador estiver correto no relato que fez, não foi ninguém dessas personagens, e sim... uma galinha!
O processo, em si, é algo elaborado, mas a ideia é bem simples, conforme a descrição de Antonil. Colocado em formas de barro (para fazer os "pães-de-açúcar"), o açúcar era coberto de barro pelas escravas encarregadas desse trabalho:
"Cavam primeiro as quatro escravas purgadeiras com cavadores de ferro no meio da cara da forma (que é a parte superior) o açúcar já seco, e logo o tornam a igualar e entaipar muito bem com macetes; botam-lhe então o primeiro barro, tirando-o com um reminhol dos tachos, que vieram cheios dele do seu cocho, estando já amassado em sua conta, e com a palma da mão o estendem sobre toda a cara da forma, alto dois dedos. Ao segundo ou terceiro dia botam em riba do mesmo barro meio reminhol ou uma cuia e meia de água, e para que não caia no barro de pancada, e caindo faça covas no açúcar, recebem sobre a mão esquerda, chegada ao barro, a água, que botam com a direita igualmente sobre toda a superfície, e logo com a palma da mão direita mexem levemente o barro, de sorte que com os dedos não cheguem a bulir na cara do açúcar." (¹)
Continua a explicação do jesuíta:
"Como o açúcar vai purgando, assim se vai branqueando por seus grãos, a saber, mais na parte superior, menos na do meio, pouco na última e quase nada nos pés das formas, aos quais chamam cabuchos, e este menos purgado é o que se chama mascavado. Também como vai purgando, vai descendo o barro pouco a pouco dentro da forma, e se purgar bem devagar, descendo só meia mão, que chamam medida de chave, e vem a ser desde a raiz do dedo polegar até a ponta do dedo mostrador, a purgação será boa e de rendimento de mais açúcar, e forte; mas se purgar apressadamente, renderá pouco." (²)
E, finalmente, ensina Antonil:
"O primeiro barro, que se pôs na forma alto dois dedos, quando se tira já seco tem só altura de um dedo, que é depois de seis dias; quando se tira o segundo (que se botou com a mesma altura de dois dedos) depois de quinze dias, tem só meio dedo de altura. Acabando o açúcar de purgar, param também as lavagens, e três ou quatro dias depois da última, tira-se o segundo barro já seco, e depois do barro fora, dão-lhe mais oito dias para acabar de enxugar e escorrer, e então se pode tirar." (³)
Pois bem, leitor, que tem uma galinha a ver com tudo isso? É o que explica Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, ao tratar do mesmo assunto, ou seja, de como a cana é moída e dela se extrai um caldo que se transforma em açúcar:
"...passada a cana por eles duas vezes larga todo o sumo sem ter necessidade [...] de outra coisa mais que cozer-se nas caldeiras, [...], e leva cada uma duas pipas pouco mais ou menos de mel (⁴), além de uns tachos grandes, em que se põem em ponto de açúcar, e se deita em formas de barro no tendal, donde as levam à casa de purgar [...] e lhes lançam um bolo de barro batido na boca, e depois daquele outro, com o açúcar se purga e faz alvíssimo, o que se fez por experiência de uma galinha, que acertou de saltar em uma forma com os pés cheios de barro, e ficando todo o mais açúcar pardo, viram só o lugar da pegada ficou branco."
É certo que, para crer nessa história, precisamos crer, antes de mais nada, no relato de Frei Vicente do Salvador. Mas, se isso for verdade, eis aí a galinha mais importante de toda a História do Brasil!

(1) Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas, pp. 83 e 84 na edição de 1711.
(2) Ibid., p. 85.
(3) Ibid., p. 86.
(4) Não o de abelhas, mas o caldo condensado de cana-de-açúcar.


