terça-feira, 30 de novembro de 2021

Fugitivos da Justiça seriam perdoados se participassem da resistência à ocupação holandesa

O ano de 1530 mal começava, quando os moradores da região litorânea do Nordeste brasileiro foram informados de que uma grande esquadra, preparada pela Companhia das Índias Ocidentais, estava a caminho do Brasil. O alvo provável era Pernambuco, cuja riqueza na produção açucareira interessava muito aos holandeses.
Tendo retornado há pouco ao Brasil, Matias de Albuquerque liderou os preparativos para a defesa, assumindo que a tentativa de invasão iria mesmo ocorrer, e nisso não se enganava. Tinha de lutar, porém, com a falta de equipamentos bélicos, tão grave quanto a falta de homens treinados para a guerra. Para aumentar o contingente disponível, decidiu convocar até os foragidos da Justiça, segundo relato de Duarte de Albuquerque Coelho:
"Com bandos (¹) publicou, em todas as paróquias de fora, que livre e seguramente podiam comparecer todos os que receassem prisão por crimes ou dívidas, e que, de acordo com o comportamento na defesa, seriam perdoados [...], conforme as ordens reais que tinha para esse caso." (²) 
Não eram incomuns as promessas de perdão em ocasiões de emergência como essa. Qual seria, no entanto, o resultado prático? A situação era, de fato, desesperadora, e a própria existência de tal anúncio já é prova disso. Mas, exatamente por esse motivo, é bem pouco provável que, num arroubo de civismo, muitos foragidos se arriscassem ao comparecimento. 
A promessa de perdão aos que se alistassem para lutar nos conduz à constatação de um fato interessante: havia um número nada desprezível de pessoas que, tendo cometido delitos na Europa ou no Brasil, encontravam refúgio e segurança nas terras coloniais, tão vastas e escassamente exploradas como eram no Século XVII. Recordem-se, leitores, de que as Ordenações do Reino, particularmente no Livro Quinto, atribuíam penalidades terríveis para infrações que hoje consideramos muito leves, mas que, no Século XVII, eram punidas com severidade. Quem conseguia fugir devia dar-se por feliz, sem correr o risco de alguma aventura desastrada. E, lembrem-se, havia ainda a Inquisição, que não tinha e nunca teve tribunal permanente no Brasil, mas que, de vez em quando, resolvia fazer uma visita. Por que um fugitivo que se ocultava com segurança em algum lugar arriscaria o pescoço diante de uma vaga promessa de perdão, no caso de se bater com valentia e, evidentemente, no caso de sobreviver ao ataque holandês? Isto é, se e somente se as armas de Portugal e Espanha - eram tempos de União Ibérica - fossem vitoriosas contra as de Holanda... Como se sabe, não foi o que aconteceu em 1630.

(1) "Passar bando" era o método usual na época quando se queria fazer um comunicado oficial à população de uma localidade. 
(2) COELHO, Duarte de Albuquerque. Memorias Diarias de la Guerra del Brasil. Madrid: Diego Diaz de la Carrera, Impressor del Reyno, 1654. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias


Veja também:

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Licurgo não deixou leis escritas

Dentre as grandes conquistas da Antiguidade, a existência de leis escritas tem muita importância. Por mais estranhas que nos pareçam algumas regras estipuladas no Código de Hamurabi, na Lei de Moisés ou na Lei das Doze Tábuas, elas eram garantia contra muitas arbitrariedades, ainda que soem demasiado severas à nossa sensibilidade de ocidentais do Século XXI.
Esparta, contudo, não tinha leis escritas. Mas não foi Licurgo seu legislador? Afirmava-se que sim, que ditara leis rígidas e que, numa estratégia para impedir que seus regulamentos fossem abandonados, cometera suicídio. De acordo com Plutarco, "Licurgo não permitiu que se escrevessem as leis que estabeleceu na reforma feita em Esparta [...], [proibindo] que se escrevessem em tábuas de metal ou outro material qualquer, mas que fossem escritas e esculpidas na alma dos homens" (¹).
Percebem nisso, leitores, uma das razões para o questionamento da própria existência de Licurgo? (²) Espartanos, não obstante, conservadores como eram, seguiam rigorosamente as leis a ele atribuídas, ainda que com algumas inevitáveis modificações no correr do tempo. Não deixa de ser digno de nota que, à medida que as leis antigas foram sendo abandonadas, a corrupção se insinuou entre a aristocracia e Esparta perdeu muito de sua força.

