segunda-feira, 18 de março de 2024

Diamantes ou pedras de construção?

Quem tem mais valor: diamantes ou pedras para construção?
Pedras usadas em construções devem ser fortes, resistentes, não devem se desfazer facilmente. Será ótimo, também, se forem de baixo custo. Diamantes - ninguém pensaria em usá-los na construção civil ou em fortificações, nem têm eles dimensões para isso - são caríssimos. Ninguém dá muita importância à notícia da descoberta de um local de onde podem ser extraídas pedras para construção. Quanto aos diamantes, uma nova jazida que se encontra pode resultar em falatório por muito tempo.
Filipe Patroni, autor do Século XIX, tomou o partido das pedras de cantaria, ao falar de uma antiga lavra de diamantes que fora abandonada:
"O rio das Mucaúbas [sic] é também adamantino, e a administração nacional do Tejuco [sic] ali teve noutros tempos um serviço de diamantes; não dando porém grandes vantagens, foi abandonado e entregue aos cuidados de quem quisesse ter o enfadonho trabalho de procurar aquelas pedrinhas, cuja utilidade é, sem contestação alguma, menor do que a de um lajedo ou pedra de cantaria, que serve para fazer casas e cômodas habitações [...], enquanto que o diamante serve só para luzir aos olhos de quem o enxerga, e não dá por conseguinte utilidade a quem é cego. [...]" (*)  
Patroni talvez estivesse errado. Diamantes têm, para muita gente, um encanto quase místico. Imagina-se que quem os pode usar em joias ganha em beleza. Talvez por isso, são muito lucrativos. Ninguém andaria à cata dessas pedrinhas brilhantes se não fosse pelo retorno que oferecem. Nisso reside toda a questão. 

(*) PARENTE, Filipe Alberto Patroni Martins Maciel. A Viagem de Patroni Pelas Províncias Brasileiras 2ª ed. Lisboa: Typ. Lisbonense, 1851, p. 31.


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sexta-feira, 15 de março de 2024

Prodígios antes da morte de Júlio César

Busto de Júlio César em mármore (*)
Para os antigos romanos, não poderia haver um grande acontecimento - fosse bom ou mau - sem ser precedido por um ou mais prodígios, eventos "fora da curva", contra o curso da natureza ou que evidenciassem aviso dos deuses. 
De acordo com Suetônio em De vita Caesarum, Livro I, estes prodígios e presságios precederam o assassinato de Júlio César em 15 de março de 44 a.C.:
  • Em Cápua, um grupo de colonos que removia um cemitério muito antigo para, em seu lugar, construir casas, teria encontrado uma placa de bronze, na qual se lia, em grego, que, ao ser aberta aquela sepultura, um membro da família Júlia seria morto por seus concidadãos, e que, após sua morte, haveria uma série de infortúnios em toda a península itálica;
  • Dias antes de sua morte, os cavalos que César havia consagrado ao Rubicão, por ocasião de sua travessia, subitamente teriam parado de comer e começado a chorar;
  • Um arúspice teria avisado César, por ocasião de um sacrifício, que se guardasse de grave perigo nos idos de março;
  • Um bando de aves, perseguindo um pássaro que levava um ramo de louro, alcançou-o e o fez em pedaços;
  • Na véspera de seu assassinato, o próprio César teria visto, em sonho, que voava entre nuvens e tocava a mão direita do deus Júpiter;
  • Enquanto isso, Calpúrnia, mulher de César, também sonhava, e, em seu sonho, via cair o teto da casa em que estava, enquanto segurava, em seus braços, o corpo do marido assassinado;
  • Finalmente, como se tantos sonhos agitados fossem pouca coisa, afirmou-se que, de súbito, as portas do quarto em que Calpúrnia dormia teriam sido abertas sem intervenção humana.
Era um exagero de prodígios para a mentalidade romana. César, talvez tentando dar a todos uma demonstração de racionalidade, ignorou os supostos avisos, e foi ao encontro dos senadores que o aguardavam. Não voltaria vivo para casa. 

(*) HEKLER, Anton. Die Bildniskunst der Griechen und Römer. Stuttgart: Julius Hoffmann, 1912, p. 158. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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quarta-feira, 13 de março de 2024

