Indígenas que viviam em reduções jesuíticas na América do Sul eram submetidos a um controle estrito por parte dos padres, com imposição de uma rotina completamente estranha ao modo de vida praticado antes do contato com europeus. Isso se comprova pelas palavras do padre Antonio Ruiz de Montoya, ele próprio um missionário dedicado e defensor dos direitos dos povos nativos. Logo pela manhã, a primeira obrigação era ouvir missa, vindo depois as horas de trabalho: "Ao raiar do dia, em todo o ano, ouvem missa, e saindo da igreja vão ao trabalho, que é muito produtivo com tal preparação religiosa [...]" (¹).
Apenas bebês e aqueles que corriam risco de morte eram batizados prontamente; quanto aos demais, eram aos poucos instruídos no catolicismo, e somente depois de um longo preparo, admitidos à comunhão: "[...] embora o sacramento da confissão seja logo praticado, esperam alguns anos pela comunhão, alguns mais e outros menos [...]" (²), e "os que estão aptos comungam quatro vezes por ano [...], com preparação de sermões e exemplos, jejuns, disciplinas (³) e outras penitências [...]" (⁴).
Quanto ao trabalho diário, indígenas das reduções aprendiam técnicas agrícolas e ofícios mecânicos. No primeiro caso, o treinamento começava, de acordo com Montoya, por volta dos onze anos de idade: "São todos lavradores e cada um tem sua própria roça, e passando de onze anos os meninos têm já seu cultivo, em que se ajudam mutuamente com muita solidariedade; não fazem compra e venda, porque com liberalidade e sem interesse se socorrem em suas necessidades [...], vivem em paz e sem litígios" (⁵). Já nos ofícios mecânicos, em geral completamente novos para os ameríndios, a instrução dos jesuítas era vital: "São muito hábeis em trabalhos mecânicos, e há carpinteiros, ferreiros, alfaiates, tecelões e sapateiros muito bons entre eles, e se bem que nada disso soubessem, o ensino dos padres tornou-os mestres, e não pouco, no cultivo fácil da terra com arado [...]" (⁶).
Sabe-se que os missionários que conduziam as reduções faziam os maiores sacrifícios e estavam dispostos, se preciso, a morrer pelos indígenas sob sua supervisão. Não obstante, algumas críticas têm sido feitas, sob os seguintes argumentos, que deixo a quem lê o direito de avaliar como quiser:
- Embora indígenas fossem escolhidos para funções de liderança dentro das reduções, a autoridade máxima competia aos padres, não aos caciques, limitando, portanto, a liberdade mesmo em questões civis;
- Indígenas aprendiam com os padres habilidades que não eram, como regra, parte de sua cultura de origem. Disso resultou um problema inesperado, porque aprisionadores de indígenas para escravização passaram a rondar e a atacar as reduções com intenção de capturar índios instruídos em ofícios, porquanto uma vez escravizados, eram considerados mais úteis pelo conhecimento que tinham e/ou mais valiosos para venda.
- Chegou-se mesmo a dizer, sem comprovação efetiva, que jesuítas tinham a intenção de estabelecer um Estado independente na América do Sul, tal o controle que exerciam e o grau de isolamento em que mantinham a população indígena sob sua autoridade. Essa ideia, no entanto, deve ser creditada, ao menos em parte, à argumentação usada para justificar a expulsão dos jesuítas e posterior supressão da Companhia de Jesus.
(1) MONTOYA, Antonio Ruiz de S.J. Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639. Este e todos os demais trechos citados nesta postagem foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(2) Ibid.
(3) A prática da autoflagelação era comum em ocasiões como a Semana Santa.
(4) MONTOYA, Antonio Ruiz de S.J. Op. cit.
(5) Ibid.
(6) Ibid.
Veja também:
Em nome da verdade, se comete a alarvidade.
ResponderExcluirQue mal fizeram os naturais para que tal pedregulho lhes caísse em cima? Segundo a nomenclatura dos novos tempos, foram meras vítimas dos efeitos colaterais. Da ambição alheia, note-se.
Um bom final de semana, Marta :)
Não há como negar que o modo de vida em uma redução era diferente daquele que tinham os povos indígenas antes da chegada de colonizadores. Por outro lado, é também verdade que os padres missionários foram dos poucos que se dispuseram à defesa dos nativos. Alguns chegaram ao extremo de morrer pelos catecúmenos. Não tenho dúvida de que acreditavam no que faziam, embora possa questionar os métodos adotados. Coisas da época...
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