Pensem, leitores, naquilo que, para vocês, é parte indispensável de uma cidade: residências, prédios públicos, ruas, avenidas e praças, meios de transporte, estabelecimentos comerciais variados... Moradores, naturalmente. Tenho certeza de que a lista que fizeram tem muitos outros itens, porque os centros urbanos de nosso tempo são extremamente complexos e, muitas vezes, especializados.
Pensem, agora, no que compunha uma cidade na antiga Mesopotâmia, antes que a Assíria ou a Babilônia viessem a ser impérios dominantes na área - o que encontraríamos nelas? Sim, havia diferenças de uma povoação para outra, mas algumas coisas não podiam faltar:
Templo
Tendo em vista que a vida urbana girava em torno de práticas religiosas, nada poderá exagerar a importância dos templos. Cidades grandes tinham vários deles, mas as pequenas tinham pelo menos um, o que não significa que adotassem ideias monoteístas - um só lugar podia ser centro de culto de vários deuses. Parte da produção local e/ou impostos tinha como destino a manutenção dos locais de culto e dos sacerdotes. Rituais sofisticados só foram possíveis à medida que circunstâncias econômicas possibilitaram que algumas pessoas fossem dispensadas das obrigações normais do dia a dia (¹), tornando-se especializadas na manutenção do culto. A complexidade religiosa podia refletir, assim, o nível de desenvolvimento das forças produtivas.
Palácio
Se a cidade chegava a ser rica e poderosa, podia ter um palácio para residência de seu líder mais importante, a quem chamamos rei. Na antiga Mesopotâmia os reis tinham obrigações civis (como governantes e juízes), deveres militares (sendo, ao menos formalmente, comandantes do exército local) e funções religiosas, sendo reis-sacerdotes, que não eram vistos como deuses e sim como representantes dos deuses, ou figuras capazes de uma conexão entre os humanos e as divindades.
Muro
A existência de uma muralha ao redor de uma povoação era essencial para que fosse considerada uma cidade "de verdade", e não um mero ajuntamento de pessoas. Os muros eram importantes como defesa contra ataques de povos inimigos, contra hordas nômades que pilhavam a produção alheia e, quando construídos junto a um rio, contra eventuais inundações. Os primeiros muros devem ter sido simples e pouco duráveis, mas o uso de materiais resistentes, tais como tijolos, tornaram a proteção razoavelmente eficaz, pelo menos até que máquinas de guerra, como torres e rampas sobre rodas, fossem desenvolvidas, para permitir o acesso de exércitos invasores ao interior das cidades.
Áreas de cultivo
Alimentos são essenciais à sobrevivência de uma população - alguém duvida? Portanto, depois dos muros, mas geralmente fora deles, vinham os campos de cultivo, nos quais trabalhavam os homens livres das cidades e, muitas vezes, também um bom número de escravos, para assegurar um suprimento de alimentos, não só para a população local, mas também para comércio.
Áreas de pastagens
O fato de que a população da Mesopotâmia tenha se sedentarizado não levou ao abandono das atividades pastoris. Elas continuaram a ter papel importante, e muitas cidades tinham, para além dos campos agricultáveis, áreas destinadas a pastagens. O Código de Hamurabi (²) tinha leis que obrigavam os pastores descuidados a compensar o dano que suas ovelhas ou cabras houvessem causado à plantação de alguém, mostrando que campos de cultivo e pastagens podiam estar próximos (às vezes, até próximos demais).
Além de oficinas de artesãos de várias especialidades, toda cidade que se prezava devia ter algum tipo de comércio. Em muitos casos, a recorrência de uma feira de mercadores nômades em certos lugares contribuiu para que ali, gradualmente, se formassem povoações permanentes. Então, o comércio local podia ser fixo - sabe-se que algumas cidades tinham ruas dedicadas exclusivamente à compra, venda e troca de mercadorias - ou mais parecido com uma feira livre da atualidade, com a reunião periódica de comerciantes que iam e vinham de um lugar para outro. À parte disso, o comércio foi importante para o desenvolvimento entre os mesopotâmios de uma forma de escrita (³), já que era imprescindível registrar o que se comprava e vendia, a que preço e em que condições de pagamento. Com a escrita, nascia também a contabilidade, vital em comunidades nas quais impostos já eram cobrados para manter toda a estrutura urbana e administrativa acima referida.
(1) Comunidades sem o mesmo grau de desenvolvimento não tinham, em geral, um grupo de pessoas dedicadas exclusivamente ao sacerdócio; portanto, a autoridade religiosa competia, quase sempre, ao líder da família ou clã. Isto é particularmente verdade em relação às comunidades nômades ou seminômades cuja ocupação predominante estava relacionada ao pastoreio.
(2) Cerca de 1750 a.C.
(3) O cuneiforme, gravado sobre placas de argila úmida.
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