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quinta-feira, 21 de julho de 2011

O campeonato de motociclismo de 1922 em São Paulo

Alinhados para a partida, os motociclistas aguardam ansiosos o sinal que autorizará o início da prova. O som da aceleração logo indica que lá vão eles, à máxima velocidade que suas máquinas permitem. Não, meus leitores, não estou narrando nenhuma prova do último final de semana, mas uma que aconteceu há quase noventa anos, o Campeonato de Motociclismo de 1922, em São Paulo.
A imagem abaixo, que apareceu na edição de 1º de dezembro de 1922 da revista A Cigarra, divide-se em três partes:
1. Competidores alinhados para a partida (na Avenida Paulista, em frente ao Trianon);
2. O momento da saída, acompanhado pelo público;
3. A chegada do vencedor.


O grande campeão, que pode ser visto na foto abaixo, também da edição de 1º de dezembro de 1922 de A Cigarra, foi Antônio Lage, competidor que representava a Sociedade Esportiva Paulista.


Agora, cronômetro na mão: o percurso de duzentos e dez quilômetros foi cumprido em três horas, nove minutos e trinta e nove segundos.
Esse detalhe do tempo é muito importante e revelador. Por quê?
Simples: O Brasil estava saindo de uma era em que os grandes intervalos de tempo é que contavam e entrando em outra, na qual a preocupação com os segundos é forte indicador da aceleração do ritmo da vida diária (um efeito colateral da industrialização, da qual as motocicletas, ainda importadas, eram produto), principalmente em uma cidade como São Paulo.


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terça-feira, 19 de julho de 2011

Os senhores que mantinham seus filhos como escravos

Nossa sociedade dá como certo e natural o vínculo de afeto entre pais e filhos. Olha-se com horror para casos de abandono de recém-nascidos ou de pais idosos, embora esses fatos lamentáveis estejam cada vez mais frequentes. Mas, nem sempre foi assim. Em muitas sociedades costumava-se deixar viver apenas os bebês saudáveis (oh, Esparta!) e entre diversos povos os idosos, que já não tinham como contribuir com a vida comunitária, eram abandonados em lugares ermos, para morrerem longe das vistas de seus parentes. O fato é que séculos e séculos de moral judaico-islâmico-cristã nos conduziram a pensar no cuidado de pequeninos e velhos como atos de amor, além de estrita obrigação.
Desvios desse comportamento, no entanto, sempre existiram. É o caso dos senhores de escravos no Brasil que, tendo filhos com suas escravas, conservavam cativa a prole resultante desses relacionamentos. É o que sugere Antonil em Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas (¹):
"E contudo eles e elas da mesma cor (²), ordinariamente levam no Brasil a melhor sorte, porque com aquela parte de sangue de brancos que têm nas veias e talvez de seus mesmos senhores, os enfeitiçam de tal maneira, que alguns tudo lhes sofrem, tudo lhes perdoam, e parece que se não atrevem a repreendê-los, antes todos os mimos são seus."
Faz, todavia, uma ressalva:
"... salvo quando por alguma desconfiança ou ciúme, o amor se muda em ódio, e sai armado de todo o gênero de crueldade e rigor."
Não cabe aqui, por hora, discutir eventual preconceito contido nessa asseveração do jesuíta Antonil. No século XIX Saint-Hilaire, naturalista francês, deparou-se com a mesma questão e registrou:
"É, pois, imperioso reconhecer que o número de mulatos cresceu, não somente pela união dos mestiços dos dois sexos, como, também, por um contingente de filhos de negras com brancos, pelo que se pode afirmar que existiam homens livres de nossa raça, de alma bastante cruel para deixar os próprios filhos sujeitos à escravidão." (³)
Ora, pensará o leitor, por que razão os todo-poderosos senhores de engenho não alforriavam os filhos provenientes dessas uniões com escravas? Maldade? Eventualmente, até podia ser, mas esse não era o único aspecto envolvido.
A lista de motivos para que a alforria não ocorresse incluía desde os ciúmes da esposa, passando por preconceito racial, constrangimento diante da sociedade (hipócrita o bastante para tolerar o adultério desses homens, o que às vezes podia incluir abusar sexualmente das escravas, mas incapaz de aceitar o reconhecimento dos filhos), receio de perturbar a "ordem" entre os escravos, (quase sempre submetidos a condições de vida extremamente degradantes), indo até à espinhosa questão do direito de herança, no contexto de uma sociedade absolutamente patriarcal, ao menos quanto ao princípio da autoridade.
Havia, porém, aqueles que, fosse por sentimento de humanidade, remorso ou, sabe-se lá, medo do inferno, deixavam em testamento o reconhecimento que não haviam ousado em vida, amparados no pressuposto de que aos mortos quase tudo se perdoa. Nesse caso, a tardia confissão vinha acompanhada de uma súplica aos descendentes no sentido de conceder alforria aos meios-irmãos, quase sempre sem qualquer obrigação, porém, de alguma outra providência. E isso não se restringia a filhos tidos com escravas africanas, mas passava também pelo caso de filhos provenientes de relações com índias escravizadas, como bem o demonstra a documentação do período colonial que ainda se conserva, principalmente no caso de São Paulo, onde os mamelucos (⁴) eram numerosos . Há testamentos nos quais simplesmente era ordenada a alforria, obviamente após a morte do testador, sem qualquer menção do motivo, o que poupava a família senhorial de maiores "constrangimentos", embora, sob essa situação, deva-se reconhecer que nem todos os casos incluíam problemas relativos à paternidade.