(1) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Não é prova irrefutável, porém, de que não tenha existido.


Veja também:

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Método cruel de caça às onças usado na América do Sul

Onças, fossem pardas ou pintadas, despertaram a curiosidade dos primeiros exploradores europeus que chegaram à América do Sul (¹). Como muitos deles nunca tinham visto leões e tigres de verdade, acharam que a onça-parda (Puma concolor) era leão, e a pintada (Panthera onca), tigre. Estavam errados, é claro, mas isso não muda o fato de que tiveram medo delas. Lindas e ferozes, as onças eventualmente atacavam pessoas e animais domésticos. Não demorou até que fossem impiedosamente caçadas, de um modo diferente do método empregado por indígenas.
Há uma descrição interessante da caça às onças feita por Félix de Azara, espanhol que viajou pela América do Sul no Século XVIII. Segundo ele, era desta maneira extremamente cruel que estancieiros, aborrecidos com ataques de onças ao gado na Argentina e no Paraguai, abatiam as felinas:
"O modo de caçá-las é perseguindo-as com dois homens montados em bons cavalos. Ao encontrar árvore ou macega a onça se senta, e um dos cavaleiros investe contra ela para que fuja [...], enquanto o outro atira o laço [e, estando presa], corre em disparada, até que veja que [a onça] já está morta, e [se não], o outro prende-a também com o laço, puxando, um de cada lado, até matá-la." (²)
É razoável supor que método semelhante de caça fosse, ao menos ocasionalmente, empregado também no Brasil. Justifica-se essa hipótese por uma gravura de Debret, na qual uma onça, presa por laços, parece ser puxada por vários cavalos. Vejam abaixo, leitores, e tirem suas conclusões.

Caça à onça, conforme Debret (³)

De acordo com Debret (⁴), nos campos do atual Estado do Paraná onças eram caçadas a laço e, quando capturadas, abatidas por um caçador pedestre.

(1) Podem ser encontradas também em outras áreas do Continente Americano.
(2) AZARA, Félix de. Viajes Inéditos de D. Félix de Azara. Buenos Aires: Imprenta y Librería de Mayo, 1873, p. 25. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(4) Cf. DEBRET, J. B. Op. cit., p. 134.


Veja também:

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A salada de azeitonas de Catão

Bom dia, amigos leitores! Quais são os seus ingredientes favoritos para uma salada? Como está na moda experimentar receitas culinárias antigas, por mais estranhas que pareçam ao paladar médio dos ocidentais do Século XXI, apresento a vocês esta receita para uma salada de azeitonas, que não é minha, e sim de Marco Pórcio Catão, o austero romano que escreveu De agri cultura (¹). 
Primeiro, recomendou, era necessário escolher azeitonas variadas e cortá-las bem. Vinha, então, o "segredo", um tempero todo especial: "Adicione um tempero de azeite, vinagre, coentro, cominho, funcho, arruda e menta; misture em um prato de cerâmica e sirva com azeite" (²). Alguém se aventura a experimentar? (³)
Ora, meus amigos, como nosso interesse está no aspecto histórico dessa receita de Catão, devemos observar que, parcimonioso como era, esse romano que viveu entre 234 e 149 a.C. propôs o uso daquilo que podia ser facilmente encontrado em qualquer mercado da Península Itálica. Sua salada era composta, fundamentalmente, por coisas que sua propriedade agrícola ideal, descrita em De agri cultura, poderia produzir, e não por artigos dispendiosos, vindos de lugares distantes. 
Contudo, o sucesso militar de Roma e o relacionamento crescente com povos estrangeiros levaram os romanos a mudar de ideia, passando a apreciar tudo o que era exótico. Sugeridas por Apício em De re coquinaria, esquisitices vindas de terras remotas tornaram-se alta moda nas cozinhas em que os banquetes luxuosos do Império eram preparados. Catão morreu muito antes que a introdução de novos costumes pudesse ser, para ele, um grande desgosto. 

(1) Também chamada De re Rustica.
(2) CATÃO, Marco Pórcio. De re Rustica. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias
(3) Eu não testei, nem tenho a intenção de fazê-lo.


