quinta-feira, 29 de junho de 2023

Maquiagem colonial

Duvido que alguém saiba dizer quando, exatamente, as pessoas tiveram a ideia de usar, pela primeira vez, algum tipo de maquiagem. É coisa da Antiguidade, e os egípcios eram hábeis nisso. Alega-se que, em alguns casos, a maquiagem era útil para proteger contra o sol escaldante, além de, eventualmente, oferecer uma espécie de proteção contra insetos, em particular na região dos olhos, sem deixar de lado o uso, talvez, de caráter ritual. Para além desses motivos, havia outro, mais sutil, conquanto perfeitamente humano: a intenção de dar ao rosto uma aparência melhor, pelo menos segundo os critérios que vigoravam em cada época. 
Para quem acha que no Brasil Colonial as dificuldades de sobrevivência mantinham as mulheres tão ocupadas que não tinham tempo sequer para pensar em algum tipo de maquiagem, o que veremos agora será uma decepção, e olhem, meus leitores, que não estamos falando de costumes e adornos indígenas. Em um dos Diálogos das Grandezas do Brasil, obra escrita no começo do Século XVII, o autor (¹),  mais precisamente no Diálogo Quarto, deixou claro que as gentis colonizadoras não eram resistentes em dar uma corzinha extra ao rosto, fazendo uso, para tanto, do corante que se extraía de uma árvore nativa: "Também há outro pau de uma árvore pequena, que se chama araribá, que dá outra tinta excelente em ser vermelha, muito mais fina e subida na cor que a do pau do Brasil (²), e dela se aproveitam as mulheres para o rosto." (³)
Vaidade? Sim, talvez, mas à moda colonial.

(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) Pau-brasil.
(3) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 228.


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quinta-feira, 22 de junho de 2023

Quantas armas de fogo havia em São Paulo em 1624

No contexto da ocupação da Bahia por holandeses em 1624 (¹), autoridades coloniais ordenaram à Câmara de São Paulo que toda a pólvora existente na vila fosse remetida a Santos, para preparação da defesa, caso houvesse um ataque de holandeses também no litoral da Capitania de São Vicente.
Trabuco colonial - detalhe (²) 
Os camaristas, porém, não tinham a menor intenção de obedecer e, em idas e vindas de correspondência oficial entre São Paulo e Santos, a entrega da pólvora, que se dizia ser de apenas quatro arrobas, foi sendo adiada. Argumentava-se que os moradores do planalto precisavam dela, porque parecia iminente um levante de indígenas, situação em que a pólvora, dizia-se, seria a única garantia para os colonizadores. Mas, afinal, quantas eram as armas de fogo existentes na vila?
Em uma carta enviada a Santos, destinada ao capitão-mor Álvaro Luís do Vale, que governava em nome do Conde de Monsanto, aparece uma informação muito interessante:
"[...] se acordou que a pólvora que há nesta vila e se tem tomado por ser pouca, que não são mais que quatro arrobas, que era bem que se não tirasse da vila, pois nela há passante de duzentas e cinquenta armas de fogo para as quais é bem necessária e não basta para se acudir à ocasião quando se oferecer, além de que há nesta vila muito gentio de que nós podemos temer se queiram aproveitar da ocasião para se levantarem, pois entre ele se trata já, e o dito gentio se não teme mais que das armas de fogo, pelo que se acordou em toda a junta atrás referida que a pólvora se repartisse por todos os moradores desta vila que têm armas de fogo, obrigando-se cada um a dar conta da que se lhe der [...]." (³) 
Passavam, portanto, de duzentas e cinquenta as armas de fogo em mãos dos moradores de São Paulo e adjacências. Eram muitas, se considerarmos que, na época, São Paulo era uma vila de população pouco numerosa, e continuariam a ser muitas, mesmo que admitidos os colonizadores residentes em fazendas nos arredores. Não se desejava entregar a pólvora, porquanto sua utilidade era óbvia quando, mesmo sob severa proibição, eram feitas investidas no sertão para a captura e escravização de indígenas, algo em que muitos paulistas do Século XVII eram peritos.

(1) A ocupação da Bahia durou de 9 de maio de 1624 a 27 de março de 1625 - menos de um ano, portanto.  
(2) Do acervo do Museu da Mina de Ouro, Araçariguama - SP.
(3) O trecho citado da carta ao capitão-mor foi transcrito na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.  


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quinta-feira, 15 de junho de 2023

Seleção de sementes para plantio por agricultores romanos

Romanos que se dedicavam à agricultura - nos primeiros tempos da cidade, eram maioria e de condição livre - não dispunham, é claro, de estabelecimentos comerciais que lhes fornecessem sementes de alta qualidade para o plantio. Portanto, a cada ano era preciso separar uma parte do que se colhia para plantar na temporada seguinte. 
Contudo, não era qualquer semente que merecia ser posta na terra. Lúcio Júnio Moderato, mais conhecido como Columella, um autor do Século I, quando Roma já era Império, expôs este assunto com clareza, no Livro II de sua obra chamada Res rustica:
"[...] Quando é produzida uma colheita farta, o grão batido deve ser limpo com o uso de uma peneira, sendo reservados para sementes aqueles grãos que ficam no fundo devido ao tamanho e ao peso." (¹) 
Embora Roma tenha se destacado na Antiguidade por façanhas na engenharia, o progresso na agricultura não foi tão notável. À medida que as conquistas militares lançavam braços escravizados na lavoura, Roma tornou-se mais e mais dependente das importações de trigo (vindo do Egito, principalmente) e de outros gêneros alimentícios, por mais estranho que isso pareça. Na seleção dos melhores grãos como sementes estava, pois, a esperança de uma boa colheita, coisa que somente o passar dos meses revelaria, quando chegasse o tempo de colocar as foices (²) em ação.