(1) Página 24 da edição original de 1711.
(2) Refere-se aos mestiços, no Brasil chamados mulatos.
(3) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília, Senado Federal, 2002, p. 224.
(4) Refere-se aos descendentes de brancos e índios.


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domingo, 17 de julho de 2011

Berinjelas venenosas

Apreciar ou não pratos que têm berinjelas entre seus ingredientes é questão de gosto. Simples, há pessoas apaixonadas por berinjelas e há pessoas capazes de escolherem morrer a terem que ingerir um pedacinho só. Isso, a priori, não é assunto de História, mas passa a ser quando se descobre que, no século XIX, havia quem tivesse ideias macabras sobre esses inofensivos vegetais. Vamos ao caso.
Ainda na primeira metade do século XIX publicou-se em Lisboa uma interessante obra cujo título era Arte do Cozinheiro e do Copeiro, com o subtítulo Compilada dos Melhores Autores, Que Sobre Isto Escreveram Modernamente - ou seja, o autor, que identificou-se como "Um Amigo dos Progressos da Civilização" é, na verdade, um tradutor e compilador do assunto que se propõe a abordar. Ora, leitor, em uma das páginas desse livro aparece a seguinte observação, aqui transcrita na ortografia atual, para facilitar a leitura:

"Berinjelas fritas
Nota: Suprimo as diversas receitas de guisar este fruto, por ser nocivo à saúde, posto que em Itália usem dele, e o mandem para os outros reinos entre as diversas conservas que dali saem. Uma das razões que me fez empreender o trabalho desta tradução foi para acautelar os meus leitores do pernicioso e extravagante uso que fazem a maior parte dos cozinheiros de várias drogas e vegetais nocivos à saúde: este em questão é muitíssimo indigesto, desenvolve gases nos intestinos e causa algumas vezes crescimentos de febre."

Certo, alguém não gosta de berinjela e, como é provável, inventará toda sorte de pretextos para não ter de deglutir o alimento indesejado. Mas berinjelas nocivas à saúde? Se isso fosse verdade, é bem provável que a linhagem dos apreciadores de berinjelas estivesse devidamente extinta, ou, no melhor das hipóteses, à beira da extinção. Mas esse não deve ser o caso, já que diariamente, em feiras e supermercados, berinjelas são vendidas e integram pratos que vão dos mais simples aos sofisticados. Tudo uma questão de gosto, como disse no início.
Apenas para entretenimento de quem lê esta postagem, principalmente se apreciar animais domésticos e tiver cachorros em casa, vai aqui mais um conselho do mesmo autor:

"Dos ossos da mesa
Não habitueis os vossos cães a comer os ossos ao pé da mesa, porque se fazem rosnadores e importunos; guardai-os num pote de ferro coberto, e dai-lhos depois de acabado o jantar."

