quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Plutarco e a dificuldade em escrever sobre acontecimentos remotos

Que lhes parece, leitores: é mais fácil escrever sobre fatos recentes ou remotos? Não duvido que haja quem prefira escrever sobre o que há de mais longínquo no tempo porque, se cometer um erro, é pouco provável que apareça algum sobrevivente para contestar... 
Plutarco (¹), autor de Vitae parallelae, via problemas em tratar daquilo que ocorrera há muito tempo, porque, segundo ele, os testemunhos escritos estavam entremeados de "narrativas fabulosas e acontecimentos trágicos [...] nos quais não se pode crer como verdade" (²). Julgo que tinha razão, embora devamos sempre perguntar, quando olhamos para os antigos mitos, qual terá sido o acontecimento real que induziu tal relato. 
Contudo, se considerarmos os escritos do próprio Plutarco, veremos que suas biografias contêm, aqui e ali, uma porção de acontecimentos fabulosos, pelo menos segundo nossos critérios, além de conceitos anacrônicos, Afirma, por exemplo, que Teseu (o herói grego que teria matado o Minotauro), foi também responsável por mandar cunhar uma nova moeda em Atenas. Ora, admitindo que Teseu tenha existido, ainda que sem realizar todas as estripulias a ele atribuídas, não poderia ter ordenado nenhuma cunhagem de moeda, porque, na época em que supostamente viveu, essa técnica não era conhecida dos gregos. 
É claro que Plutarco, nascido no Século I, nada sabia sobre modernas técnicas de investigação histórica e arqueológica, e dependia, em grande parte, dos documentos antigos que lia e comparava, mas cuja veracidade era difícil de comprovar. Fez, portanto, a seu modo, um bom trabalho. O nosso, hoje, seria mais complicado sem o dele.

(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Leis do Império contra bisbilhoteiros que abriam correspondência alheia

"A [...] carta é a mais poderosa alavanca do progresso: nem o jornal lhe chega. Quem se propusesse a estudar sua fisiologia, a sistemar as espécies de que são principais a carta de empenho, a circular dos candidatos, a de crédito, a de namoro, de felicitação, de cumprimentos, a reservada, reservadíssima e confidencial, escreveria uma bela obra, um livro para isso, dos mais justamente apreciados na atualidade."
José de Alencar, Guerra dos Mascates

Escrever cartas, hoje um hobby com poucos adeptos, já foi um modo indispensável de comunicação e, para muitos, parte da atividade profissional. Bisbilhoteiros, porém, são praga universal e quase tão antiga quanto a própria humanidade. Havia, portanto, quem se sentisse tentado a abrir correspondência alheia. Indiscrição, apenas? Não, nos dias do Império, que são alvo hoje de nosso estudo, era crime devidamente previsto no Código Criminal do Império do Brasil.
Vejamos: funcionários dos Correios, em meio ao turbilhão de cartas que lhes passavam pelas mãos, deviam ter sempre em mente que "subtrair ou abrir correspondência alheia, já entregue para envio", podia resultar até em perda do emprego, prisão e multa (¹).  Já aos intrometidos em geral, não sendo funcionários públicos, que abrissem correspondência de quem quer que fosse, dizia o Código Criminal do Império, no Art. 215, que era crime "tirar maliciosamente do correio cartas que lhe não pertencem, sem autorização da pessoa a quem vierem dirigidas", para o qual a punição podia chegar a três meses de prisão, além de multa. Pior ainda seria se, além de abrir correspondência, o infrator divulgasse seu conteúdo para outras pessoas: a penalidade, neste caso, era dobrada. Não tenho certeza de que tais punições fossem fator de dissuasão de eficácia absoluta.


Propaganda de envelopes para correspondência, segunda década do Século XX (²)

Aos que enviavam correspondência era prudente, portanto, que os envelopes fossem fechados com cuidado, para, ao menos, dificultar a vida dos demasiadamente curiosos. Mas, tendo em consideração que as colas em uso, como era o caso da goma-arábica, não eram tão eficientes quanto desejado, o problema talvez persistisse. Um bom número de anos mais tarde - era 1929, o Império já estava distante e a República Velha, de tão velha, chegava ao fim - a revista paulistana A Cigarra trouxe esta nota: "Um envelope colado com clara de ovo não pode ser aberto nem mesmo expondo-se ao vapor de água, porque o calor aumenta a aderência daquela substância" (³). Funciona? Não sei, meus leitores, não fiz a experiência, nem escrevo cartas há muito tempo. Os bisbilhoteiros de correspondência alheia, em nossos dias, atendem por outro nome, e usam métodos bem mais complexos que a simples abertura de envelopes.

