terça-feira, 13 de novembro de 2018

Leilão de escravos

Quando alguém queria comprar um ou mais escravos, podia ir ao estabelecimento de um vendedor de "escravos novos", ou seja, de escravizados que haviam chegado recentemente da África e iriam para as mãos de seu primeiro "senhor" em solo brasileiro. Era também possível comprar cativos de um particular que planejava vender alguns dos que tinha. Havia, ainda, a opção de comprar escravos em um leilão. Dentre outras razões, escravos eram leiloados quando se tratava de converter em dinheiro (para partilha entre herdeiros ou satisfação de dívidas) os bens deixados por alguém que havia morrido. Escravos eram seres humanos como nós, tinham sentimentos como vocês e eu temos. Não obstante, eram comprados, vendidos, leiloados. Pensem nisso, leitores.
Vamos adiante. Para que vocês tenham uma ideia de como funcionava um leilão de escravos, vejam estes anúncios publicados em jornal, ambos no ano de 1852:

"Pelo Juízo de Órfãos e cartório do escrivão Castro se faz público que acham-se em praça duas escravas de nomes Francisca e Catarina, pertencentes à herança do finado José Justiniano Vieira Falcão; hão de as mesmas se arrematarem na casa da polícia no dia 10 do corrente às 10 horas da manhã, cujas avaliações acham-se no cartório do dito escrivão, e as escravas em poder de Tomás Luís Álvares, testamenteiro do dito finado." (¹)

"Por ordem do Ilustríssimo Sr. Dr. José Antônio Vaz de Carvalhaes, juiz de órfãos desta cidade e seu termo, se faz público que no dia vinte e oito do corrente, nas casas de audiência deste Juízo, ao meio-dia se arrematarão os escravos Generosa e seu filho, pertencentes à herança da finada Esméria Maria, da Freguesia da Penha, e a escrava Felicidade, de 16 anos de idade, pertencente a dois herdeiros do finado Joaquim Nunes Ribeiro, da Freguesia de Itapecerica. São Paulo, 12 de agosto de 1852. - O escrivão, Manoel José Simões Guimarães." (²)

Percebam que, como regra, não era dada a mais ínfima relevância à opinião dos escravos quanto à mudança de senhor. Talvez pareça que os cativos, em razão dos contínuos maus-tratos a que eram submetidos, aceitassem passivamente a mudança de "dono". Mas nem sempre era assim. Sabemos de um incidente, por registro do pintor francês Auguste François Biard, ocorrido no Rio de Janeiro em 1858. Com ele, a palavra:
"Durante minha permanência no Rio venderam-se sete escravos que pertenciam a um senhor de bom coração; esses pobres diabos [sic], habituados a ser tratados com doçura, não se conformavam com a ideia de irem cair a outras mãos e, nesse propósito, revoltaram-se, entrincheiraram-se. Ofereceram desesperada resistência a uns sessenta soldados e muitos deles só foram dominados depois de gravemente feridos. Levaram-nos então para a Correção. [...]." (³)
Sendo pintor, Biard fez um esboço de um leilão de escravos que presenciou, também no Rio de Janeiro. Convertido em desenho por E. Riou, esse esboço foi publicado na edição francesa de 1862 de Deux Années au Brésil, e vocês podem vê-lo logo abaixo:

Leilão de escravos (⁴)

Não deixem de observar, leitores, que, em posição dominante no cenário, o leiloeiro é retratado com seu emblemático martelinho, enquanto à volta, em meio a uma variedade de objetos, um potencial comprador, sem muita cerimônia, examina os dentes de uma escrava. Como se sabe, esse mesmo procedimento era usual, na época, entre os compradores de animais de carga.

(1) AURORA PAULISTANA, Ano I, nº 57, 3 de julho de 1852, p. 4.
(2) AURORA PAULISTANA, Ano I, nº 68, 21 de agosto de 1852, p. 4.
(3) BIARD, Auguste François. Dois Anos no Brasil. Brasília: Ed. Senado Federal, 2004, p. 48.
(4) BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 94.


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