Não consigo deixar de assinalar que o segundo conselho (o dos ossos) é, afinal, bem mais útil e engraçado que o primeiro (o das berinjelas), ainda que seja no mínimo estranho, para os padrões atuais, por constar em um livro dedicado à culinária.


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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Humor e esporte no Brasil do início do Século XX

A chamada "República Velha" foi uma época fervilhante de produção humorística, quer impressa em revistas e jornais, quer em canções que tocavam em fonógrafos e gramofones e que, a partir de meados dos anos vinte, começaram a ser ouvidas também através do rádio. Os alvos privilegiados  eram, quase sempre, os políticos, numa clara demonstração de que a população brasileira começava a manifestar maior interesse por assuntos relacionados ao governo do País. A despeito disso, outros segmentos eram também "espetados" pelos cartunistas e, dentre esses, não escapavam os esportistas.
Para dar uma ideia de como as coisas aconteciam, selecionei uma anedota, publicada em 1910 (voltada para o pessoal das regatas) e um cartum, cujo título, "As Caras do Ciclista" já dá, por si, o tom da brincadeira. Vale lembrar que os ciclistas estiveram, por um bom tempo, na mira dos humoristas, em razão de haver muita gente que considerava as bicicletas um brinquedo de criança, divertindo-se às custas dos homens barbados que ousavam tentar equilibrar-se sobre rodas. Portanto, como meio de transporte, a bicicleta demorou ainda um pouco para firmar-se no conceito popular.

1. Anedota publicada na revista paulistana A Lua, na edição de março de 1910:

"Um sócio do S. Paulo Regatas, não tendo outro assunto, pergunta ao remador que conduz a barca:
- Tem se perdido muita gente neste rio?
- Nem um, patrão. Já se têm afogado muitos, mas depois de dois ou três dias aparecem outra vez."

2. "As Caras do Ciclista", cartum publicado na revista A Cigarra, também paulistana, em edição de 25 de maio de 1914:



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terça-feira, 12 de julho de 2011

Esportes do passado e do futuro

Os esportes cedo demonstraram
seu 
potencial na propaganda. (¹)
Que me perdoem os que pensam diferente, mas acho que os esportes também estão sujeitos aos caprichos da moda. Tente imaginar, leitor, um mundo sem futebol - pode parecer impossível, mas já foi assim e poderá perfeitamente vir a ser novamente - quem é que pode adivinhar?
Se procurarmos no passado, encontraremos diversas modalidades das quais quase ninguém mais se recorda, enquanto outras, reputadas outrora como menos nobres, ocupam agora uma parte considerável dos cadernos esportivos dos jornais e revistas especializados. Ainda que alguém julgue tudo isso cultura inútil, é interessante saber que já houve, por exemplo, competições de salto em distância sem impulso (o atleta não corria para saltar) e salto em distância com pesos (esse os gregos apreciavam: o atleta carregava um peso em cada mão ao realizar o salto), modalidades que quase ninguém mais pratica, a não ser como parte do treinamento de algum outro esporte. A cada olimpíada, vemos esportes sendo testados e, se alguns permanecem, outros já não retornam na competição seguinte.
Por outro lado, mesmo modalidades mais duradouras passam por mudanças substanciais nas regras ao longo do tempo, de modo que praticantes de cem anos atrás talvez tivessem dificuldade em reconhecer os esportes que amavam se os vissem como são realizados hoje (e nem precisamos ir tão longe, basta comparar o voleibol de uns vinte anos atrás ao que se joga atualmente). 
Consideremos, também, as modificações introduzidas à medida que a indústria aperfeiçoa e desenvolve os materiais específicos de cada atividade esportiva. Para nós, que só conhecemos as raquetes de tênis de alta tecnologia, torna-se quase impossível disputar uma partida com as antigas raquetes de madeira, aliás nem tão antigas assim. Que dizer então da evolução pela qual passaram as chuteiras e bolas de futebol?
É nesse sentido que cabe bem a reflexão de que nossas maiores paixões esportivas, como atletas e/ou como torcedores, podem perder o encanto no futuro, como outras do passado já não significam nada para nós. Assinale-se ainda que nossas preferências estão profundamente ligadas à cultura e aos valores da época em que vivemos. O esporte, afinal, não é, ao menos nesse aspecto, muito diferente de outras facetas da história da humanidade.

