No século XVII, para fazer frente à tentativa holandesa de ocupação do Nordeste brasileiro, solicitou o representante português Antônio Telles da Silva que a Câmara Municipal de São Paulo contribuísse com homens e suprimentos para a guerra; isso se fez, mediante o envio de soldados, índios das "administrações" (¹) e provisões para sustento das tropas, conforme relata Pedro Taques de Almeida Paes Leme em sua Nobiliarchia Paulistana:
"Este grande socorro de duzentos paulistas soldados e dois mil índios flecheiros, não das aldeias do real padroado e sim da administração de paulistas particulares, que neste tempo abundavam, de sorte que muitos havia que possuíam debaixo de sua administração quinhentos, seiscentos e setecentos índios, que se ocupavam no trabalho da agricultura em copiosas searas de trigo, plantas de milho, feijão, legumes e nos algodoais, saiu debaixo do comando do capitão de infantaria e cabo-maior Antônio Pereira de Azevedo em julho de 1647."
Portanto, nesse tempo, o cultivo de trigo, além de outros gêneros, era ainda muito importante em São Paulo (²), como já se mostrou na postagem anterior. O que teria, porém, sucedido, para que a triticultura fosse quase completamente abandonada na Capitania?
Antes de mais nada, deve-se saber que os fazendeiros que cultivavam trigo viviam em confronto com os donos de moinhos, querendo esses últimos, para si, uma parte exagerada do trigo que se produzia. Embora a Câmara Municipal buscasse disciplinar a coisa, estipulando maquias que não deviam ultrapassar a oitava ou, quando muito, a sétima parte do trigo moído, a realidade é que muitas vezes os senhores moleiros se apropriavam de até 25% da produção, vindo a ser um severo desestímulo aos fazendeiros que, por outro lado, não tinham remédio senão submeter-se às exigências dos donos de moinhos.
Além disso, o trigo produzido não era todo consumido pelos moradores de São Paulo, sendo o excedente vendido a comerciantes de Santos que tornavam-se, assim, intermediários na distribuição do produto para outras regiões da Colônia. Pode-se, pois, facilmente imaginar o que sucedia: os comerciantes de Santos combinavam pagar pelo trigo um preço muito baixo, a fim de maximizar seus próprios lucros. O resultado disso foi que muitos fazendeiros entenderam ser um mal negócio plantar trigo, diante da exploração a que se julgavam submetidos.
Alega-se, também, que o desmatamento acelerado da Capitania provocou, já na época, importante mudança climática, de modo que a temperatura média anual veio a ter significativa elevação, tornando São Paulo menos favorável à triticultura. É difícil mensurar o significado econômico dessa suposta mudança climática, mas deve-se observar que já no início do século XIX vários autores referiam-se a ela. Não é, pois, coisa do século XXI...
O golpe de morte nas lavouras de trigo que ainda restavam viria, porém, com os descobrimentos auríferos nas Gerais. Na corrida pelo ouro, muita gente abandonou a então pequena São Paulo, para nunca mais voltar. Multidões fixaram-se nas áreas mineradoras. Abandonaram-se as roças, chegou a faltar comida, houve uma absurda elevação nos preços dos gêneros alimentícios. Homens válidos, livres ou escravos, eram empregados na busca febril pelo ouro. Quem é que ia ocupar-se de plantar trigo, com todos os seus inconvenientes, quando o ouro aflorava e quem tinha sorte podia enriquecer do dia para a noite?
Restaram, de um modo geral, apenas lavouras de subsistência, cultivando-se gêneros nativos da América, de mais fácil produção, em lugar do trigo, que demandava sérios cuidados e, no final das contas, dava um lucro muito limitado.
(1) Sem meias-palavras, as "administrações" eram pouco melhores que campos de trabalhos forçados onde viviam índios "convertidos", voluntariamente ou não.
(2) Deve-se considerar que a produção era considerada grande para os padrões da época. Apenas para exemplificar, considerava-se, em São Paulo, que um sujeito que fosse dono de umas duzentas cabeças de gado era um pecuarista de muito sucesso.
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