quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Boxe!

Desconheço, leitores, a existência de algum modo meigo de narrar uma luta de boxe. Porém, nesta descrição, que apareceu na revista paulistana A Cigarra em 15 de janeiro de 1924, o cronista esportivo arranhou o extremo da crueza, em uma legenda que vai aqui transcrita exatamente como foi publicada: 
"O campeão brasileiro Benedicto levado em triumpho pela multidão após o seu encontro de box, nesta capital (¹), contra o campeão tcheque-sloveno Frank Rose, a quem bateu, applicando-lhe um fortíssimo e magistral "cross" acima da sobrancelha esquerda em direcção à fronte, produzindo-lhe profunda ferida e atirando-o sobre o tapete." (²)

Na foto publicada em A Cigarra, o pugilista Benedicto é aclamado por uma multidão,
após derrotar seu oponente (¹)

No Brasil desse tempo, o boxe, assim como outros esportes, ainda engatinhava. Contudo, a foto permite a inferência de que era, já, capaz de despertar interesse de um público considerável. 

(1) São Paulo.
(2) A CIGARRA, Ano XII, nº 224, 15 de janeiro de 1924.
(3) Ibid. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Os romanos e o comércio de especiarias da Arábia

"Toda a Arábia é um paraíso de perfume muito delicado."
Heródoto, Histórias

O território que na Antiguidade recebia, genericamente, o nome de Arábia, era famoso pelos aromas preciosos. Por sua vez, os romanos, que haviam abandonado a velha frugalidade por um estilo de vida cada vez mais luxuoso, tornaram-se fanáticos consumidores de perfumes, incenso, temperos e condimentos que, convenhamos, faziam a vida mais agradável e, nos dois últimos casos, também mais saborosa. Haveria fregueses melhores para os mercadores árabes? 
Contudo, em se tratando de balança comercial, o intercâmbio com a Arábia era, de acordo com Plínio, o Velho (¹), bastante desfavorável aos romanos: "[Povos árabes]  são a gente mais rica do mundo, pois acumulam para si o que recebem de Roma e Pártia, vendendo-lhes o que trazem dos mares e florestas, ao mesmo tempo que nada compram." (²) 
Sedentos por tudo que era extravagante, os romanos estavam dispostos a pagar o que os mercadores de especiarias pediam. Estrabão (³), de origem grega, mas vivendo entre romanos, explicou que só uma parte da região a que os romanos chamavam Arábia era produtora de especiarias aromáticas, de modo que tais mercadorias eram raras e, por essa razão, dispendiosas. À parte disso, também foi enfático em assegurar que árabes levavam vantagem no comércio com o mundo greco-romano. "Na atualidade os árabes são prósperos devido ao volume do comércio que realizam", disse ele, lembrando, ainda, a simplicidade do empreendimento como fator de lucro: "Basta um mercador ou condutor de camelos para fazer comércio de especiarias"(⁴) .
Malgrado as palavras de Estrabão, havia complexidade no trabalho dos mercadores (⁵). Era preciso dominar as rotas de comércio, correr todos os riscos inerentes a esse gênero de negócio e fazer viagens longas e cansativas, atravessando áreas desertas e, em geral, perigosas. O preço final dos artigos finos que vendiam era influenciado por todos esses fatores, bem como pela certeza de que, na conclusão de cada viagem, haveria disputa acirrada por tudo o que levavam para vender. Não haveria necessidade de ir em busca de fregueses.

(1) 23 - 79 d.C.
(1) História Natural, Livro VI.
Os trechos citados da História Natural de Plínio e da Geografia de Estrabão foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) c. 63 a.C. - 24 d.C.
(4) Geografia, Livro I.
(5) Nem todos os mercadores que negociavam com os romanos eram árabes; também é fato que nem todas as mercadorias que levavam eram provenientes da Arábia, já que havia artigos vindos de regiões mais distantes - da Índia, por exemplo -, e de muitos outros lugares.


