domingo, 31 de outubro de 2010

A Política do Café com Leite, conforme não aprendemos na escola

Apesar da vegetação, pode-se
ver a placa que indica o local do
Pacto de Ouro Fino
Para honrar esse dia de eleições presidenciais do segundo turno, resolvi escrever sobre a chamada "política do café com leite". Na escola todo mundo aprende que essa tal política foi resultado de um acordo entre políticos do Estado de São Paulo e de Minas Gerais, para que a presidência da República fosse ocupada, alternadamente, por candidatos dos dois Estados. Esse acordo, obviamente informal - ninguém colocaria uma coisa dessas no papel e mandaria registrar em cartório, cuidando para assegurar a publicação nos principais jornais do País - foi celebrado em 1913, na cidade mineira de Ouro Fino, daí ter ficado conhecido como "Pacto de Ouro Fino". Aprende-se também, quase sempre, que o "café com leite" chegou ao fim porque Washington Luís, o "paulista falsificado" , de acordo com a música de Eduardo Souto, rompeu o acordo feito com os mineiros, ao indicar Júlio Prestes, paulista de Itapetininga, como seu candidato à sucessão.
Acontece, leitor, que se analisarmos a lista de presidentes desde a proclamação da República, em 1889, até 1930, veremos que as coisas não são tão simples quanto parecem, ou pelo menos, não aconteceram exatamente como nos ensinaram. Observe:

Deodoro da Fonseca, alagoano, era militar de carreira;
Floriano Peixoto, também alagoano e militar de carreira;
Prudente de Morais , paulista de Itu, formado na turma de 1863 da Faculdade de Direito de São Paulo;
Campos Sales, paulista de Campinas, também da turma de 1863 da Faculdade de Direito de São Paulo;
Rodrigues Alves, paulista de Guaratinguetá, formou-se em Direito em São Paulo, na turma de 1870;
Afonso Pena, mineiro de Santa Bárbara, formou-se em Direito em São Paulo na turma de 1870;
Nilo Peçanha, nascido em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, concluiu o bacharelado em Direito na Faculdade de Direito do Recife;
Hermes da Fonseca, nascido em São Gabriel, Rio Grande do Sul, era sobrinho do Marechal Deodoro da Fonseca e, como ele, militar de carreira;
Wenceslau Braz, mineiro de Brazópolis, formou-se em Direito em São Paulo na turma de 1890, tendo sido presidente da República de 1914 a 1918, portanto o primeiro do "café com leite";
Rodrigues Alves, como já foi dito era paulista e, eleito presidente, morreu antes de assumir novamente a presidência;
Delfim Moreira, mineiro de Cristina, bacharelou-se em Direito em São Paulo na turma de 1890, sendo presidente de 1918 a 1919, já que era vice na chapa de Rodrigues Alves;
Epitácio Pessoa, paraibano de Umbuzeiro, formou-se em Direito em Recife na turma de 1886, sendo presidente de 1919 a 1922 (apoiado pelos políticos mineiros, foi uma rusga no "café com leite");
Artur Bernardes, mineiro de Viçosa, formou-se pela Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, sendo presidente de 1922 a 1926;
Washington Luís, nascido em Macaé, Rio de Janeiro, era, na política, considerado "paulista", tendo concluído o bacharelado em Direito em São Paulo na turma de  1891. Antes de ocupar a presidência da República foi prefeito da cidade de São Paulo e Governador do Estado de São Paulo. Presidente de 1926 a 1930, foi deposto pelo golpe conhecido como "Revolução de 30".
Júlio Prestes, paulista de Itapetininga, formado em Direito em São Paulo na turma de  1906, não chegou a assumir a presidência.

