terça-feira, 23 de março de 2021

Coivara

A queima de um terreno antes do cultivo e a possível degradação do solo


Em poucas palavras, a coivara pode ser descrita como a queima de um terreno com sua vegetação, para facilitar a limpeza antes de um cultivo qualquer. Sem o domínio da metalurgia, grupos nômades ou seminômades que praticavam algum tipo de agricultura temporária - era o caso de vários povos indígenas do Brasil - usavam o fogo como auxílio para limpar uma área que pretendiam cultivar, porque fazê-lo apenas com ferramentas rudimentares, de pedra ou madeira, seria muito difícil, talvez até impossível.
Dos indígenas, tal prática passou aos colonizadores europeus e seus descendentes. Não tinham esses o pretexto da falta de ferramentas, mas continuavam a queimar o terreno que pretendiam cultivar porque, afinal, era mais fácil suprimir um trecho de floresta com o fogo, ainda que daí resultasse, em certo prazo, o empobrecimento do solo, do que usar machados para derrubar árvores e enxadas para remover o mato.
Antonil, que viu a lavoura canavieira e o cultivo do tabaco  no começo do Século XVIII, notou que, reservada a melhor terra possível para a cana-de-açúcar, vinha, a seguir, a prática de atear fogo à vegetação:
"Feita a escolha da melhor terra para a cana, roça-se, queima-se e limpa-se, tirando-lhe tudo o que podia servir de embaraço [...]." (¹)
Não era muito diferente o procedimento quanto ao preparo para cultivo da Nicotiana tabacum:
"[...] Semeia-se esta em canteiros bem-estercados, ou em queimadas feitas no mato, onde há terra conveniente para isso, e aparelhadas no mesmo ano em que se há de semear." (²)
Saint-Hilaire, viajando pelo interior do Brasil pouco antes da Independência, constatou que essa prática ainda prevalecia, em se tratando da produção de tabaco:
"[...] A área que comporta um alqueire de milho pode conter 20.000 pés de fumo. Semeia-se esta planta em agosto, setembro e outubro, em malhadas preparadas e estercadas e transplantam-se as mudas em dezembro e janeiro numa terra antes coberta de mato que se queimou e onde se teve o cuidado de não deixar subsistir ramagem alguma. [...]" (³)
A coivara, ou queima do terreno a ser plantado, incluía-se, portanto, em um conjunto de técnicas agrícolas rudimentares. No passado, depois de alguns anos de cultivo, comunidades nômades ou seminômades abandonavam uma área, que ficava em repouso, possibilitando certo grau de recuperação do solo, Assim, esse método era menos danoso. Não é o que ocorre na atualidade, e é surpreendente que ainda seja empregado, algumas vezes em larga escala.

Queimada de floresta virgem (⁴)

(1) ANTONIL, André João (ANDREONI, Giovanni Antonio). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. Lisboa: Oficina Real Deslandesiana, 1711, p. 38.
(2) Ibid., p. 109.
(3) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 74.
(4) BIARD, François. Deux Années au Brésil. Paris: Hachette, 1862, p. 205. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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2 comentários:

  1. Verdade, ainda é praticado em uma assustadora frequência. Basta olhar o que houve com o Pantanal, só para ficar no caso mais recente... Alguém duvida que foi esse tipo de ação que causou aquelas cenas absurdamente lamentáveis, inacreditáveis de incêndio e morte? Até quando?

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