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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Conquistas dos bandeirantes paulistas

Bandeirantes paulistas eram corajosos, ousados, chegavam às bordas da temeridade. Em sua obsessão exploratória, suportavam cansaço, fome, falta de vestuário adequado. Como resultado de suas aventuras, encontraram jazidas minerais valiosas, embora quase ninguém deles chegasse, de fato, a enriquecer com isso. Seu avanço, sertão adentro, reduziu a pó a já fragílima linha de Tordesilhas, e deu ao Brasil uma configuração territorial próxima da que tem hoje. 
Essa gente atrevida, porém, estava longe de formar um panteão de anjos. Se é verdade que entre eles houve notáveis descobridores de ouro, também é sabido que, ainda antes de perscrutar o interior em busca de riquezas minerais, andaram por lá aprisionando indígenas para escravização. Eram peritos nessa "arte", a do "descimento do gentio", como então se dizia, em relação à captura de nativos que vinham suar nas roças dos próprios paulistas, ou, às vezes, eram encaminhados para venda em outros locais, como o Rio de Janeiro, por exemplo.
Abordando a relevância das investidas bandeirantes, Frei Gaspar da Madre de Deus, autor setecentista, escreveu, em suas Memórias Para a História da Capitania de São Vicente:
"Pelo sertão atravessou a animosidade dos paulistas com indizíveis trabalhos os fundos de todas as capitanias brasileiras, em cujos domínios, depois de afugentarem inumeráveis gentios, descobriram as Minas Gerais, as de Goiás, as do Cuiabá e as de Mato Grosso; e como tudo quanto descobriram os valorosos naturais das vilas sujeitas à de São Vicente (¹) se reputava parte desta Capitania, chegou ela a apossar-se de quase todos os fundos dos outros donatários. Eis aqui a razão por que a Capitania de São Vicente noutro tempo possuiu tudo quanto agora abrangem os governos gerais de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, e também os subalternos de Santa Catarina e Rio Grande de S. Pedro." (²)
Esse documento é importante porque permite avaliar como alguém do Século XVIII, um clérigo, interpretava a ação dos sertanistas. Nascido no Brasil, na Capitania de São Vicente, frei Gaspar da Madre de Deus não via qualquer problema em relação à conduta dos bandeirantes para com a população indígena - aliás, poucos admitiam, na época, que podia haver algo errado em "afugentar" nativos, assumindo que indígenas eram um obstáculo ao projeto de colonização. Pretexto para tanto, não faltava: sempre havia o argumento de que era para maior glória da Coroa portuguesa. Mais que isso, na eventualidade de que fossem capturados e escravizados, indígenas seriam, segundo se afirmava, "conduzidos ao grêmio da Igreja". Parecia, afinal, uma causa justa, meritória, até. A passagem do tempo revelou o outro lado da questão. 

(1) Frei Gaspar da Madre de Deus nasceu em São Vicente no ano de 1715.
(2) MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias Para a História da Capitania de São Vicente, Hoje Chamada de São Paulo, do Estado do Brasil. Lisboa: Typografia da Academia, 1797, p. 3.


terça-feira, 20 de agosto de 2019

Os quelônios e a ninfa Quelônia

Um quelônio, de acordo com Icones Animalium
Aquatilium
, obra publicada no Século XVI (*)
Quelônios, também chamados testudines, são répteis dotados de carapaça. Portanto, criaturas simpáticas como as tartarugas, jabutis e cágados são classificadas como quelônios. Correr contra uma lebre? Para os quelônios, só mesmo se for na fábula. A pressa não está na agenda deles.
Pois bem, os antigos gregos, como parte de seu arsenal de tradições religiosas, tinham uma explicação para o nome dos quelônios, segundo a qual havia uma ninfa chamada Quelônia. Um dia, ela recebeu um convite: Zeus e Hera iriam se casar, e todas as ninfas estavam convidadas. Mas, para ir às bodas, seria preciso, naturalmente, subir aos píncaros do monte Olimpo. 
Não obstante, um convite desses não é algo que se rejeite. Quelônia aprumou-se e pôs o pé na estrada. Coitadinha... Errou o caminho e, por isso, chegou tarde à festança olímpica. Que desaforo! Para vingar o ultraje, os deuses transformaram-na em uma tartaruga. Foi assim, meus caros leitores, que a ninfa Quelônia virou um quelônio.

