quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Infanticídios na Roma Antiga

Um indicativo do grau de civilização de um povo é o modo como trata aqueles, dentre a população, que são mais frágeis ou têm alguma deficiência, de modo a prestar-lhes a assistência necessária, oferecendo oportunidades de educação e desenvolvimento pessoal. Mas saibam, leitores, que nem sempre foi assim. 
Façamos um breve passeio pela Antiguidade greco-romana, mas antes, preparem os nervos. Em Esparta, todos sabem, um bebê, tão logo nascia, era apresentado pelo pai à Gerúsia (¹). Se fosse julgado saudável, ficava com os pais, que deveriam cuidar dele até que tivesse sete anos.  A partir dessa idade, toda criança era entregue aos cuidados do Estado, que lhe ministrava uma educação verdadeiramente espartana (e não vai aqui qualquer redundância). Contudo, se o bebê fosse frágil ou apresentasse alguma deficiência, deveria ser imediatamente jogado no abismo de Taigeto. 
Busto de menino romano desconhecido (⁴)
Isso assusta? Passemos a Roma. A Lei das Doze Tábuas (²) era peremptória: "Um bebê severamente deformado deve ser morto de imediato". Notem, meus leitores, que, neste caso, não havia crime em tirar a vida de uma criança - conservar vivo um bebê reputado pouco saudável é que seria desobediência à lei romana. E, se isso parece coisa de tempos incultos, vamos ao Século I, quando Sêneca, filósofo estoico e um dos sujeitos mais instruídos de seu tempo (³), escreveu, justificando o proceder de seus concidadãos: "Matamos cães raivosos e touros que não conseguimos domar, degolamos ovelhas doentes para que sua enfermidade não se espalhe por todo o rebanho, asfixiamos recém-nascidos deformados e afogamos crianças fracas e defeituosas, não por ira, mas racionalmente, para apartar o que pode trazer doença àquilo que é saudável" (⁵). Percebam, leitores, que, nesta passagem, Sêneca teve ainda o cuidado (não intencional) de revelar, para o futuro, a informação relativa aos métodos de infanticídio que eram usuais em seus dias. Tudo racionalmente, como ele mesmo frisou.
É de congelar o sangue. Pergunto, apenas, como é que cronologicamente tão perto de nós, ideias semelhantes ainda encontraram terreno fértil para germinar. Digo isso, porém, sem a mínima convicção de que ideologias análogas tenham desaparecido por completo.

(1) Um conselho composto pelos dois reis e por vinte e oito anciãos cujo mandato era vitalício.
(2) Foram escritas em 450 a.C.; antes disso, as leis de Roma eram conservadas em segredo pelos pontífices (!!!), resultando, portanto, em inúmeros abusos dos patrícios contra os plebeus. As leis originais se perderam, de modo que apenas se sabe delas aquilo que foi citado em obras literárias da Antiguidade.
(3) Nunca é demais lembrar que foi professor de Nero.
(4) HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 235. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(5) De ira. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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