(1) A CIGARRA, 15 de dezembro de 1924.

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domingo, 10 de julho de 2011

Os esportes no Brasil do Século XIX e início do Século XX - Parte 5

"O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente."
                                                                            Machado de Assis, Teoria do Medalhão, 1882

Atletas do Club Internacional de Regatas 
(Santos - SP) (¹)
No início desta série mencionei o fato de que a questão da prática de esportes suscitava uma certa polêmica em fins do século XIX e início do século XX, e o exemplo citado (sobre as regatas) na postagem anterior é bem ilustrativo da posição de quem se opunha ao dispêndio de tempo em competições.
É bom lembrar que esse debate estava inserido no panorama mais amplo da formação de uma identidade nacional e da instrução para a cidadania, incluindo-se aí a questão da obrigatoriedade universal ao serviço militar. Nossa jovem República via sua intelectualidade oscilar entre os que, a exemplo dos antigos gregos, criam que o esporte fazia bons cidadãos e bons soldados, e aqueles que julgavam tudo isso resultado de influência estrangeira, que impedia o surgimento de uma mentalidade autenticamente nacional.
O escritor Coelho Neto, nos primeiros anos do século XX, foi um dos grandes defensores das atividades esportivas como instrumento para educação dos jovens. Dou-lhe a palavra, para que meus leitores conheçam, por si mesmos, quais eram, à época, os argumentos desse partidário dos esportes:
Grupo de tenistas, revista A Cigarra
edição de 25 de maio de 1914
"Felizmente parece que a mocidade já se vai insurgindo contra o regime desmoralizador. Coalha-se o mar de embarcações esguias que disputam a carreira na arena verde e móbil; corpos arrojam-se ao encontro da vaga e lá vão por ela às braçadas rijas, ora levantados nas cristas espumantes, ora desaparecendo nos sulcos; as bicicletas afrontam os andurriais, trepam às serras, descem aos vales, atravessam florestas em viagens longas, de Estado a Estado; a pela elástica parte como uma bala da cesta dos fundibulários ; cruzam-se floretes e sabres em punhos de esgrimistas; turmas flanqueiam as paralelas, correm outras ao lawn-tennis. Ali é um trapézio que oscila, além é um corpo que volteia na barra; mais longe vai o ginete sorvendo o ar dos prados frescos, levando um cavaleiro louro e moço e no campo, sobre a erva rasa, correm os teams, disputando a bola que bate, salta e voa perseguida, indo dum a outro, repelida, em ânsia desensofrida de vitória que dá à face dos lutadores a cor alegre e formosa da saúde. É exercitando-se nesses jogos enérgicos que o homem aprende a vencer na vida. O hoplita dançava a pírrica sob o peso derreante das armas." (²)

(1) A CIGARRA, 1º de dezembro de 1919; pela ordem, Minhoca, Coruja, Sabiá, Xereta e Chops. Está aqui um bom exemplo do hábito bem brasileiro (ainda que não exclusivamente) de dar apelidos aos atletas.
(2) COELHO NETO,  A Bico de Pena (1902-1903).



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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Os esportes no Brasil do Século XIX e início do Século XX - Parte 4


Regatas em Santos, A Cigarra,
15 de junho de 1914.
Compreende-se facilmente que em um país com vastíssimo litoral como é o Brasil, as regatas já tenham ocupado uma posição de destaque entre os esportes. Para dizer a verdade, chega a surpreender que não alcancem hoje tanta importância quanto tiveram no passado. Embora não se possa relacionar a canoagem indígena à prática essencialmente esportiva, sendo antes uma habilidade de caráter prático, vem a ser proverbial a facilidade que tinham os indígenas do século XVI em remar suas canoas a grande velocidade, o que lhes dava uma vantagem extra quando em confronto com tribos inimigas.
Como esportes, o remo e a canoagem despertaram muito interesse do público, isso desde os anos que precederam a virada do século até às décadas de 1920 e 1930. Não é, pois, estranho, que muitos clubes brasileiros, nos quais hoje o futebol é hoje a atividade mais importante, conservem ainda nomes do tipo "Clube de Regatas..." ou "Sociedade de Regatas...".

