sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Armas indígenas

As armas mais comuns dos povos indígenas - arcos, flechas, lanças de madeira, tacapes, pequenos machados de pedra - são bem conhecidas e, de fato, podiam ser encontradas, à época da chegada dos colonizadores europeus, entre a maioria dos nativos habitantes do litoral.
No entanto, cada grupo indígena tinha suas particularidades e técnicas específicas para a confecção de armas, fosse na escolha do material, no método de preparo ou mesmo na decoração que identificava a tribo.
Os goitacás arriscavam a pele à busca de tubarões. Motivo? Obter dentes, que usavam como ponta para flechas, segundo escreveu Gabriel Soares, na segunda metade do Século XVI:
"Costumavam estes bárbaros, por não terem outro remédio, andarem no mar nadando, esperando os tubarões com um pau muito agudo na mão, e em remetendo o tubarão a eles, lhe davam com o pau, que lhe metiam pela garganta com tanta força que o afogavam e matavam, e o traziam a terra, não para o comerem, para o que se não punham em tamanho perigo, senão para lhe tirar os dentes, para os engastarem nas pontas das flechas." (¹)
Já os ubirajaras, ainda de acordo com Gabriel Soares, usavam uma arma que lhes era específica, bem diversa das de outros povos:
"A peleja dos ubirajaras é a mais notável do mundo [...], porque a fazem com uns paus tostados muito agudos, de comprimento de três palmos, pouco mais ou menos cada um, e são agudos de ambas as pontas, com os quais atiram a seus contrários como com punhais; e são tão certos com eles que não erram tiro, com o que têm grande chegada, e desta maneira matam também a caça, que [...] não lhes escapa, os quais com estas armas se defendem de seus contrários tão valorosamente como seus vizinhos com arcos e flechas [...]. (²)
Para dar acabamento ao trabalho, muitos índios usavam um recurso semelhante, no efeito, a uma lixa, mas obtido de um vegetal muito comum no litoral brasileiro, a embaúba:
"Embaúba é uma árvore comprida e delgada, que faz uma copa em cima de pouca rama; a folha é como de figueira, mas tão áspera que os índios cepilham com elas os seus arcos e hastes de dardos, com o que se põe a madeira melhor que com a pele de lixa." (³)

Índios bororenos indo à guerra, de acordo com Debret (⁴)

Estas descrições, como já disse, são do Século XVI. Como elas, há muitas outras. Boas imagens, porém, só as há do Século XIX, quando muitas tribos que originalmente habitavam o litoral já haviam desaparecido. Assim, o que se conhece é apenas uma parte do rico patrimônio original de técnicas, tanto para confecção de armas como de outros artefatos indígenas de uso diário.

Índios puris lutando (⁵)

(1) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Laemmert, 1851, p. 78.
(2) Ibid., p. 348.
(3) Ibid., pp. 196 e 197.
(4) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 1. 
Paris: Firmin Didot Frères, 1834. O original pertence à BNDigital. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(5) DENIS, Ferdinand. Brésil. Paris: Firmin Didot Frères, 1837. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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6 comentários:

  1. Fez-me recordar as lições de História, no curso primário, com muito mais detalhes, claro, sobre as feituras das armas. Essa busca de dentes de tubarão deve ter sido mais no litoral pernambucano: até hoje, os tubarões estão por lá...rsrs..
    Adorei saber da utilidade da Embaúba...Nossos índios eram bem criativos, nos seus inventos úteis, pois não?
    Sempre aprendendo muito, por aqui...Seu blog deveria ser obrigatório, nas escolas brasileiras!

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    1. Não tenho a menor dúvida quanto à criatividade dos povos indígenas, além de sua adaptação ao ambiente em que viviam. Só resta lamentar a quantidade de informações úteis quanto ao uso de recursos da natureza que foram perdidas em decorrência da extinção de muitos desses povos.
      Sim, havia até uma música que era cantada nas escolas para ensinar sobre os índios e seu modo de vida; evidentemente, era um pouco reducionista, já que contemplava apenas coisas relacionadas à cultura dos indígenas do litoral. Estou tentando lembrar a letra... Acho que terei de perguntar a uma sobrinha, se é que as crianças ainda cantam alguma coisa assim :-))))

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  2. Muito interessante a utilização de dentes de tubarão e se eram os goitacazes que o faziam haveria tubarões no litoral do RJ?

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    1. Os goitacás (ou goitacazes), assim como outros grupos indígenas, eram seminômades, o que significa que migravam periodicamente, dentro de um território restrito. Neste caso específico, o território incluía os atuais Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e, portanto, nesse tempo os tubarões não deveriam ser incomuns em águas litorâneas da região.
      É bom lembrar que o litoral brasileiro já foi muito mais povoado de seres vivos do que é hoje. Basta lembrar o caso das baleias, que eram caçadas sem trégua: a gordura era empregada na iluminação das residências coloniais, enquanto a carne era oferecida como alimentação para os escravos. Nem é preciso dizer que as baleias, tão frequentes no passado, hoje já não são comuns. Lamentável, não?

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  3. Respostas
    1. Haha, não deixa de ser engraçado. Entretanto, Unknown, é preciso lembrar que Gabriel Soares, que "afogou" o tubarão, não era um cientista, era senhor de engenho. Mesmo que fosse um cientista, no Século XVI os conhecimentos de zoologia estavam longe dos que temos hoje. Acho, porém, que, ao dizer que afogavam os tubarões, queria afirmar simplesmente que impediam qualquer defesa da parte deles.

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