terça-feira, 9 de novembro de 2021

Quilombola

Escravo, esboço de
Thomas Ender (*)
Havia fugido do engenho. Quando menino, sempre ouvira a mãe dizer: "Ele é teu pai; quando ele morrer, serás livre". O senhor fora enterrado há meses e nada de alforria. A esperança se convertera em ressentimento.
Uma tarde fora mandado, com vários outros, a tirar lenha na mata próxima, e escapulira. Aos poucos, se afastara do grupo, e quando o feitor deu por sua ausência, já estava longe. Bem que ouvira os gritos dos que o procuravam, assim como o latido dos cães, mas nunca pensaria em voltar. Protegido pela noite, caminhara sem descanso e, vindo o sol, tomara o rumo da serrania distante. Quatro dias depois, mais morto que vivo, chegara ao pequeno quilombo, de cuja existência nunca suspeitara.
Afinal, foi admitido, embora com desconfiança. Agora, terá de provar que pode ser útil, que não irá trair a comunidade. Mas é bom caçador, e sabe disso. A capivara gorducha que assam com faminta expectativa não é mau começo. Vivendo entre outros fugitivos, o respeito e a liberdade serão construídos na luta de cada dia.

(*) O original pertence ao acervo da BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.

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