(1) Cf. Código Criminal do Império do Brasil, Art. 129, § 9.
(2) CORREIO DA SEMANA, Ano V, nº 204, 23 de maio de 1914. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(3) A CIGARRA, Ano XV, nº 342, 1ª quinzena de fevereiro de 1929.


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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Velas para marcar o tempo

Relógios de sol, de água e de areia foram muito usados no passado. Os romanos, por exemplo, somente aprenderam a usar relógios de sol depois que capturaram um, ao conquistarem Catania. Já uma clepsidra, relógio de água, foi vista pela primeira vez em Roma em 159 a.C. Alguns desses relógios eram belos e complexos, dependendo do grau de sofisticação tecnológica de quem os construía.
Houve, porém, um método rústico de marcar o t que esteve em uso em alguns lugares do norte da Europa durante a Idade Média: velas.
Como eram usadas:?
Quem as confeccionava tinha o cuidado de fazer nelas marcas a intervalos regulares e, por isso, à medida que queimavam, ofereciam uma ideia da passagem do tempo. Naturalmente não davam uma medida estrita das horas, mas é preciso lembrar que a correria contra o tempo, com uma agenda rigorosa para todas as tarefas, não era, ainda, uma preocupação da maioria das pessoas. Quanto ao mais, os sinos de igrejas e mosteiros se encarregavam de ditar, para a população adjacente, o ritmo da existência, em que a dimensão religiosa tinha um papel considerável.


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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Quem podia ser barbeiro em São Paulo no Século XVI

O que faziam os barbeiros do final do Século XVI? Aparavam barbas, naturalmente, e cabelos... Não só. A população da vila de São Paulo recorria aos barbeiros para várias tarefas que hoje poucos buscariam (se é que alguém ainda faz), e que eram, contudo, muito procuradas em tempos passados: sangrias (¹), por exemplo, e também curativos para feridas, porque a probabilidade de haver um médico nas vilas coloniais era muito reduzida.
Ocorre que, ciumentos de suas prerrogativas, os barbeiros reconhecidos por uma corporação de ofício colocavam todos os empecilhos que podiam à atuação de intrusos na profissão. No ano de 1597 os oficiais da Câmara de São Paulo decidiram agir contra a entrada indiscriminada de forasteiros que se propunham ao trabalho de barbeiros, e que diminuíam, portanto, a freguesia disponível para os profissionais que já residiam na localidade. Diz a ata correspondente:
"Aos dezesseis dias do mês de agosto do dito ano fizeram audiência os oficiais da Câmara e assentaram coisas pertencentes ao bem comum. E logo assentaram entre todos que porquanto nesta vila havia muitas pessoas que de fora vinham e outros que não eram examinados curavam feridas e faziam sangrias por toda a terra, e que pois havia na vila Antônio Ruiz, barbeiro e homem experimentado e examinado (²), que era bem fazê-lo juiz do ofício e que sem sua ordem e sem ser visto todo o que assim curar não possa fazer nem usar da dita cura e sangrias sem sua licença e carta de examinação [sic], salvo quem em suas casas o faz e mostrem o fazer por necessidade ou em negócio e caso fortuito, não sendo achado o dito Antônio Ruiz, farão as ditas curas e sangrias para quem souberem fazer [...]." (³)
No entanto, meus leitores, talvez nos seja lícito supor que, por trás dessa tão salutar preocupação da Câmara, talvez manobrasse o próprio barbeiro Antônio Ruiz, porque, logo em seguida, a ata é enfática em dizer que o homem compareceu de imediato a prestar juramento para ser feito juiz de ofício: 
"[...] para este efeito apareceu logo o dito Antônio Ruiz e recebeu juramento dos Santos Evangelhos perante mim, escrivão, sobre um livro deles, da mão do vereador Antônio de Proença, e prometeu de usar e fazer o dito seu ofício bem e fielmente para estar aqui com os ditos oficiais que lhe mandaram passar provisão deste caso [...]."
Quanta prontidão! Sabendo que paulistas da época eram mestres em tergiversar, se conveniente, não parece pouco razoável fazer a leitura dessa ata menos pelo que diz e mais pelo subentendido, em relação à prática do sangrento ofício de barbeiro no Século XVI (⁴).