Constatamos que, de Prudente de Morais a Washington Luís, onze pessoas diferentes ocuparam a presidência da República. Dessas onze, dez eram civis e apenas um, o Marechal Hermes da Fonseca, era militar. Quanto ao Estado de origem, excetuando o caso "híbrido" de Washington Luís, verificamos que, dos dez presidentes civis, quatro vieram de Minas Gerais, três de São Paulo (aliás consecutivamente), um do Rio de Janeiro, um do Rio Grande do Sul e um da Paraíba. Porém, se analisarmos apenas o período de vigência do Pacto de Ouro Fino, faremos a espantosa constatação de que os presidentes, foram, por ordem, mineiro, mineiro, paraibano, e mineiro. As exceções, se assim podemos chamar, foram o reeleito Rodrigues Alves, que deveria ter assumido o mandato em 1918, mas que morreu, vítima da gripe espanhola, antes de tomar posse, e o já citado caso de Washington Luís, carioca de Macaé, que, no entanto, reconhecidamente fez sua carreira política em São Paulo, tendo sido prefeito e governador, antes de chegar à presidência da República.
Pergunto: onde está o "café com leite", com a suposta alternância de presidentes mineiros e paulistas? Os três únicos verdadeiramente paulistas que chegaram à presidência durante a República Velha (e não só) foram justamente os três primeiros civis, o que se explica facilmente pela relevância política do PRP (Partido Republicano Paulista), criado em 1873, primeiro e decisivo impulsionador do movimento republicano no País, e pela preponderância econômica que São Paulo exercia na época em decorrência de ser o grande centro produtor e exportador de café, produto do qual, em última instância, dependia a economia brasileira quase exclusivamente.
Casa em que foi celebrado o Pacto de Ouro Fino,
dando origem à chamada "política do café com leite"
O que mais dizer? Se o "café com leite" nunca se consumou, o que haveria, ao menos, em comum, em relação a todos esses presidentes? Primeiro, eram todos do sexo masculino (você notou, leitor?)  e além disso, excetuando-se os militares, eram todos formados em Direito. Verifica-se que, sendo todos advogados de profissão, sete obtiveram o Bacharelado em Direito em São Paulo, dois na Faculdade de Direito de Recife e um na Faculdade Livre de Minas Gerais. Por isso, se há alguma coisa que pode, nesse sentido, ser decisiva, é o fato de que a maioria dos presidentes estudou em São Paulo, na mesma instituição, o que talvez assinale uma tradição de pensamento e ação no campo da política. Os fatos, leitor, demonstram que qualquer outra coisa que nos tenham ensinado não passa de mistificação, e não História. Mas esse é apenas um, dentre muitos outros tópicos, sobre os quais se ensina o que nunca aconteceu.


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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Profundas reflexões sobre praias e banhos de mar

"Olhou a manhã, que estava de uma transparência admirável. A chuva da véspera limpara a atmosfera; corria fresco. Os bondes passavam cheios de empregados públicos; viam-se amas de leite acompanhando os bebês; senhoras que voltavam do banho de mar, o cabelo solto, uma toalha ao ombro."
Aluísio Azevedo, Casa de Pensão

Essas tardes mornas de primavera parecem prenunciar um verão digno das melhores praias do Brasil - como não? Mas, enquanto o verão e as férias não comparecem, daremos uma olhadela no modo pelo qual as gentes de um passado não tão remoto apreciavam os encantos do litoral.
Comecemos por um interessantíssimo trecho de Machado de Assis, no conto A Chave (1880), no qual iremos ao encontro da jovem Marcelina, descrita como muito bela e, além disso, ótima nadadora, na manhã do dia 7 de outubro de 1861. Acompanha-me na leitura?
"Lá está ela, à porta da barraca com as mãos cruzadas no peito, como quem tem frio; traja a roupa usual das banhistas, roupa que só dá elegância a quem já a tiver em subido grau. É o nosso caso. Assim, à meia-luz da manhã nascente, não sei se poderíamos vê-la de modo claro. Não; é impossível. Quem lhe examinaria agora aqueles olhos úmidos, como as conchas da praia, aquela boca pequenina, que parece um beijo perpétuo? Vede, porém, o talhe, a curva amorosa das cadeiras, o trecho de perna que aparece entre a barra da calça de flanela e o tornozelo; digo o tornozelo e não o sapato porque Marcelina não calça sapatos de banho. Costume ou vaidade? Pode ser costume; se for vaidade é explicável porque o sapato esconderia e mal os pés mais graciosos de todo o Flamengo, um par de pés finos, esguios, ligeiros. A cabeça também não leva coifa; tem os cabelos atados em parte, em parte trançados, — tudo desleixadamente, mas de um desleixo voluntário e casquilho."
Pode sorrir leitor: os modelitos de praia para moças na segunda metade do século XIX incluíam calça de flanela e sapatos de banho! E não nos esqueçamos da coifa na cabeça... Nem o próprio Machado de Assis (que não conhecia os trajes de banho de nossos dias) achava elegante tal vestuário. Mas não era só. Se continuarmos a ler Machado veremos que as meninas de boa reputação tinham um "acessório" a mais:
"— Onde está o José?
O José apareceu logo; era o moleque que a acompanhava ao mar. Aparecido o José, Marcelina caminhou para o mar, com um desgarro de moça bonita e superior.
[...].
Marcelina era destemida; galgou a linha em que se dava a arrebentação, e surdiu fora muito naturalmente. O moleque, aliás bom nadador, não rematou a façanha com igual placidez; mas galgou também e foi surgir ao lado da sinhá-moça."
Nem é preciso muita explicação: um jovem escravo tinha a obrigação de acompanhar a menina rica para que não corresse risco nas ondas do mar. E eis aí em que consistia ir à praia no século XIX.
Na postagem "Vai de Liteira ou de Automóvel?" tratei da modernização relativamente veloz, ainda que forçada, nos meios de transporte usados no Brasil, durante as primeiras décadas do século XX. Sucede, no entanto, que mudar tecnologias é mais fácil, no fim das contas, que produzir alterações em coisas como vestuário e em outros códigos ligados à conduta socialmente aceita. Falei do comércio de liteiras em 1852 e do de automóveis em 1914, e podemos fazer algo similar em relação aos "trajes de praia", já que lemos esse encantador trechinho de Machado, referindo-se a 1861, e podemos ver, a seguir esta foto, de 1914:


A legenda original, publicada na revista A Cigarra (em edição de 29 de agosto de 1914) dizia: "Instantâneo da praia do Guarujá, à tarde, tirado especialmente para "A Cigarra"". Ao contrário do ocorrido com os meios de transporte, a roupa considerada aceitável para praia não sofreu, em um período quase idêntico, nenhuma alteração significativa. Levaria ainda um bom tempo para que o conceito sobre banhos de mar e "curtir uma praia" começasse a ficar parecido com aquele que temos hoje, o que não significa que os banhistas do passado tivessem menor divertimento. Se alguém está habituado a um estilo de trajar e até acha que seria errado usar outra coisa, dificilmente verá a necessidade de mudança. Todavia, pelo menos no Ocidente, à medida que o capitalismo ganhou proporções efetivamente mundiais, alçando consigo a indústria da moda, antes restrita a poucos lugares e infinitamente mais lenta em sua capacidade de provocar mudanças, é que as pessoas começaram a ver a "necessidade" de alterar seus padrões de vestuário, sentindo-se imensamente incomodadas em usar coisas tão antiquadas, ou seja, da estação passada.
Portanto leitor, tem aqui desde já sua lição de férias: quando estiver descansando tranquilamente ao sol do próximo verão, não se esqueça de fazer uma comparação entre a paisagem diante de si e a foto desta postagem. Profundos conhecimentos históricos irão brotar dessa reflexão, eu lhe asseguro.


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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dos frangos sagrados ao polvo Paul: a previsão do futuro através da observação do comportamento dos animais

"A interpretação dos sonhos tem merecido desde muito tempo sacerdotes especiais, mas particulares quase clandestinos não eram como aqueles áugures e arúspices de Roma, respeitados e oficializados, que prediziam os acontecimentos pelo modo de voar dos pássaros,  pela maneira com que as galinhas e outras aves sagradas comiam os grãos. Contam os cronistas que não havia general que prescindisse de tal horóscopo antes de entrar em batalha."
Lima Barreto, Marginália