(*) GESNER, Conrad. Icones Animalium Aquatilium. Zürich: Christof Froshover, 1560, p. 358. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Roupas que os alfaiates de São Paulo costuravam em 1587

Corria o Século XVI. São Paulo, apenas uma vila, em nada fazia supor a metrópole do Século XXI. Quem percorresse as poucas ruas cercadas por um muro de taipa logo perceberia que a população, que nem era muito numerosa, usava roupas simples, confeccionadas quase sempre com tecidos rústicos, mesmo para os padrões coloniais. Ao contrário do que sucedia com moradores das prósperas áreas açucareiras do Nordeste, paulistas desse tempo eram famosos pelo vestuário grosseiro e antiquado.
Como ainda não havia máquinas de costura, todo o trabalho precisava ser feito à mão, com agulha e linha. Devido à distância do Reino, tecidos de boa qualidade, fabricados na Europa, eram raros, e, por essa razão, quase sempre caríssimos. Os alfaiates, como outros artesãos, procuravam obter a melhor remuneração possível, mas suas pretensões eram limitadas pela mania que a Câmara de São Paulo tinha de impor tabelas de preços. No entanto, é graças a isso que podemos ter uma ideia do que vestiam os paulistas, mesmo que, pelo péssimo trabalho do escrivão da Câmara, destrinchar a ata correspondente seja tarefa penosa. O trecho que nos interessa, de 24 de agosto de 1587, vai transcrito aqui, simplificado (tanto quanto possível), na ortografia atual e com acréscimo da pontuação necessária à compreensão: 

"De uma roupeta de algodão aberta por diante com seus botões [...], cem réis;
De uns calções [...] de algodão, cento e sessenta réis;
De um gibão com seus botões, cem réis, e se for forrado, seis vinténs;
De um saio de pano de algodão [...], oitenta réis, e sendo debruado, [...], cem réis;
De uns calções chãos, quarenta réis;
De uma roupeta de pano do Reino com seus botões, cento e cinquenta réis;
De uns calções de pano do Reino [...], cem réis, e se forem guarnecidos, cento e quarenta réis;
De uma vasquinha de pano do Reino, cem réis, e guarnecida, cento e cinquenta réis;
De um gibão de seda pespontado, com suas bainhas pespontadas e com seus botões [...], cento e cinquenta réis;
De um corpinho de mulher, setenta réis;
De um saio de um manto, cem réis,
De uma roupinha ou saia de moça de dez ou doze anos, quarenta réis;
De feitio de uma carapuça [...], quarenta réis [...], e guarnecida, três vinténs;
De feitio de um pelote [...] com seus botões, cento e cinquenta réis;
De feitio de um capote, cento e cinquenta réis;
De um roupão [...] com pano embaixo, cento e cinquenta réis;
De feitio de uma capa de baeta, cem réis, e de pano tosado, cento e cinquenta réis."

Se vocês, leitores, conseguiram chegar até aqui, considerem que, em fins do Século XVI, quase não havia dinheiro amoedado circulando em São Paulo, e, por isso, é bastante provável que alfaiates, como os demais artesãos, fossem pagos em espécie, servindo o tabelamento apenas como parâmetro nas relações de troca. Levem em conta, também, que nem todo mundo encomendava as roupas que queria a algum alfaiate: parte da população devia ter as roupas feitas em casa mesmo, pelas mãos de alguém da família ou de escravos. Finalmente, mais uma constatação, permitida pela tabela de preços, é que a variedade de peças passíveis de encomenda não era muito grande, outro indício da simplicidade da vida colonial.


terça-feira, 13 de agosto de 2019

Governantes e líderes militares da Antiguidade deveriam saber geografia

Quem vivia na Antiguidade podia gostar de geografia - ou não. Se você fosse um indivíduo comum, quem sabe um agricultor ou artesão, talvez tivesse curiosidade por ouvir falar de outros lugares, com seus rios e montanhas, vales ou desertos, além da gente que lá vivia, com seus costumes diferentes ou mesmo um pouco semelhantes aos seus. Pessoas com mais instrução possivelmente teriam certo interesse científico pela geografia.
Havia, no entanto, quem deveria, obrigatoriamente, pensar na geografia pela utilidade prática que oferecia. Esses, de acordo com Estrabão (¹), eram os que ocupavam posições de liderança, quer como governantes, quer como comandantes militares. "A geografia interessa", disse Estrabão, "àqueles que lideram, pela descrição que faz de terras e mares, não só dentro como fora do mundo habitado" (²).
O ponto de vista de Estrabão fazia sentido: quem exercia o governo deveria conhecer bem o território sobre o qual dominava, para tomar decisões acertadas em favor da prosperidade de seus súditos, bem como em relação à defesa, em caso de uma invasão estrangeira. Mais que isso, conhecer algo do território dos vizinhos oferecia uma vantagem significativa em caso de guerra, possibilitando o uso de tropas adequadas ao terreno, além de permitir expectativas realistas quanto à subsistência dos soldados ao longo de uma campanha militar. Estrabão lembraria, ainda, que o conhecimento de geografia podia ser importante para a caça, que, para alguns povos, estava muitas vezes associada à preparação para a guerra. De certo modo, uma coisa conduzia à outra.

