terça-feira, 2 de outubro de 2012

O vestuário dos bandeirantes

"O escudeiro envergava um desses corpos de algodão, muito usados naquele tempo no Brasil, de preferência às couraças de metal fabricadas no Reino; porque estas, além de mais pesadas e incômodas, tinham o inconveniente de repelir com força os arremessos das setas e dardos, que resvalando pelas faces polidas, iam ferir os próximos combatentes, enquanto que as outras embotavam o golpe."  
 José de Alencar, As Minas de Prata

Bandeirante, monumento em bronze no Memorial do Rio Tietê em Salto - SP (¹)

A visão idealizada dos bandeirantes apresenta-os bem compostos, geralmente usando chapéu, gibão e botas altas. São assim representados em muitos monumentos, e é provável que alguns deles, ao menos, assim saíssem de casa, no início de uma bandeira. Sim, alguns deles, os chefes, talvez. A maioria dos integrantes de uma bandeira não devia ter recursos para tanto.
Antes de mais nada, para quem pretendia percorrer a pé os sertões desconhecidos, não era possível ter bagagem considerável. Quem iria carregá-la? Mesmo que índios fossem incumbidos da tarefa, não se pode transportar o mundo às costas de seres humanos. Assim, levava-se, claro, alguma roupa, cobertores, a rede para dormir... e não muito mais que isso.
Referindo-se a Antônio de Almeida Falcão, Pedro Taques de Almeida Paes Leme anotou, na sua Nobiliarchia Paulistana:
"...e passando às minas de Cuiabá penetrou aqueles sertões em serviços da Real Coroa, com intento de novos descobrimentos de minas de ouro, à sua custa. Com esta disciplina se fez bastantemente experimentado na agreste vida que sofrem os sertanistas."
Vestuário e calçados eram, porém, rústicos, feitos de material disponível na própria colônia, como algodão, para os primeiros, couro de veado, para os últimos. Explica-se: a falta de meio circulante na Capitania de São Vicente quase impedia a compra de artigos mais sofisticados, vindos do Reino. Mesmo tidos como gente poderosa, os bandeirantes enfrentavam, pois, a floresta, com recursos bastante limitados. Calções de couro, pela sua resistência, eram comuns. Não raro, andavam descalços, como os índios, com quem aprendiam uma técnica que permitia, assim, caminhar mais rápido, deixando menos vestígios. O gibão acolchoado, no entanto, era uma peça importante: protegia contra as setas dos indígenas (²).
No século XIX, quando as bandeiras clássicas já eram coisa do passado, Saint-Hilaire, naturalista francês que andou pelo Brasil, escreveu, em referência aos sertanistas de São Paulo:
"Punham-se, então, em marcha, munidos de chumbo e de pólvora, uns levando um fuzil e outros um arco e flechas, todos armados de comprida faca, de que se serviam tanto para a defesa pessoal como para cortar os galhos das árvores e esfolar os animais selvagens. Iam descalços, com um cinturão de couro cru à volta dos rins e, na cabeça, um chapéu de palha de abas largas, sem outra vestimenta além de uma braga de tela grosseira de algodão e uma camisa curta, com as fraldas por fora das bragas; algumas vezes traziam uma couraça e coxotes de pele de veado (gibão e perneiras). Cada um levava um saco de couro a tiracolo, com suas provisões. Um chifre de boi servia de caneca e uma cuia ou cabaça partida ao meio servia de prato." (³)
Como se sabe, os testamentos deixados por alguns bandeirantes comprovam a veracidade dessas informações. Os que sobreviviam às aventuras sertanistas, retornavam geralmente em andrajos, muitas vezes com barbas enormes, a ponto de não serem reconhecidos pelos próprios parentes. Alguns, apesar do aspecto lamentável, tiveram a sorte de voltar cobertos de ouro. Outros, perdiam em seus empreendimentos quase tudo o que tinham. Houve até quem, ao chegar em casa muitos anos após a partida, descobrisse que fora dado como morto, em algum ponto longínquo do sertão. A suposta viúva já estava casada novamente, tendo até filhos com o segundo marido.

(1) As esculturas no Memorial do Rio Tietê, inclusive esta, são obra de Murilo Sá Toledo.
(2) De acordo com Varnhagen, a origem do gibão de algodão acolchoado seria antilhana. Veja, sobre isso:
VARNHAGEN, F. A. História Geral do Brasil vol. 1, 2ª ed. Rio de Janeiro: Laemmert, 1877, p. 213.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 154.


Veja também:

4 comentários:

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      Um abraço!

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