(1) A falta de médicos era gritante no território colonial, de modo que até jesuítas tinham, eventualmente, autorização do Padre Geral para efetuar sangrias, uma mania da época que se acreditava salvar vidas, embora não tenham sido poucas, certamente, as que se perderam por causa dela.
(2) Examinado talvez ainda em Portugal, em uma corporação de ofício.
(3) A Ata da Câmara de São Paulo de 16 de agosto de 1597 foi aqui transcrita na ortografia atual e com a adição de alguma pontuação, para torná-la compreensível aos leitores da atualidade (assim espero).
(4) O ofício de barbeiro continuou a envolver sangrias, curativos e até extração de dentes por muito tempo.


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quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

O Asylum criado por Rômulo e Remo

Rômulo e Remo, os lendários fundadores de Roma, existiram? Foram pessoas reais, gente "de verdade"? Não é impossível que houvesse homens de carne e osso por trás da lenda, mas também não há, ainda, provas irrefutáveis nesse sentido. Contudo, estudar o que autores da Antiguidade escreveram sobre eles oferece a possibilidade de abrir uma fresta na janela do passado, para entrever como viviam os primitivos romanos. 
É o que acontece, por exemplo, em relação ao direito de asilo em templos, uma instituição que, atravessando os séculos, existiu, com alguns limites, até nos dias do Império. Ora, de acordo com Plutarco, o asilo foi instituído por ninguém menos que os famosos irmãos Rômulo e Remo, que teriam alegado, para isso, uma revelação vinda do deus Apolo (¹):
"Depois que principiaram a fundação da cidade [de Roma], [Rômulo e Remo] marcaram certo lugar dentro dos muros que serviam de limites à povoação, a fim de que fosse considerado inviolável e sagrado, e deram a esse lugar o nome de Asylum (²). Era tão religiosamente respeitado que todos os que ali se acolhiam estavam seguros, como lugar sagrado que era, sem que ninguém pudesse tocar-lhes, mesmo que houvessem cometido grandes crimes. Portanto, sob essa proteção estavam em liberdade: um escravo não podia ser retirado dali por seu senhor, o devedor estava protegido do credor e o homicida estava fora do alcance do magistrado. [...]" (³)
Desse modo, leitores, tendo se originado com os gêmeos ou não, o direito de asilo foi uma instituição real em Roma, e, quando o cristianismo se tornou a religião dominante, suplantando as divindades tradicionais e seus templos, esse direito, até certo ponto, foi conservado nas igrejas cristãs, quer porque se reconhecia ser útil para impedir algumas arbitrariedades, quer pela força da tradição. 

(1) Febo, entre os romanos
(2) Refúgio.
(3) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Oratórios domésticos

Oratórios domésticos, pequenos armários com finalidade religiosa - serviam para guardar imagens dos santos de devoção da casa -, foram populares no Brasil Colonial, e mesmo muito depois. Ainda podem ser vistos em uso, especialmente em localidades do interior e áreas rurais. Segundo descrição de José Vieira Fazenda em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, "[...] desses móveis havia-os de muitas qualidades: desde a simples caixa de pinho com suas portas, encimada por simples cruzinha, até os luxuosos - feitos de jacarandá, com magnífica obra de talha, guarnições e puxadores de prata". A desigualdade econômica firmava pé até em assuntos religiosos.
Consta que em fins do Século XVIII e início do XIX, nos oratórios de residências no Rio de Janeiro, já então capital do Brasil, sempre havia imagens de Santa Bárbara e São Jerônimo. Por quê? Esses eram os santos geralmente invocados sempre que uma tempestade irrompia. Voltando a Vieira Fazenda, somos informados de que "ao fuzilar do primeiro relâmpago, ricos e pobres prostravam-se ante as miraculosas efígies [...]. Acendiam-se velas bentas, que assim eram conservadas enquanto durava o perigo. Passado este, tudo voltava ao antigo estado, e todos esqueciam Santa Bárbara e São Jerônimo, para deles se lembrarem no dia seguinte, se por acaso no horizonte se apresentavam sinais de nova trabuzana"
Abaixo vocês têm, leitores, dois oratórios antigos, que recordam a religiosidade do passado. O primeiro (¹) é do Século XVIII; o segundo (²), da segunda metade do Século XIX, mostra que a devoção popular comportava multiplicidade de afeições.



(1) Pertence ao acervo da Casa de Cultura de Paracatu - MG.
(2) Pertence ao acervo do Museu Histórico e Geográfico de Monte Sião - MG.