Como o professor particular deveria ser recebido na casa de um aluno

Foi comum, até bem adiantado o Século XIX, que pais com recursos suficientes tivessem professores particulares para os filhos, não apenas para aulas de música, mas para a instrução regular. Nem sempre havia escolas adequadas por perto, existindo, também, quem preferisse ver o filho recebendo aulas dentro de casa. Um livrinho interessante, escrito pela professora Guilhermina de Azambuja Neves, com o título de Entretenimentos Sobre os Deveres de Civilidade, sugeria o modo como um aluno deveria receber seu professor particular para a lição do dia:
"Suponhamos que o mestre toma o trabalho de ir à casa do discípulo para lhe dar as lições. Não se deve jamais fazê-lo esperar, nem esquecer de ter tudo à mão: os livros, o papel, o tinteiro (¹) sobre a mesa e junto desta a cadeira.
Chegando o mestre, deve o menino levantar-se, tomar-lhe o chapéu, o guarda-chuva ou a bengala (²) e convidá-lo a sentar-se.
Começando a lição, será ela ouvida com atenção, e bem assim os conselhos que o mestre der sobre o modo de estudar ou de proceder." (³) 
Iam além as instruções da professora Guilhermina, especificando o modo correto de responder quando o professor ou professora fizesse alguma pergunta:
"O tratamento que se lhe deve dar será o de Sr. Professor; e nas respostas afirmativas ou negativas dir-se-á: sim, senhor, não, senhor; ou se for mestra: sim, senhora, não, senhora." (⁴) 
Quando, finalmente, a aula era concluída, havia um modo correto de agir ao despedir-se o aluno do professor:
"Terminada a lição deve o discípulo agradecer-lhe o trabalho e o interesse que toma por seu progresso nos estudos, entregar-lhe o chapéu, o guarda-chuva ou a bengala, e acompanhá-lo até a escada ou a porta, cumprimentando-o com respeito." (⁵)
Sim, coisas do Século XIX... E qual era a solução do dito século para os meninos que não se mostravam tão polidos e estudiosos? Não é difícil imaginar, e olhem leitores, que mesmo no século seguinte o remédio seria idêntico. Voltemos à professora Guilhermina e seus meigos conselhos:
"Este procedimento é tão bonito, como censurável o do menino Simeão, que nunca sabe as lições, e durante a explicação do mestre ocupa-se em ver passar quem vai pela rua.
Teimoso, vadio e mal-educado, nada sabe, nada aprende e é por isso que os vizinhos o chamam de madraço (⁶).
Sabes qual foi o resultado de tudo isso?
Seus pais resolveram metê-lo de pensionista (⁷) em um colégio, com a recomendação de usarem para com ele de todo o rigor e severidade." (⁸) 
Não é de hoje, portanto, que há quem prefira terceirizar a educação dos filhos, ainda que os métodos, em nosso tempo, tenham mudado. 

(1) Vê-se, nessas palavras, qual era o material escolar mais comum no Século XIX.
(2) Objetos de uso pessoal comuns para homens no Século XIX.
(3) NEVES, Guilhermina de Azambuja. Entretenimentos Sobre os Deveres de Civilidade, 2ª ed. Rio de Janeiro: 1875, pp. 37 e 38.
(4) Ibid., p. 38.
(5) Ibid., p. 39.
(6) "Madraço" significa preguiçoso.
(7) Ou seja, mandaram-no para um internato.
(8) NEVES, Guilhermina de Azambuja. Op. cit., pp. 39 e 40. 


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segunda-feira, 11 de março de 2024

Dote de casamento em cabeças de gado

No passado, em muitos lugares, o pretendente a noivo pagava um dote de casamento ao pai da pretendida noiva. No Brasil Colonial, e mesmo no Império, era a noiva que devia ter um dote para poder se casar. Por conta disso, muitas moças que não tinham dote ficavam sem casamento, enquanto havia homens esperando que uma noiva com dote vantajoso aparecesse no caminho, para, como se dizia, "arrumarem a vida". 
Antes que leitores e leitoras comecem a lamentar as injustiças da sociedade (talvez por razões diferentes), temos aqui um caso interessante, ocorrido em São Paulo nos tempos coloniais, quando quase não havia moeda em circulação -  a família da noiva pagou o dote para o casamento em cabeças de gado. Está na Nobiliarchia Paulistana, escrita no Século XVIII por Pedro Taques de Almeida Paes Leme, com o aborrecido estilo próprio das (longas) genealogias dos que se supunham nobres:
"João Pires (filho de Salvador Pires [...]) foi nobre cidadão de S. Paulo, e teve grande voto nas assembleias do governo político, como pessoa de muita autoridade, respeito e veneração. Foi abundante em cabedais com estabelecimento de uma grandiosa fazenda de terras de cultura [...], que lhe foi concedida de sesmaria em 1610 com o seu sertão para a serra de Juqueri. Teve grande cópia de gados vacuns, cavalares e de ovelhas, de sorte que, dotando a nove filhas [...], cada uma levou duzentas cabeças de gado vacum, ovelhas e cavalgaduras. [...]"
Portanto, todo o conjunto pago como dote pelo casamento das nove filhas resultou em mil e oitocentos animais. Nada mal para a época em que isto aconteceu, no Século XVII. Deve ter sido um espetáculo público ver a procissão conduzindo a bicharada para as terras do noivo, a cada novo casamento que se realizava.