Veja também:

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Escravos para o trabalho na mineração deviam ser jovens

O trabalho nas minas coloniais era muito desgastante. Além do esforço físico requerido, das longas jornadas e das condições precárias de alimentação, os escravos deviam enfrentar as dificuldades inerentes às regiões inóspitas em que o ouro fora encontrado. Por isso, a mortalidade entre cativos que trabalhavam na mineração era alta. Houve proprietários que perderam quase todos os escravos em decorrência de alguma enfermidade.
Entre as regras estipuladas para as sociedades de mineração (¹) que o governo joanino projetou criar em 1817, encontramos este item, que, mesmo posterior aos melhores tempos da extração aurífera, nos oferece uma ideia de como deveriam ser os escravos que trabalhariam nas minas:
"[...] O fundo das Sociedades será formado com ações de 400$000 cada uma, em dinheiro, ou de três escravos (²) moços e sem defeitos de 16 a 26 anos de idade, que serão aprovados pelo inspetor-geral [...]." (³)
A experiência das décadas precedentes deve ter demonstrado que escravos dessa faixa etária eram mais resistentes às condições insalubres das minas, mesmo se tivessem a desvantagem da falta de prática no trabalho. Cabe recordar, a título de conclusão, que escravos não se faziam acompanhar por uma certidão de nascimento, pela qual se verificasse que idade tinham. À exceção de uns poucos nascidos no Brasil, que talvez soubessem dizer quantos anos tinham, os cativos denominados "negros novos", que acabavam de chegar do Continente Africano, tinham a idade apenas estimada. 

(1) A ideia da criação de sociedades de mineração pode até ter sido boa, porque se pretendia que adotassem métodos corretos de exploração aurífera, em lugar da precariedade vigente ao longo do Século XVIII. Foi só ideia, porém. Em sua maioria, as sociedades que chegaram a ser estabelecidas tiveram vida curta. 
(2) Note-se que esse regulamento, que pressupunha trabalho escravo na mineração, foi expedido quando o governo joanino já havia assumido um compromisso de, gradualmente, eliminar o trabalho compulsório no Brasil.
(3) Cf. ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 185.


Veja também:

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Tintas antigas para escrever

Uma senhora bastante idosa contou-me, já faz vários anos, que, em sua infância e adolescência, lá nas primeiras décadas do Século XX, era comum, na pequena localidade em que residia, que se utilizasse um preparado feito com amoras, quando se desejava ter um pouco de tinta vermelha para escrever. 
Ora, por que é que alguém quereria exatamente tinta vermelha? Talvez porque tinta preta fosse facilmente encontrada à venda, mas vermelha, não. Porque minha informante talvez gostasse das artes da caligrafia. Porque com ela seria possível deixar as tarefas escolares mais bonitinhas. Porque... Porque tinta vermelha talvez fosse útil para adornar uma cartinha que, discretamente, se fazia chegar a algum rapaz simpático das redondezas...
Compreendam, meus leitores: eram tempos sisudos, nos quais se tinha por falta gravíssima que uma moça expressasse mesmo o mais ínfimo afeto por um rapaz, sem o conhecimento e consentimento dos pais (principalmente do pai). Não era sem causa, pois, que, nas ruas e quintais, a meninada, brincando de roda, cantasse:

"Papagaio louro, 
Do bico dourado, 
Leva esta carta,
Pro meu namorado..." (¹)

Mas como é que se fazia tinta, não para umas poucas linhas, porém em quantidades maiores, ainda que artesanalmente, com fins comerciais? Nem todos os lugares tinham lojas especializadas, e alguns não tinham loja nenhuma. Esta receita, de uma publicação americana datada de 1867, pode dar uma ideia:
"Pegue 1 libra de campeche (²) e um galão de água (³); deixe ferver por uma hora em um recipiente de ferro; dissolva 24 grãos de bicromato de potássio e 12 grãos de prussiato de potássio em um pouco de água quente, e misture ao líquido ainda no fogo; retire do fogo e passe por um tecido fino. Nenhuma outra tinta resistirá ao teste de ácido oxálico, e é tão indelével que o ácido oxálico não conseguirá removê-la do papel." (⁴)
Com as modificações prováveis devido ao material disponível, o processo, em outros lugares, não devia ser muito diferente. Pau-brasil, por exemplo, era empregado em lugar de campeche, quando se queria obter tinta vermelha, e não preta.