Conhecer o futuro sempre foi uma obsessão para os humanos. Limitados a, com sorte, algumas décadas de vida, temos a veleidade de querer saber o que nos sucederá nesse ínfimo tempo de existência. No passado, usavam-se as formas mais bizarras para a elaboração de previsões e,  desde que os profetas acertassem de vez em quando, estavam com a fama assegurada. Isso é válido para a maioria dos povos da Antiguidade.  Havia formalmente exceções -  a Lei de Moisés, por exemplo,  proibia taxativamente o hábito de consultar adivinhos - mas nós bem sabemos que só se proíbe aquilo que acontece ou tem probabilidade de acontecer.
Dentre os métodos mais comuns de previsão encontrava-se, em várias culturas, a observação do comportamento de determinados animais. Os romanos, por exemplo, tinham seus arúspices e áugures, sacerdotes que tentavam decifrar o suposto conteúdo oculto no canto e no voo das aves, examinavam as vísceras de animais oferecidos em sacrifícios e até, por mais divertido que nos pareça, alegavam prever os acontecimentos com base no maior ou menor apetite dos frangos sagrados... Naturalmente as "técnicas" que empregavam para suas profecias eram sumamente complicadas, o que funcionava muito bem para fazer crer às pessoas comuns que somente os verdadeiros especialistas eram capazes de empregá-las com competência.
Está claro que nem todos os romanos eram adeptos de tais adivinhações, e muitos dos mais instruídos até zombavam delas. Mas, segundo Suetônio, Júlio César foi um grande apreciador dos prognósticos, a despeito de, justamente na hora decisiva de seu assassinato, não ter dado a eles a mínima importância, o que pode apontar para o fato de que talvez fosse politicamente correto aparentar considerá-los diante do povo, e nada mais. De qualquer modo, o mesmo Suetônio relata: "Alguns dias antes de sua morte, César foi informado de que os cavalos que havia consagrado aos deuses após a travessia do Rubicão, deixados a pastar livremente, recusavam-se a comer e derramavam muitas lágrimas. Durante um sacrifício, o arúspice Spurina, considerando nefastos os presságios, advertiu-o de um grande perigo por volta dos idos de março. Analogamente, uma pombinha, que trazia no bico um ramo de loureiro e voava em direção à cúria de Pompeu, foi perseguida por um bando de pássaros de um bosque próximo e feita em pedaços." (*)
Bem, leitor, como sabe, durante a última Copa do Mundo de Futebol tivemos a oportunidade de presenciar um verdadeiro renascimento do interesse na suposta habilidade de prever o futuro através do comportamento dos animais - nesse caso específico, através de um polvo de nome Paul. O irritante cefalópode aparentemente acertou todos os prognósticos de jogos que lhe foram solicitados, devorando um mexilhão que se encontrava sob a identificação do país que deveria vencer cada partida. Polvos, porém, não são animais longevos e hoje, para decepção de seus adeptos, foi anunciado o falecimento do animalzinho. Para um ser vivo a quem muitos torcedores quiseram fritar durante a Copa, foi um final tranquilo, coroando dignamente sua vidinha gloriosa. Que descanse em paz. Ruhe sanft, Paul!

(*) De vita Caesarum.


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domingo, 24 de outubro de 2010

Vai de liteira ou de automóvel?

Em 17 de novembro de 1852 o jornal Aurora Paulistana trouxe, em sua quarta e última página, este anúncio:
"Nas imediações do campo redondo, chácara denominada - do Arouche existe uma oficina de marceneiro onde se apronta toda a qualidade de obra relativa a este ofício com a maior perfeição e comodidade de preço. Na mesma casa existe uma liteira perfeitamente acabada, asseada e muito barata, tendo sido concluída há pouco mais de oito dias."
Liteiras, como se sabe, eram usadas para transportar pessoas. Se a viagem era longa, havia liteiras adaptadas para serem carregadas por dois burros; se, no entanto, eram de uso urbano e, por isso, para trajetos mais curtos, as liteiras eram, geralmente, transportadas aos ombros de escravos. Uma hipótese bastante provável é que, sendo feito sem encomenda prévia, um produto devia ter saída assegurada, mesmo em São Paulo, que na época ainda não era o grande porto seco do café, e era reputada como pouco mais que uma cidadezinha provinciana. Seges e coches não eram para todos e o primeiro serviço de bondes (tracionados por burros) iniciou suas operações na capital paulista apenas em fins de 1872.
Carro de Bois, de acordo com Debret
Por outro lado, transporte de carga era coisa para carros de bois. Eram amplamente empregados nas fazendas e, até que as ferrovias viessem trazer um significativo avanço ao escoamento da produção cafeeira, seu rangido estridente foi sinônimo de atividade econômica. Não torça o nariz, leitor. Não duvido que, em algum recanto mais longínquo do Brasil, ainda haja algum carro de bois em uso, e não estou falando de fins turísticos.
Gradualmente, no que se refere ao transporte de carga e de passageiros a longas distâncias, o Brasil mudou bastante com a implantação de uma expressiva malha ferroviária. Entenda-se: expressiva em termos de América do Sul, não havendo qualquer possibilidade de comparação com as ferrovias centro-europeias, ou dos Estados Unidos, ou ainda do Império Russo, na mesma época.
A modernização, no entanto, teve seu preço. Liteiras, cadeirinhas e carros de bois eram fabricados aqui mesmo. As locomotivas tinham que ser importadas, quase sempre da Inglaterra, embora fossem usadas americanas também. E, quando os automóveis começaram a circular pelas cidades, a dependência das importações sofreu um agravamento. Havia modernização, até por ser quase inevitável, mas crescia a dependência externa. Como exemplo, veja esse interessante anúncio, publicado em uma edição do mês de dezembro de 1914 na revista A Cigarra:
O anunciante, que se declara "importador", oferece bicicletas, motocicletas, pneus e automóveis, todos obviamente importados, dando-se relevo ao fato de que os produtos são de origem inglesa, o que, naqueles tempos, era sinônimo de qualidade, ao menos no imaginário popular.
Ora, quanto ao problema da importação de automóveis, só haveria mudança na década de 1950. Mas, antes disso, era imperativo abrir rodovias, por onde os automóveis pudessem circular. E, pode acreditar, esse assunto foi alvo de muita polêmica, principalmente na década de 1920 (é fácil, de nossa posição de observadores do futuro, criticar a falta de visão dos humanos do passado).
Um samba de Eduardo Souto, do ano de 1929 (gravado por Francisco Alves), tendo como título É sim, senhor, dizia:

