terça-feira, 27 de novembro de 2018

Quilombolas capturados eram marcados a ferro quente e tinham uma orelha cortada

Tempos sombrios no Brasil Colonial, em que imperou este bárbaro costume: ao escravo fugitivo que se unisse a um quilombo e fosse capturado era feita a marca de um F com ferro quente, e, se reincidisse, teria uma orelha cortada. E não se imagine que tais práticas decorressem da crueldade pura e simples dos senhores, já que eram autorizadas por um alvará régio datado de 3 de março de 1741. Para que não fique dúvida, vou transcrevê-lo na íntegra:
"Eu el-Rei faço saber aos que este alvará virem, que sendo-me presentes os insultos, que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chamam calhambolas (¹), passando a fazer o excesso de se juntarem em quilombos; e sendo preciso acudir com remédios que evitem esta desordem, hei por bem que todos os negros, que forem achados em quilombos, estando neles voluntariamente, se lhes ponha com fogo uma marca em uma espádua com a letra F, que para este efeito haverá nas câmaras (²); e se quando se for executar esta pena, for achado já com a mesma marca, se lhe cortará uma orelha, tudo por simples mandado do juiz de fora, ou ordinário da terra ou do ouvidor da comarca, sem processo algum e só pela notoriedade do fato, logo que do quilombo for trazido, antes de entrar para a cadeia." (³)
É possível que alguns leitores concluam que estas ordens horripilantes não passavam de ameaça, cujo efeito seria dissuadir, mesmo os mais corajosos entre os escravos, da ideia de fuga para algum quilombo. Mas não. Aconteceu dez anos depois que entrara em vigor a ordem para marcar a ferro quente e cortar uma orelha de quilombolas capturados: "[...] desempenhou tanto o conceito que se formava do seu valor e disciplina da guerra contra esta canalha [sic], que se recolheu vitorioso, apresentando 3.900 pares de orelhas [sic!!!] dos negros, que destruiu em quilombos, sem mais prêmio que a honra de ser ocupado no real serviço [...]." Está na Nobiliarchia Paulistana (⁴), em referência a Bartolomeu Bueno do Prado. A intenção era, evidentemente, elogiar.

(1) O escrivão de Sua Majestade talvez quisesse dizer "quilombolas".
(2) Referência às Câmaras Municipais.
(3) Cf. SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1868, pp. 70 e 71.
(4) Escrita no Século XVIII por Pedro Taques de Almeida Paes Leme.


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