Canoa a quatro remos construída nas oficinas do "Club Esperia",
A Cigarra, 31 de outubro de 1917.
À semelhança de muitos outros esportes, nesse caso também a influência britânica foi marcante. As regatas aconteciam no mar, embora rios como o Tietê (pode acreditar!) também fossem palco de competições que atraíam vasta assistência e despertavam as paixões dos torcedores, com o mesmo ímpeto que hoje observamos em outras modalidades.
Ora, não se pode negar que, em uma época na qual as polêmicas sobre a relevância dos esportes eram acaloradas, havia também quem, desdenhando o interesse dos torcedores, olhasse com azedume para as regatas. Para que meus leitores tenham um exemplo disso, vai aqui um trechinho curioso, escrito por Lima Barreto:
"O segundo filho não quisera ir além do curso primário.
Empregara-se logo em um escritório comercial, fizera-se remador de um clube de regatas, ganhava bem e andava pelas tolas festas domingueiras de esporte, com umas calças sungadas pelas canelas e um canotier muito limpo, tendo na fita uma bandeirinha idiota." (*)
Já se vê que o escritor não era adepto da modalidade, não é?

(*) LIMA BARRETO. A Biblioteca, in Histórias e Sonhos.


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terça-feira, 5 de julho de 2011

Os esportes no Brasil do Século XIX e início do Século XX - Parte 3

Dentro do universo de personagens da obra de Machado de Assis, Escobar não é o único nadador, mas é, de longe, o mais famoso:
" — Você entra no mar amanhã?
— Tenho entrado com mares maiores, muito maiores. Você não imagina o que é um bom mar em hora bravia. É preciso nadar bem, como eu, e ter estes pulmões, disse ele batendo no peito, e estes braços; apalpa.
Apalpei-lhe os braços, como se fossem os de Sancha. Custa-me esta confissão, mas não posso suprimi-la; era jarretar a verdade. Não só os apalpei com essa ideia, mas ainda senti outra coisa; achei-os mais grossos e fortes que os meus, e tive-lhes inveja; acresce que sabiam nadar." (*)
Deixemos, por hora, Escobar, Bentinho, Sancha, Capitu - a natação é o que nos interessa, já que sempre foi, dentre os esportes aplicados à educação da juventude, um dos mais valorizados, pois nenhuma mente sensata haveria de negar sua utilidade prática, desde que o nadador não desafiasse mares encapelados.
Há algum tempo escrevi uma postagem sobre trajes de banho de antigamente. Vão aqui mais algumas imagens bastante elucidativas sobre o mesmo tema.
A primeira delas, que apareceu em O Malho, publicação carioca de 16 de dezembro de 1922, mostra vários campeões em provas de natação. Fortes, atléticos, olhar determinado, esses jovens se parecem muito com os nadadores atuais, a não ser pelos trajes de banho (ainda que lembrem, remotamente, os maiôs tecnológicos há pouco proibidos em competições oficiais, que ajudaram muita gente a obter tempos excelentes em suas provas.


Já a segunda foto, leitor... Apareceu em A Cigarra, edição de 29 de agosto de 1914, e retrata, nem mais e nem menos, que um grupo de banhistas no Guarujá. A data está absolutamente correta, não era carnaval, não! Em se tratando de modelitos para banho, temos aqui, a meu ver, um grupo recordista.


(*) MACHADO DE ASSIS.  Dom Casmurro.