(1) Viveu entre c. 64 a.C. e 24 d.C. Grego de nascimento, passou muito tempo no mundo romano. Infelizmente, muitas de suas obras se perderam.
(2) ESTRABÃO. Geografia, Livro I. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O que deveria haver na bagagem de quem vinha ao Brasil no Século XVII

Preparativos de viagem podem ser um pouco desgastantes. Se a viagem for breve e para lugar conhecido, não haverá grandes problemas, mas quem vai fazer uma viagem longa e/ou para local que nunca visitou, deve ter cuidado para não omitir na bagagem algum item indispensável. Imagine-se, agora, o que acontecia quando alguém decidia vir ao Brasil lá pela segunda década do Século XVII. Conselhos de quem que já vivera essa experiência podiam, de fato, ser muito úteis. 
Procurando facilitar a viagem de franceses que queriam vir ao Brasil, o capuchinho Yves d'Évreux (¹), que esteve na França Equinocial, colônia francesa fundada no Maranhão, fez uma pequena lista de coisas que, no seu entender, seria prudente incluir na bagagem:

Aguardente, ao que parece para uso como medicamento (²):
"As suas provisões devem consistir de aguardente forte, do melhor vinho de Canária, em bons frascos de estanho, [...] arrolhados e acondicionados numa frasqueira fechada a chave, [...] para servir nas necessidades e nas moléstias que podem aparecer." (³)

Vinho para uso na viagem, além de outros suprimentos para complementar o que se oferecia no navio:
"Para a passagem do mar deve surtir-se de algum vinho tinto, e de coisas iguais para quando precisar, visto o trivial do navio ser muito mal preparado." (⁴)

Objetos de uso pessoal:
"Deve fornecer-se de um bom número de camisas, lenços e vestidos de fustão, e não de estofos pesados, exceto os vestuários para festas, porque neste país não se precisa senão de panos leves. Leve sabão para o asseio da casa, muitos sapatos porque lá não achará um só, senão os que para aí forem levados e por alto preço, de forma que pelo preço de um par tereis em França uma dúzia, toalhas, guardanapos, lençóis e um bom colchão, e se quiserdes viver à francesa, isto é, com limpeza, deveis levar baixela de estanho para quando estiverdes doentes." (⁵)

Artigos alimentícios, alguns deles não encontrados no Brasil:
"Devereis levar açúcar, boas especiarias, uma porção de ruibarbo muito fino, tudo bem acondicionado numa caixa para livrar o açúcar das formigas do país, porque é impossível imaginar-se o que fazem estes animaizinhos, que se metem por toda a parte, e tudo trespassam [...]." (⁶)
Interessante, aqui, é verificar que coisas eram consideradas, pelos franceses do Século XVII, indispensáveis a uma existência digna, mesmo para quem tinha coragem suficiente para se aventurar na América do Sul. D'Évreux lembrou, ainda, que, para trocar com indígenas por produtos da terra, seria útil trazer alguns artigos usuais de escambo, como roupas vistosas, ferramentas e outros pequenos objetos. 
A França Equinocial teve, porém, vida muito curta, de modo que os conselhos de Yves d'Évreux tiveram pouca utilidade para seus compatriotas. Mais valiosos são hoje, quando se quer saber alguma coisa sobre os hábitos, modo de vida e mentalidade de sua época, já distante e, nas aparências, tão diferente da nossa. 

(1) Nascido na França em 1577, esteve no Brasil entre 1613 e 1614.
(2) D'Évreux não explicou para qual doença.
(3) D'ÉVREUX, Yves. Viagem ao Norte do Brasil Feita nos Anos de 1613 a 1614. Maranhão: Typ. do Frias, 1874, p. 190.
(4) Ibid.
(5) Ibid.
(6) Ibid., pp. 190 e 191.


terça-feira, 6 de agosto de 2019

A punição dos ladrões, de acordo com o Código de Hamurabi

Leis da Antiguidade não eram, como regra, muito complacentes com ladrões. O Código de Hamurabi, compilado no Século XVIII a.C., não se distinguiu pela moderação nas penalidades atribuídas aos culpados pelos diversos crimes, e também neste caso estipulava punições que, supunha-se, deviam refrear o ímpeto dos famosos "amigos do alheio".
Se capturados, os ladrões contemporâneos de Hamurabi não tinham vida fácil. Melhor dizendo, com muita probabilidade passavam a não ter vida alguma:
  • Ladrão que roubasse alguma coisa pertencente a um templo ou palácio (que atrevimento!), seria executado, sendo a pena extensiva ao receptador daquilo que fora roubado;
  • Era admissível, em alguns casos, que o ladrão fizesse a devolução do que roubara, sendo acrescentada uma multa equivalente a até trinta vezes o produto do roubo (na hipótese, por exemplo, de haver roubado ovelhas, porcos, asnos, cabras, etc., etc., etc.), mas se o gatuno não tivesse como pagar, seria executado;
  • O roubo de crianças (possivelmente para a venda no mercado de escravos), era sempre punido com a morte do culpado.
Infelizmente, não temos como saber se a severidade das penas era eficaz para inibir a ação dos ladrões. O simples fato de que o Código especificasse alguns tipos de roubo, citando os de animais, principalmente, talvez seja indício de que a súbita "desaparição" desses bens não era fenômeno sobremodo ocasional.


quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Greves de trabalhadores durante a República Velha

A República Velha foi marcada por um crescente movimento de trabalhadores. Embora 1917 seja rotulado como o ano da "Greve Geral" (não tão exageradamente geral assim), outras datas também merecem destaque pela intensidade das manifestações, que, sendo novidade no Brasil, geravam, em cadeia, a paralisação de várias atividades. Este aviso, publicado no ano de 1923 na revista paulistana A Cigarra, exemplifica a questão:
""A Cigarra" e a greve dos gráficos - A greve que se manifestou nas oficinas gráficas de São Paulo, determinando a sua paralisação coletiva, impediu-nos de publicar "A Cigarra" correspondente à segunda quinzena de fevereiro na devida data e levou-nos a reunir na presente edição, dupla, os números 202 e 203.
Já havíamos providenciado para imprimir a nossa revista no Rio de Janeiro, único lugar onde pudemos encontrar oficinas capazes em atividade, pois todos os estabelecimentos de São Paulo se fecharam, mas o serviço se restabeleceu nesta capital, ainda com tempo de aqui se fazer a impressão." (¹)


Sem entrar em detalhes quanto às reivindicações trabalhistas da época, pode-se dizer que algumas razões, de caráter geral, são importantes para entender o que acontecia:
  • Más condições de trabalho, porque, saído há pouco do escravismo, o país enfrentava problemas com empregadores que tinham dificuldade em lidar com o trabalho livre;
  • Governantes também tinham, não raro, ideias "herdadas" do escravismo;
  • Vinda de imigrantes que traziam consigo vivências de reivindicação de direitos trabalhistas, adquiridas quando ainda residiam na Europa;
  • Formação gradual no Brasil de uma camada numericamente expressiva de trabalhadores urbanos, cada vez mais conscientes de sua força para lutar por direitos;
  • Do cenário internacional, as notícias de manifestações de trabalhadores, greves e mesmo de investidas revolucionárias iam chegando pouco a pouco, dando ânimo aos que, no Brasil, participavam das lutas trabalhistas;
  • f) Finalmente, não se pode dizer que a República Velha foi um tempo muito pacífico: o cenário nacional, com a ocorrência de numerosas rebeliões (²), era propício para a difusão de movimentos de trabalhadores, reagindo às condições de vida opressivas, a que, com frequência, eram submetidos.


A legenda original da foto acima, publicada em 26 de julho de 1917, relativamente à chamada Greve Geral daquele ano, dizia: "Bandos de grevistas, na maioria mulheres operárias em várias fábricas desta capital, dirigindo-se ao largo do Palácio a fim de conferenciar com o sr. secretário da Justiça e Segurança Pública, a quem pediram providências contra o despropositado aumento dos gêneros de primeira necessidade." (³) 

(1) A CIGARRA, Ano X, nº 202 e 203, 15 de fevereiro e 1º de março de 1923.
(2) Revolta da Vacina, Revolta da Chibata e rebeliões tenentistas, só para citar algumas.
(3) A CIGARRA, Ano IV, n° 71, 26 de julho de 1917.