quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Hernán Cortés e a escravização de indígenas no México

Depois da morte do imperador Montezuma, Hernán Cortés, líder de um bando de aventureiros cuja pretensão era a conquista do Império Asteca, concluiu que o levante da população de Tenochtitlán não poderia ser detido e, portanto, não restava a ele e seus homens nenhuma possibilidade de sobrevivência que não fosse a fuga. Nessa ideia parece ter sido até incitado por um astrólogo - lembrem-se, leitores, era o ano de 1520.
A fuga dos espanhóis aconteceu à noite, sob chuva e neblina. Cortés sobreviveu, mas as perdas em soldados, cavalos e armamento foram enormes. Morreram muitos indígenas aliados, morreu Botello, o astrólogo que aconselhara a fuga. O peso do ouro que tentavam carregar dificultava o deslocamento em condições tão adversas. Esse episódio ficou conhecido como "a noite triste". Pergunto: triste para quem?
Mesmo fora da capital asteca, a perseguição ao bando de Cortés continuou. Finalmente, os sobreviventes chegaram a um ponto em que, com alguma segurança, puderam curar os ferimentos recebidos e buscar a ajuda de indígenas que tinham interesse em pôr fim ao domínio asteca. Vê-se que, para Cortes, desistir não era uma opção. 
Medidas radicais logo foram adotadas, no intuito de reencetar a conquista do México. Uma delas veio sob a forma de escravizar todo indígena que matasse um espanhol, conforme explicou Bernal Díaz del Castillo, que, já idoso, fez um relato pormenorizado daquilo que havia vivido como um jovem soldado a serviço de Hernán Cortés: "[...] foi acordado que diante de um escrivão que desse fé do acontecido, se fizesse um documento, pelo qual se considerassem escravos todos os aliados do México [Império Asteca] que houvessem matado espanhóis, porque haviam jurado obediência a Sua Majestade [o rei da Espanha] e se rebelaram, e mataram mais de oitocentos e sessenta dos nossos e sessenta cavalos [...]." (¹)
Antes se prosseguir, talvez sejam necessárias algumas observações. A primeira delas é que, quando ainda julgava ter controle da capital asteca, Cortés havia imposto um juramento pelo qual se reconhecia o rei da Espanha como suserano. Essa era uma formalidade claramente compreensível aos europeus, mas não se pode ter certeza de que os astecas entendiam seu significado e consequências. Não obstante, foi uma justificativa para a escravização dos "rebeldes". Outra observação indispensável está relacionada à intenção de Cortés, ao lavrar um documento, de que fazia tudo dentro da legalidade. Ora, que legalidade era essa? A lógica da conquista, a pretexto de serviço ao rei e à religião.
Para provar que a ameaça de escravização não era apenas bazófia, adotou-se um expediente terrível: "[...] fizeram um ferro com que se havia de marcar os que se tomassem por escravos, que era uma [letra] G, que quer dizer guerra. [...]" (²). E, pouco depois, tiveram ocasião de colocar em prática o "novo regulamento": "[...] em Cachula haviam matado [...] quinze espanhóis, e neste [lugar] de Cachula conseguimos muitos escravos, de modo que em cerca de quarenta dias tivemos aquelas povoações pacíficas e castigadas" (³).
Explicitamente ou sob algum disfarce, a escravização logo seria um dos maiores pesadelos dos povos indígenas do Continente Americano. A varíola e outras doenças se encarregaram de completar o cenário infernal.

(1) CASTILLO, Bernal Díaz del. Verdadera Historia de los Sucesos de la Conquista de la Nueva España. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Ibid.
(3) Ibid.


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