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domingo, 3 de julho de 2011

Os esportes no Brasil do Século XIX e início do Século XX - Parte 2

"Ainda bem que a ginástica já entra seriamente no sistema de educação pública, e na província do Rio de Janeiro adotou-se até a ginástica apropriada para o sexo feminino na escola normal. Declaro em defesa prévia que não acabo de fazer censura, nem epigrama. Eu reconheço a conveniência e aplaudo a aplicação do ensino da ginástica."
                                              Joaquim Manuel de Macedo, Memórias da Rua do Ouvidor

"Leandro foi sempre um rapaz bem equilibrado: coração generoso, caráter sério, inteligência regular, sobriedade nos costumes e tino para arranjar a vida. Do nosso grupo era ele o mais moço e também o mais forte e bem apessoado. Tinha excelente educação física, adquirida num colégio da Inglaterra; conhecimento perfeito da esgrima e jogos de exercício; destreza na montaria e plena confiança nos seus músculos."
                                                                                             Aluísio Azevedo, Livro de Uma Sogra

A ginástica, ainda que com um aspecto quase militar (isso soa a algo conhecido?), esteve entre as primeiras atividades físicas que conseguiram estabelecer-se no currículo de algumas escolas brasileiras ao longo do século XIX, devido à influência de práticas adotadas na Inglaterra, Alemanha, França e Estados Unidos. Sabemos, por exemplo, os nomes de alguns professores que a lecionavam no Imperial Colégio Pedro II, segundo nos conta Joaquim Manuel de Macedo:
"Têm ensinado ginástica os Srs. Guilherme Luís de Taube, Frederico Hoppe, Antônio Francisco da Gama e Pedro Guilherme Mayer; e dança, os srs. João José da Rocha, que a ensina ainda no internato, e Júlio Toussain, que a ensina no externato." (¹)
Quem é que não se recorda daquele trecho absolutamente legendário de O Ateneu, no qual Raul Pompeia descreve a "Festa da Ginástica"? Transcrevo apenas uma parte, que ilustra muito bem o papel importante que essa atividade ganhou na educação de rapazes ao longo do século XIX:
Demonstração de Ginástica Rítmica
para moças, Rio de Janeiro, 1923. (³)
"Acabadas as evoluções, apresentaram-se os exercícios. Músculos do braço, músculos do tronco, tendões dos jarretes, a teoria toda do corpore sano foi praticada valentemente ali, precisamente, com a simultaneidade exata das extensas máquinas. Houve após, o assalto aos aparelhos. Os aparelhos alinhavam-se a uma banda do campo, a começar do palanque da Regente. Não posso dar ideia do deslumbramento que me ficou desta parte. Uma desordem de contorções, deslocadas e atrevidas; uma vertigem de volteios à barra fixa, temeridades acrobáticas ao trapézio, às perchas, às cordas, às escadas; pirâmides humanas sobre as paralelas, deformando-se para os lados em curvas de braços e ostentações vigorosas de tórax; formas de estatuária viva, trêmulas de esforço, deixando adivinhar de longe o estalido dos ossos desarticulados; posturas de transfiguração sobre invisível apoio; aqui e ali uma cabecinha loura, cabelos em desordem cacheados à testa, um rosto injetado pela inversão do corpo, lábios entreabertos ofegando, olhos semicerrados para escapar à areia dos sapatos, costas de suor, colando a blusa em pasta, gorros sem dono que caíam do alto e juncavam a terra; movimento, entusiasmo por toda a parte e a soalheira, branca nos uniformes, queimando os últimos fogos da glória diurna sobre aquele triunfo espetaculoso da saúde, da força, da mocidade." (²)
Gradualmente, com muitas precauções e, sem dúvida, com um pouco de discórdia, foram introduzidas aulas de ginástica também para moças. Não os mesmos exercícios dos rapazes, já que a prática da época era fugir de qualquer semelhança na educação de meninos e meninas, mas outros compatíveis com a suposta "fragilidade" das educandas. Aos poucos, a resistência foi sendo vencida e até o glorioso Barão Pierre de Coubertin teve de engolir mulheres nas suas amadas Olimpíadas. Ainda que tardiamente, as meninas brasileiras puderam ter aulas de Educação Física menos entediantes. Mas demorou!

(1) MACEDO, Joaquim Manuel de. Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro.
(2) A "Regente" a que o texto se refere é, naturalmente, a Princesa Isabel.
(3) PARA TODOS, 24 de novembro de 1923.