(1) Como cantiga de roda folclórica que é, essa música tem uma variedade de letras. A que aparece aqui foi cantarolada pela senhora idosa a que me referi.
(2) Madeira originária da América Central e muito usada em tinturaria.
(3) Cerca de 3,8 litros.
(4) MARQUART, John. Six Hundred Receipts. Philadelphia: John E. Potter and Company, 1867, p. 74. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


Veja também:

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Quilombola

Escravo, esboço de
Thomas Ender (*)
Havia fugido do engenho. Quando menino, sempre ouvira a mãe dizer: "Ele é teu pai; quando ele morrer, serás livre". O senhor fora enterrado há meses e nada de alforria. A esperança se convertera em ressentimento.
Uma tarde fora mandado, com vários outros, a tirar lenha na mata próxima, e escapulira. Aos poucos, se afastara do grupo, e quando o feitor deu por sua ausência, já estava longe. Bem que ouvira os gritos dos que o procuravam, assim como o latido dos cães, mas nunca pensaria em voltar. Protegido pela noite, caminhara sem descanso e, vindo o sol, tomara o rumo da serrania distante. Quatro dias depois, mais morto que vivo, chegara ao pequeno quilombo, de cuja existência nunca suspeitara.
Afinal, foi admitido, embora com desconfiança. Agora, terá de provar que pode ser útil, que não irá trair a comunidade. Mas é bom caçador, e sabe disso. A capivara gorducha que assam com faminta expectativa não é mau começo. Vivendo entre outros fugitivos, o respeito e a liberdade serão construídos na luta de cada dia.

(*) O original pertence ao acervo da BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.

Veja também:

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Uma proposta do Século XVIII para imunização de indígenas contra a varíola

O título longo da obra, Diário da Viagem que em Visita e Correição das Povoações da Capitania de São José do Rio Negro Fez o Ouvidor e Intendente-Geral da Mesma, seguia uma prática em moda no tempo em que foi escrita, a segunda metade do Século XVIII. Seu autor, Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, assim que assumiu o cargo para o qual fora nomeado, decidiu embarcar em canoas, acompanhado pela família, por alguns funcionários públicos e por remadores indígenas, para conhecer de perto as localidades habitadas na Capitania de São José do Rio Negro. 
Entendam, leitores: isso significava percorrer a Amazônia no Século XVIII. Não era tarefa fácil, e chega a ser uma surpresa que alguém se aventurasse a tanto, quando muitos outros haviam preferido a comodidade da permanência na sede de governo. As anotações que fez, em forma de diário da viagem essencialmente fluvial, ocorrida entre 1774 e 1775, foram mais tarde publicadas sob a forma de um pequeno livro. Poucos tinham, então, a oportunidade de viajar para terras distantes, e um registro assim podia despertar interesse. Em certa localidade, notou que a população indígena sofria bastante com a varíola, também chamada de "bexigas", conforme o dizer popular da época, e escreveu: 
"Grassavam [...] funestamente as bexigas, ainda que já estavam terminando. Além dos índios que morreram, tinham desertado muitos, principalmente da nação Purus, com medo delas [...], porque as bexigas em índios são mal mortal, e de que raros escapam.  Atribui-se a causa à dificuldade de erupção das bexigas, considerando-se que a cútis dos índios é menos porosa [...]. Seria coisa felicíssima que se introduzisse nas povoações dos índios o fácil e proveitoso método de inocular ou enxertar as bexigas. Que milhares de vidas se não poupariam!" (¹)
Hoje parece cômico que alguém explicasse a tragédia da varíola entre indígenas pela suposta diferença na porosidade da pele - como todos sabem, a questão é outra. Porém, muito interessante, é que esse autor, administrador público e viajante sugerisse o emprego da inoculação, um método rústico (e um tanto perigoso) de imunização, que, se devidamente aplicado, poderia salvar vidas entre a população nativa. É pouco provável que se referisse à imunização com a vacina proveniente da varíola bovina, que já se experimentava com sucesso na Europa, e que, mais tarde, Edward Jenner formalizaria (²). Contudo, esse trecho do diário, escrito em 12 de outubro de 1774 por Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio demonstra, sem margem a dúvida, que mesmo na Amazônia, tão distante dos grandes centros de pesquisas médicas do Século XVIII, se cogitava a utilização de um método que reduzisse o impacto da varíola em indígenas, talvez por já ser usado em parte da população colonial de origem europeia. 
A vacinação, propriamente dita, pelo método de Jenner, não demorou muito a ser introduzida no Brasil. Portanto, contrariando uma ideia corrente, deve-se entender que desconhecimento não é uma justificativa plausível para a famosa Revolta da Vacina, na capital do Brasil, ocorrida cento e trinta anos depois que Ribeiro Sampaio escreveu o seu Diário de Viagem