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sexta-feira, 8 de março de 2024

Roupas e acessórios masculinos que eram moda na época da chegada da família real ao Brasil

Primeiras semanas de 1808. Estando perto os navios que traziam a família real, além de uma pequena multidão que incluía gente da nobreza, funcionários públicos e mesmo alguns que não eram nem uma coisa e nem outra, mas que haviam conseguido embarcar, a cidade do Rio de Janeiro pôs-se agitada. 
Toda pessoa que tinha alguns recursos e que pretendia ir às ruas para ver a passagem do cortejo real tratou de arranjar roupa que julgava adequada.  Ninguém queria fazer má figura diante da nobreza que aportava. Nas palavras de José Vieira Fazenda, "as meias de seda, os sapatos rasos de fivela de ouro e prata, as cabeleiras de rabicho ou de bolsa, os espadins, os coletes de cetim bordados a matiz e os chapéus armados subiram de preço" (*). 
O desembarque de D. João, então príncipe regente, aconteceu em 8 de março de 1808. Poderíamos falar em uma corrida às lojas nos dias que o antecederam? Seguindo a índole do comércio nesses tempos já distantes (e não só neles), os preços elevaram-se bastante. Não há razão para crer que, após o desembarque, os preços baixassem, uma vez que os que chegavam também iam às lojas à procura dos artigos a que estavam habituados.
O comércio do Rio de Janeiro era, então, modesto. Mas ganhou força com a chegada da corte, que atraiu comerciantes ingleses e franceses, estes últimos, geralmente dedicados ao vestuário de luxo e outros artigos de moda. Quem, nesse momento, poderia prever quão longe iriam as mudanças que apenas começavam a acontecer?

(*) FAZENDA, José Vieira, Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, p. 40. 


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quarta-feira, 6 de março de 2024

Óleo de baleia para reforçar construções

As baleias já foram muito numerosas ao longo do litoral brasileiro. Apareciam em belo espetáculo, muitas vezes acompanhadas de filhotes, mas nada disso despertava a ternura dos colonizadores. As baleias foram, portanto, impiedosamente caçadas. Não se queria a carne, ainda que fosse dada aos escravos. O que se esperava era obter delas a gordura, chamada também de óleo ou azeite de baleia, usado na iluminação pública e das residências.
A vaidade era outra fonte de assassinato das pobres criaturas. Eu disse vaidade? Talvez devesse dizer tortura. As barbatanas eram empregadas na confecção de espartilhos, aqueles instrumentos deprimentes que mulheres usavam para dar ao corpo um contorno supostamente mais favorável.  
Alguém, contudo, descobriu que as borras de azeite de baleia - entenda-se, sobras de azeite de baleia - podiam ter alguma utilidade. Em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, José Vieira Fazenda afirmou:
"É sabido: os antigos construtores serviam-se dessa borra [...] ligada à cal do reino para as edificações, e é por isso que nas demolições de antigos edifícios é preciso muitas vezes empregar a dinamite (¹). Um rico contratador ofereceu ao vice-rei, marquês de Lavradio, os resíduos do azeite para as obras da Casa do Trem em vez de lançá-los fora da barra (²). Deram as experiências bom resultado e o marquês recomendou à munificência régia esse benemérito [...]." (³)
Em Paraty, há algum tempo, um morador da cidade mostrou-me um muro e assegurou-me que, mesmo restaurado, ainda tem uma parte original, feita com pedra e massa na qual se incluíra o óleo de baleia, evidência de que essa prática teve certa amplitude nos tempos coloniais. 

Muro em Paraty, que se afirma ter sido originalmente construído
com adição de óleo de baleia 

(1) Segundo o autor citado, que seja entendido. 
(2) Certas preocupações ambientais que hoje povoam nossa cabeça não eram exatamente uma prioridade no Século XVIII, ainda que seja justo reconhecer o mérito de quem tentou achar um uso digno para as sobras do óleo de baleia. Melhor seria que as mamíferas houvessem continuado a viver e procriar sem obstáculos e ameaças nos mares deste planeta. 
(3) FAZENDA, José Vieira. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, p. 439.


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segunda-feira, 4 de março de 2024

Ursa Maior e Órion

Hera, a deusa que, por ciúmes,
teria transformado uma ninfa em ursa (*)
Pastores de ovelhas, na Antiguidade, enquanto guardavam rebanhos ao ar livre em noites de verão, devem ter olhado para o céu e, com elementos da cultura a que pertenciam, ajudaram a criar lendas relacionadas à forma de agrupamentos de estrelas que viam. Dois exemplos: as constelações que conhecemos como Ursa Maior e Órion.


Ursa Maior

Dizia a lenda que Zeus teria se apaixonado (outra vez!) por uma das ninfas de Ártemis; Hera, com os ciúmes de sempre, vingou-se, transformando a ninfa em ursa, que Zeus, condoído, colocou no céu - a constelação da Ursa Maior.

Órion

Há muitas versões para a lenda de Órion. Esta é uma delas: o grande caçador celeste foi picado mortalmente por um escorpião, mas Ártemis, a deusa da caça, colocou-o no céu, onde continua a caçar em companhia de seus dois cães, o Cão Maior e o Cão Menor, também constelações, sempre perseguido pelo escorpião (a constelação de Escorpião). 

(*) BRUNN, Heinrich. Griechische Götterideale. München: Verlagsanstalt für Kunst und Wissenschaft, 1893, p. 7. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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