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quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Hernán Cortés e a escravização de indígenas no México

Depois da morte do imperador Montezuma, Hernán Cortés, líder de um bando de aventureiros cuja pretensão era a conquista do Império Asteca, concluiu que o levante da população de Tenochtitlán não poderia ser detido e, portanto, não restava a ele e seus homens nenhuma possibilidade de sobrevivência que não fosse a fuga. Nessa ideia parece ter sido até incitado por um astrólogo - lembrem-se, leitores, era o ano de 1520.
A fuga dos espanhóis aconteceu à noite, sob chuva e neblina. Cortés sobreviveu, mas as perdas em soldados, cavalos e armamento foram enormes. Morreram muitos indígenas aliados, morreu Botello, o astrólogo que aconselhara a fuga. O peso do ouro que tentavam carregar dificultava o deslocamento em condições tão adversas. Esse episódio ficou conhecido como "a noite triste". Pergunto: triste para quem?
Mesmo fora da capital asteca, a perseguição ao bando de Cortés continuou. Finalmente, os sobreviventes chegaram a um ponto em que, com alguma segurança, puderam curar os ferimentos recebidos e buscar a ajuda de indígenas que tinham interesse em pôr fim ao domínio asteca. Vê-se que, para Cortes, desistir não era uma opção. 
Medidas radicais logo foram adotadas, no intuito de reencetar a conquista do México. Uma delas veio sob a forma de escravizar todo indígena que matasse um espanhol, conforme explicou Bernal Díaz del Castillo, que, já idoso, fez um relato pormenorizado daquilo que havia vivido como um jovem soldado a serviço de Hernán Cortés: "[...] foi acordado que diante de um escrivão que desse fé do acontecido, se fizesse um documento, pelo qual se considerassem escravos todos os aliados do México [Império Asteca] que houvessem matado espanhóis, porque haviam jurado obediência a Sua Majestade [o rei da Espanha] e se rebelaram, e mataram mais de oitocentos e sessenta dos nossos e sessenta cavalos [...]." (¹)
Antes se prosseguir, talvez sejam necessárias algumas observações. A primeira delas é que, quando ainda julgava ter controle da capital asteca, Cortés havia imposto um juramento pelo qual se reconhecia o rei da Espanha como suserano. Essa era uma formalidade claramente compreensível aos europeus, mas não se pode ter certeza de que os astecas entendiam seu significado e consequências. Não obstante, foi uma justificativa para a escravização dos "rebeldes". Outra observação indispensável está relacionada à intenção de Cortés, ao lavrar um documento, de que fazia tudo dentro da legalidade. Ora, que legalidade era essa? A lógica da conquista, a pretexto de serviço ao rei e à religião.
Para provar que a ameaça de escravização não era apenas bazófia, adotou-se um expediente terrível: "[...] fizeram um ferro com que se havia de marcar os que se tomassem por escravos, que era uma [letra] G, que quer dizer guerra. [...]" (²). E, pouco depois, tiveram ocasião de colocar em prática o "novo regulamento": "[...] em Cachula haviam matado [...] quinze espanhóis, e neste [lugar] de Cachula conseguimos muitos escravos, de modo que em cerca de quarenta dias tivemos aquelas povoações pacíficas e castigadas" (³).
Explicitamente ou sob algum disfarce, a escravização logo seria um dos maiores pesadelos dos povos indígenas do Continente Americano. A varíola e outras doenças se encarregaram de completar o cenário infernal.

(1) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Ibid.
(3) Ibid.


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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Uma voz contra o uso da palmatória nas escolas do Império do Brasil