(1) SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da Viagem que em Visita e Correição das Povoações da Capitania de São José do Rio Negro Fez o Ouvidor e Intendente-Geral da Mesma. Lisboa: Typografia da Academia, 1825, p. 24.
(2) Em 1796.


Veja também:

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Como espartanos sepultavam os mortos

Esparta foi, na Antiguidade, uma cidade-Estado em que havia regras estritas para quase todos os aspectos da vida. Consequentemente, a morte e os rituais que a cercavam estavam, também, submetidos às leis atribuídas a Licurgo
Além da mortalidade corriqueira entre os antigos - muitas crianças morriam com pouco tempo de vida, a mortalidade materna era igualmente alta, eram desconhecidas as causas da maioria das doenças e não havia tratamentos eficazes para elas - espartanos, treinados para a guerra e tendo nela a razão de ser da existência, deviam saber que, em um combate, a possibilidade de defrontar a morte era significativamente maior do que ficando em casa e cuidando calmamente da lavoura. Para esparciatas, contudo, essa não era uma opção. As regras relativas aos mortos deviam, pois, em tudo combinar com o estilo de vida dos vivos.

1. Em Esparta era permitido sepultar os mortos dentro da cidade


De acordo com Plutarco (¹), "afugentando as superstições, Licurgo permitiu que aqueles que desejassem poderiam sepultar os mortos dentro da cidade, sendo também admitida a construção de túmulos e monumentos junto aos templos [dos deuses]" (²). Essa disposição atendia a um propósito triplo:
    • A proximidade dos túmulos serviria para lembrar aos jovens as virtudes dos antepassados que deveriam ser imitadas;
    • Seria afastado o temor de alguma contaminação por tocar os mortos, tão prejudicial na guerra;
    • Os jovens perderiam o medo da própria morte, igualmente prejudicial durante os combates que deveriam enfrentar.


2. Era proibido enterrar os mortos com quaisquer objetos


Em muitos lugares da Grécia era tradição colocar uma moeda na boca ou entre os dedos de um morto, para que tivesse com que pagar o transporte até o submundo, ou mundo dos mortos. Segundo Plutarco, ao proibir essa prática entre os espartanos, Licurgo "pretendia afastar a superstição de colocar joias e outros objetos valiosos com os mortos, aos quais não fariam bem algum, mas apenas dano aos vivos" (³).

3. Era permitido colocar uma coroa de folhas de oliveira no corpo a ser sepultado


O ritual praticado em um sepultamento era muito simples: "Os corpos deviam ser envolvidos em um tecido de cor púrpura e coroados com folhas de oliveira. Em seguida, eram enterrados sem outras cerimônias. Não era permitido que se escrevesse sequer o nome do morto na sepultura, a não ser no caso de homens e mulheres [...] que houvessem morrido na guerra" (⁴). Havia, portanto, certo estímulo à morte em combate, visto que era desse modo que alguém se faria lembrado de forma mais nítida por seus concidadãos.

4. A demonstração pública de tristeza por um morto não podia ir além de onze dias


Em conformidade com o que Plutarco escreveu na biografia de Licurgo, "apenas onze dias de choro e lamentação [por um morto] eram permitidos; no duodécimo dia se faziam sacrifícios em honra de Deméter, e desde então, deviam cessar todas as demonstrações públicas de tristeza [...]" (⁵).

Por séculos as leis atribuídas a Licurgo foram estritamente obedecidas em Esparta e, ao que parece, os esparciatas tinham delas muito orgulho. Seriam felizes com elas? Bem, é difícil dizer, mas é fato que, finalmente, foram abandonadas. Talvez isso signifique alguma coisa.

(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) PLUTARCO. Vitae parallelae. Os trechos dessa obra aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Ibid.
(4) Ibid. 
(5) Ibid.


Veja também: