terça-feira, 3 de abril de 2018

O que se vendia no comércio de Salvador no Século XVI

A Cidade da Bahia, ou Cidade do Salvador, ou só Salvador, como dizemos hoje, foi a primeira capital do Brasil. Foi também a primeira povoação a ter o status legal de cidade. Não era para menos: foi fundada por Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral, que a estabeleceu para sede de seu governo. 
Ora, meus leitores, nenhuma cidade sobrevive sem algum tipo de praça de comércio, feira ou mercado. O nome não importa, desde que faça referência a um agrupamento de estabelecimentos, grandes ou pequenos, em que os habitantes possam comprar artigos de primeira necessidade. Salvador, ainda no Século XVI, tinha seu centro de comércio, que Gabriel Soares, um contemporâneo, assim descreveu:
"A terra que esta cidade tem, uma e duas léguas à roda, está toda ocupada com roças [...], onde se lavram muitos mantimentos, frutas e hortaliças, de onde se remedeia toda a gente da cidade que o não tem de sua lavra, a cuja praça se vai vender, do que está sempre mui provida, e o mais do tempo o está do pão que se faz das farinhas que levam do Reino a vender ordinariamente à Bahia, onde também levam muitos vinhos da ilha da Madeira e das Canárias, onde são mais brandos e de melhor cheiro e cor e suave sabor que nas mesmas ilhas e os levam; os quais se vendem em lojas abertas, e outros mantimentos de Espanha, e todas as drogas (¹), sedas e panos de toda a sorte (²), e as mais mercadorias acostumadas." (³) 
Vamos facilitar as coisas: o que Gabriel Soares queria dizer é que na praça de comércio existente na primeira capital do Brasil havia variedade de mercadorias, incluindo hortifrútis de produção local, pão feito com farinha do Reino, vinho, artigos alimentícios diversos vindos da Europa, tecidos, etc,, etc., etc... 
De passagem, notemos que a informação de Gabriel Soares é útil para que possamos reconstruir a organização espacial da cidade que tinha, para além dos muros que a cercavam, uma área de cultivo de que se abastecia. Salta aos olhos, também, a persistência do costume, para não dizer dependência, em consumir artigos alimentícios que somente chegavam ao Brasil depois de meses atravessando o Atlântico, permitindo a suposição de que, quando finalmente eram utilizados, esses gêneros inevitavelmente dispendiosos já não se apresentavam nas melhores condições (⁴).
Haveria outras mercadorias mais? Com certeza, embora, pela quantidade, talvez não impressionassem e, por isso, não mereceram a honra de uma menção por Gabriel Soares. Devia haver, como em qualquer mercado, também muita discussão por causa de preços, para o que se imagina um cenário algo cômico, porque no Brasil desse tempo quase não circulava dinheiro amoedado. E fofoca, havia? Provavelmente. Mercados sempre estiveram entre os espaços mais democráticos do Brasil Colonial, em que circulavam escravos e livres, e dentre os últimos, gente de toda condição social. Tramavam-se malefícios e conspirações? Como se sabe pelos registros disponíveis, tudo era possível, em meio aos que compravam e vendiam nesse modesto centro de comércio colonial, compartilhando as notícias de perto e de longe que chegavam, passavam de boca em boca e seguiam adiante.

(1) "Drogas", no Século XVI, era palavra usada para uma variedade de artigos, que incluíam substâncias consideradas úteis para o tratamento de doenças, temperos e condimentos diversos e até mesmo açúcar.
(2) A população endinheirada da Bahia era famosa pelo luxo no vestuário.
(3) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 124.
(4) As técnicas de conservação de alimentos para viagens marítimas usadas na época estavam longe da perfeição.


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4 comentários:

  1. O desabrochar duma urbe, com cores, alaridos e movimentos muito próprios...
    Gosto destas narrativas.

    Tenha uma boa semana, Marta :)

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    1. Deve ter sido mais ou menos assim em toda a América portuguesa.

      Tenha uma ótima semana, também!

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  2. Já bebiam vinho da Madeira! Gostaria de poder viajar no tempo e visitar esses mercados, sentir os cheiros, observar as pessoas e ouvir a bisbilhotice. Acho os mercados lugares fascinantes... e quanto mais antigos melhor.
    Beijinho
    Ruthia

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    1. Mercados populares são mesmo lugares incríveis, e também procuro visitá-los, sempre que viajo. Já quanto a viajar no tempo... Só na imaginação rsrsrsssssssssssssssssssssssssssssssss...

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