Ele é estradeiro?
É sim, senhor.
Habilitado?
É sim, senhor.

O "estradeiro", alvo da zombaria, era nem mais, nem menos, que o então presidente Washington Luís, o homem do "Governar é abrir estradas". E, efetivamente, foi com Washington Luís como governador de São Paulo que foi iniciada a construção da primeira rodovia ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, obra que só foi concluída quando era ele já presidente da República. Malgrado a galhofa da população, que se referia às estradas de rodagem como "estradas de bobagem", a obra teve o mérito de encurtar sensivelmente o tempo de viagem entre as duas capitais: era possível cobrir a nova rodovia em 14 horas. Sem ela, tentar ir de carro podia levar mais de um mês, razão pela qual as viagens de automóvel eram vistas mais como atividade esportiva que como transporte confiável.
É sempre possível enfrentar oposição quando o que se precisa fazer não está ao alcance da compreensão de todo mundo. Dá-se, no caso em questão, a desculpa de que a população era pouco instruída e, por isso, não entendia os benefícios a longo prazo da construção de rodovias. É verdade. Mas quando vai acabar o pretexto da falta de instrução? Já passou e muito o tempo de extirpar essa praga. Eu, pelo menos, não vejo a hora de ver este País completamente livre dela, mesmo porque necessitamos, com urgência, de grandes obras que renovem e expandam a infraestrutura disponível. Sem isso, o desenvolvimento econômico corre sério risco de sofrer um estrangulamento.


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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os títulos dos monarcas: modéstia e humildade não eram virtudes