Embora não fizesse referência explícita à palmatória, o Código Criminal do Império do Brasil admitia e tolerava a aplicação de "castigo moderado" (¹) por pais e professores. Sucede, porém, que o emprego da palmatória era tão comum nas escolas primárias que poucos imaginariam um estabelecimento de ensino que não contasse com pelo menos uma, para terror da criançada (²). 
Já no Código de Instrução Pública da Província de São Paulo de 1857, o emprego da palmatória para castigar alunos era não só admitido, como prescrito, como parte do sistema disciplinar que deveria reger as escolas públicas primárias em toda a Província: 
"Art. 188. Os alunos que infringirem qualquer dos dois anteriores artigos (³), ou qualquer preceito do professor, ou não derem boa conta da lição por negligentes, serão punidos com as seguintes penas: 
§ 1º - Repreensão. 
§ 2º - Tarefa dobrada, ou fora das horas regulares, na escola ou fora dela. 
§ 3º - Castigos que excitem o vexame (⁴). 
§ 4º - Participação ao pai ou tutor para imposição de maior pena.
Art. 189. Os alunos que dentro ou fora da escola faltarem ao respeito aos mestres, ou se insultarem, ou brigarem uns com os outros, ou pronunciarem palavras desonestas, ou praticarem atos da mesma natureza, serão punidos com as seguintes penas, à discrição dos professores: 
§ 1º - Repreensão. 
§ 2º - Comunicação aos pais para maior castigo. 
§ 3º - Emprego moderado da palmatória. 
§ 4º - Expulsão da escola." 
No entanto, recomendava-se cautela no uso da palmatória: 
"Art. 191. A pena do Art. 189 § 3º somente será imposta muito raras vezes, e quando as anteriores se tiverem mostrado ineficazes para um aluno [...]." 
Concluída a instrução primária, aqueles que prosseguissem nos estudos somente seriam punidos com a palmatória se o professor tivesse, para isso, autorização explícita dos pais: 
"Art. 244. Nas escolas médias não terá lugar a pena do Art. 189 § 3º, salvo havendo recomendação escrita dos pais dos alunos." 
Quem, todavia, iria crer na moderação do uso da palmatória, sabendo que, sem ela, dificilmente se ensinava alguma coisa na maioria das escolas do Brasil? 
Apesar disso, já nesse tempo havia vozes que discordavam do emprego de castigos físicos na educação escolar. Uma dessas falas contrárias vinha de Abílio César Borges, barão de Macaúbas. "[...] entre nós tão pouco se lê", afirmou ele, "graças ao pouco gosto que se toma pela leitura aprendida a contragosto, e a poder de dores e humilhações." (⁵) 
Ousando remar contra a corrente, assim se expressou, em um discurso proferido no ano de 1858: 
"Qual será em verdade o estudante que tome gosto pela instrução, se, para alcançá-la, é preciso atravessar um longo suplício de palmatoadas e castigos de todo gênero, além de ter diante de si eternamente um mestre sempre carrancudo, que mais mereceria o nome de inimigo ou carrasco?" (⁶) 
Disse, também, desta vez no ano de 1867: 
"Mas sei [...] que não obstante tudo quanto sobre a matéria tenho escrito [...], continua a férula a ter estrênuos advogados, chegando alguns educadores a declararem-na (ainda hoje!) indispensável para os progressos literários e científicos da mocidade, e fundamento principal da disciplina e da moral. 
[...]. 
Como é que em um país livre como este nosso, em que tanto se fala de liberdade, se continua a educar a mocidade por método tão despótico e humilhante, e por conseguinte tão antiliberal?" (⁷) 
Ao barão de Macaúbas, com todas as suas boas intenções, e mesmo com o sucesso obtido no Gymnasio Bahiano, talvez se devesse responder que incorria em erro ao supor o Brasil um país livre. Talvez o fosse, sim, para alguns, mas que dizer da multidão de escravos, submetida continuamente aos mais aviltantes castigos? A violência, assim, era parte do quotidiano, e nela se incluía a educação ministrada aos pequenos, na suposição de que a obediência não viria senão pela força. E, como velhos hábitos não saem de cena facilmente ou por decreto, com a ressalva de exceções, a palmatória, permitida formalmente ou não, continuou a ter presença garantida nas escolas, mesmo depois de inaugurado o Século XX. 

(1) Artigo 14, § 6. 
(2) Os leitores que tiverem a curiosidade de saber como exatamente era uma palmatória podem ver a postagem "Ela, a palmatória - instrumento para torturar jovens estudantes", em que há uma fotografia elucidativa. Pelo estado do objeto, deve ter sido bastante utilizado. 
(3) No Art. 186 estipulava-se que somente podiam falar os alunos interrogados pelo professor; no Art. 187, a proibição era de que mais de um aluno saísse da sala de aula ou escola ao mesmo tempo. 
(4) Incluir-se-iam aqui as famosas orelhas de burro? 
(5) BORGES, Abílio César. Vinte Anos de Propaganda Contra o Emprego da Palmatória e Outros Meios Aviltantes no Ensino da Mocidade. Bruxellas: Typographia e Lithographia E, Guyot, 1880, p. IV. 
(6) Ibid., pp. 7 e 8. 
(7) Ibid., pp. 34 e 40. 


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