(1) O trecho de Res rustica aqui citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Uma das ferramentas agrícolas mais antigas de que se tem notícia.


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quinta-feira, 8 de junho de 2023

Casas simples para colonizadores do Brasil

Quem vinha viver no Brasil nos primeiros tempos da colonização podia ter, ao chegar, ao menos uma certeza: não havia hospedarias ou mesmo simples estalagens para peregrinos (!!!) esperando quem aportava. Era necessário, tão rápido quanto possível, construir algum tipo de habitação, por mais simples que fosse, com aquilo que estivesse à mão. 
Para a maioria dos colonizadores, as casas seriam provavelmente assim, conforme descritas no Diálogo Quarto dos Diálogos das Grandezas do Brasil (¹), obra do começo do Século XVII:
"Já vos tenho dito das muitas madeiras que há nesta terra. Estas se mandam cortar por escravos, com as quais se alevantam casas de duas águas; e em lugar de pregos se servem de dois modos de cordas, com que se amarram e seguram as tais madeiras; [...] uma delas chamada cipó, e a outra timbó, que são tão boas e tão fortes para o efeito, que se traz por comum adágio que se não houvera cipó, não se pudera povoar o Brasil pelas diversas coisas de que se aproveitam dele. [...]." (²)
A cobertura para as casas, ainda de acordo com o Diálogo Quarto, seria assim:
"[...] Esta casa armada por este modo fica também fácil a cobertura dela; porque dos mesmos campos colhem uma erva a que chamam sapê, que serve em lugar de telha, e tem de bondade ser mais quente que ela; e também de uma árvore como palma, a que chama pindova, se faz mui boa cobertura; e nestas casas alevantadas por este modo vivem nos campos muitos moradores deste Estado, posto que também as há de pedra e cal [...]." (³)
O autor dos Diálogos se referia às moradias coloniais comuns nas capitanias do Nordeste; mas é sabido que em São Paulo, por exemplo, as construções do Século XVI não eram muito diferentes, e a Câmara da Vila somente se incomodou em contratar os serviços de um oleiro para a fabricação de telhas em fins daquele centênio. 
A inconveniência das casas de madeira, cipó e sapê ficava evidente quando, por acaso, acontecia um incêndio (não era coisa incomum), porque os materiais empregados facilmente se consumiam. Cientes disso, os indígenas, sempre que empreendiam um ataque a alguma vila de povoadores, compareciam nas horas silentes da noite, com tochas que, arremessadas no alto das casas, faziam crer aos supersticiosos habitantes que chegara a ocasião da viagem ao inferno. Flechas incendiárias cumpriam o mesmo trabalho. Em consequência, as casas de madeira e palha foram, gradualmente, dando lugar a construções de alvenaria, menos suscetíveis a incêndios e, também, muito mais duráveis e resistentes aos ataques de mau humor do clima. 

(1) Autoria atribuída, com razoável probabilidade, a Ambrósio Fernandes Brandão.
(2) BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 225.
(3) Ibid.


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quinta-feira, 1 de junho de 2023

O preço de um rouxinol no Império Romano

Rouxinol, imagem do Século XVI (³) 
Até onde ia a excentricidade de alguns imperadores romanos? No dizer de Plínio (¹) em Naturalis Historia, o imperador Cláudio teria pago nada menos que seiscentos mil sestércios por um rouxinol (²), um de verdade, não como aquele autômato do conto de H. C. Andersen
Pois bem, meus leitores, considerem que um sestércio corresponde a um quarto de denário. Portanto, os seiscentos mil sestércios pagos pelo rouxinol correspondem a cento e cinquenta mil denários. E quanto valia isso? Pois saibam que o denário era o pagamento diário que usualmente se fazia no mundo romano aos trabalhadores braçais livres. Conclui-se, então, que Cláudio gastou, para comprar o rouxinol, o equivalente a cento e cinquenta mil dias de trabalho. 
Resta explicar, ainda, por que razão o imperador romano queria tão preciosa avezinha. Cláudio adquiriu-a, no dizer de Plínio, para presentear sua quarta mulher, Agripina, a mãe do futuro imperador Nero. Lembrem-se disso, amigos, quando compararem os valores que nortearam Roma nos primeiros tempos da República àqueles que se tornaram moda sob o mando dos imperadores. De onde vinha tanto dinheiro? Por que imperadores tinham tanta liberdade em dispor dos recursos públicos? É fácil, pois, reconhecer a tolice completa de se colocar a culpa da decadência do Império somente nas invasões bárbaras.  

(1) 23 - 79 d.C. Talvez tenha sido o maior enciclopedista da Antiguidade.
(2) Cf. PLÍNIO, o Velho, Naturalis Historia, Livro X. 
(3) Cf. GESNER, Conrad. Icones Avium Omnium.  Zürich: Christof Froshover, 1560, p. 48. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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