quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Nero e o estoicismo ensinado por Sêneca

O estoicismo não começou em Roma - nasceu na Grécia, como muitas outras correntes de pensamento da Antiguidade. Foi no terceiro século antes de Cristo que Zenon começou a formular as bases do estoicismo, o qual, ganhando corpo nos centênios imediatos, chegaria a seu pleno desenvolvimento no Império Romano. 
Foi em Roma que ensinou um dos mais renomados filósofos estoicos, Lúcio Aneu Sêneca. Nascido na Espanha, esse escritor e pensador, ao longo de uma vida repleta de agitações, desenvolveu uma obra tão extensa quanto diversificada, da qual é parte De clementia, dirigida a seu mais famoso discípulo, Nero, então um adolescente de dezoito anos, mas já imperador. Nela, entre muitas observações (e adulações), explicava que o verdadeiro estoico lidaria, impassível, com as diferentes situações da vida, inclusive ao praticar ações nobres, ou seja, atos de autêntica clemência (¹):
"Sem chorar, enxugará lágrimas de outros, socorrerá ao que naufragou, acolherá o desterrado e dará esmola ao necessitado [...], fará com que o filho seja devolvido à mãe que pranteia, libertará o escravo, tirará o gladiador da arena e chegará a sepultar o criminoso executado, mas fará tais coisas sem qualquer alteração na fisionomia e com espírito sereno." (²)
Para quem vive no mundo ocidental em nosso tempo, essa obsessão pelo controle das emoções pode até ter o aspecto de indiferença, mas não devemos esquecer que os valores de hoje são muito diversos, e - negue quem quiser - influenciados por dois milênios de cristianismo (³). Em outra de suas obras, Sêneca teve o cuidado de justificar seu pensamento:
"Se coubesse ao sábio irritar-se contra todas as práticas vergonhosas, mostrar tristeza por toda maldade cometida, seria a sabedoria a mais infeliz condição, e a vida do sábio consistiria em ira e tristeza." (⁴)
Ainda que tudo isso pareça muito estranho, o fato, leitores, é que ninguém foi ou é obrigado a ser estoico ou a estar de acordo com as ideias de Sêneca, e nem mesmo seu imperial discípulo parece ter sido um exemplo notável de estoicismo prático. Pior para Sêneca, como se sabe.

(1) Fugindo das fraquezas que acometiam as pessoas comuns, que acabavam por ter um envolvimento emocional com o sofrimento alheio. Em De ira, Sêneca afirmou: "Não há emoção violenta que não provoque alteração na fisionomia."
(2) Todas as citações de obras de Sêneca mencionadas nesta postagem foram traduzidas por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(3) Quanto à ética, o cristianismo, antes de qualquer outra coisa, se distingue do estoicismo por um fator: a motivação implícita.
(4) De ira.


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4 comentários:

  1. O estoicismo tem muito de bem intencionado, partindo do princípio de que as pessoas se podem regenerar perante um conceito, uma ideia... Ajuda, sem dúvida, mas com o ser humano a coisa configura-se duma forma muito peculiar: é sempre necessário recapitular, voltar à origem das coisas, caso contrário tudo se esfuma. Por mais que se exalte, o ser humano é limitado por natureza.

    Um abraço, Marta :)

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    1. Estou de acordo, não faço parte dos que acham que o potencial humano é ilimitado. Justamente por não ser é que mais se faz necessário educar do melhor modo possível, para que as capacidades existentes sejam desenvolvidas ao máximo.

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  2. Coitado do Séneca, não conseguiu converter o seu célebre aluno. Mas enfim, fica para a história a sua prolífera obra. Concordo com ele num ponto, o sábio que conhece e reflecte sobre a condição humana, tem tudo para ser o homem/mulher mais deprimido/a do mundo...
    Beijinho Marta

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