A Declaração Universal dos Direitos da Criança afirma que toda criança tem "direito a um nome e a uma nacionalidade". Nosso nome nos identifica, quer gostemos dele, quer não. Mas, como há muitos nomes iguais (apesar da incrível capacidade de imaginação dos progenitores), temos, muitos de nós, um segundo nome e pelo menos um sobrenome. E, se isso não for suficiente, existem ainda os apelidos, que, a não ser em casos excepcionais, não são parte oficial do nome, mas são tão poderosos, a ponto de não reconhecermos certas pessoas a não ser por esses subtítulos. Os monarcas do passado sabiam muito bem da importância de tais apelidos, para si mesmos e para seus antecessores, de modo que entre a casta de funcionários públicos que os rodeava, havia sempre aqueles encarregados de proclamar a lista de títulos que ia ficando maior à medida que as conquistas e outras realizações eram adicionadas ao currículo dos mandatários. E, nesse aspecto, pode-se afirmar que a modéstia nunca foi a grande virtude dos poderosos, pelo menos no que se refere à maioria deles. Os títulos eram, isso sim, um instrumento de poder que continuou a ser muito bem empregado séculos afora.
Hamurabi, no famoso Código, é chamado "o príncipe exaltado", "o rei sábio", "rei protegido (dos deuses)", "o rei que domina entre os reis de todas as cidades", "o legislador, que é como um pai para seus súditos", "o rei da justiça".
Já no Egito, Os faraós consideravam-se (e eram considerados, uma coisa não funciona sem a outra, pelo menos quando se trata de governar), filhos dos deuses. Tutmés III, em um relato muito unilateral sobre a famosa batalha de Kadesh, afirma: "Seguramente como sou amado por Rá e protegido por meu pai Amon...". Explico: para os egípcios, Amon-Rá era o rei dos deuses e o originador da vida. Politicamente, Tutmés III não poderia ter elegido melhor paternidade.
Não imagine, leitor, que essa moléstia (a falta de modéstia) ficou circunscrita à Antiguidade. Embora seja discutível a origem do título de "rei-sol" para Luís XIV, da França, é bastante provável que "L'État c'est moi" tenha sido afirmação dele mesmo. Mas, como já dissemos, não foi ele quem inaugurou o costume. Apenas como amostragem, Luís I, da França, é conhecido como "o Piedoso", Filipe IV, também da França , é "o Belo" e, em outras terras, Afonso V, de Aragão, é "o Magnânimo", Afonso X de Castela e Leão é "o Sábio" e D. João I, de Portugal, o Mestre de Avis,  é chamado "o de boa memória". Aliás, nesse caso de D. João I, é relevante notar como a denominação foi crescendo, já que entre 1385 e 1415 foi chamado "pela Graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve" mas, com a vitória no norte da África, passou, a partir de 1415, a ser "pela Graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve e Senhor de Ceuta".
Compreensivelmente, as grandes navegações tiveram um impacto considerável em agregar títulos ao monarcas lusitanos. D. João IV, "o Restaurador" (em referência ao fim da chamada "União Ibérica"), reinou de 1640 a 1656, sendo designado "pela Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.". Já D. João VI, regente desde 1792 e rei de 1816 a 1826, ficou conhecido como "o clemente", com a designação, até 1825, de "Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc." e, desde então, "Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc.". É fácil perceber que o reconhecimento da independência do Brasil emagreceu um pouquinho a grandiloquência do título.
Vale acrescentar que, obviamente, a mesma ferramenta podia servir para infamar soberanos por alguma razão pouco estimados, como  Maria I, da Inglaterra e Irlanda, conhecida como "a sanguinária", Pedro I, de Portugal, "o Cruel" e Ivan IV, da Rússia, "o Terrível".
Ora, além de tudo isso, que dizer da imensa lista dos chamados "grandes" ou "magnos"? Só vai aqui também uma pequena amostra, porque uma relação mais abrangente seria quase interminável: Alexandre, o Grande ou Magno, Herodes I, o Grande, Constantino I, o Grande ou Magno, Papa Gregório I, Magno, Papa Leão I, Magno, Carlos Magno, ou o Grande, Rei dos Francos, Pedro I, da Rússia, o Grande (nesse caso particular a estatura parece ter tido um papel decisivo), Catarina II, da Rússia ou Catarina, a Grande, Frederico II, da Prússia, o Grande - como diriam os antigos, arre! Haja grandeza!
Vê-se que nessa humilde lista estão incluídos até papas. Como esperar que os que não tinham obrigação de santidade escapassem a tão grave pecado? Pode-se argumentar que, quase sempre, esses títulos eram dados por admiradores, seguidores, etc., não pelos próprios homenageados. Em que isso muda alguma coisa? Como bem expressou Charles-Louis de Secondat, aliás "barão de Montesquieu", o poder corrompe. E, até mesmo quando se quis combater os desmandos da monarquia, o hábito dos títulos não desapareceu. Saint-Just não foi "o arcanjo do Terror" e Robespierre, quem diria, "o Incorruptível"?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Do desprezo pelo trabalho ao orgulho profissional: uma proposta de revolução no ensino técnico

É amplamente sabido que, no Brasil, a escravidão deixou, entre inúmeras outras desgraças, uma péssima tradição de se desvalorizar o trabalho. Não poucos historiadores têm demonstrado que, na ânsia por eximir-se de qualquer trabalho manual, mesmo os mais pobres dentre os homens livres faziam todo o esforço possível para ter ao menos um escravo. Esse fato exerceu forte impressão sobre viajantes estrangeiros que aqui estiveram no século XIX. Saint-Hilaire, por exemplo, escreveu que "existem menos escravos, nos lugares em que menos se envergonham os homens livres de trabalhar". (*)
Se percorrermos a literatura do século XIX, particularmente a obra de Machado de Assis, logo notaremos a perspicácia do autor em retratar a sociedade da época, na qual a busca por um emprego público (com salário garantido e poucas horas de expediente) era quase uma obsessão. Nesse tempo as vagas eram preenchidas por nomeação, não por concurso. Nesse sentido, portanto, progredimos.
Certo, não temos mais escravos, mas as contradições se intensificaram. Cresceu  muito ultimamente a até compreensível opção pelos concursos que abrem as portas para carreiras supostamente estáveis, para os quais se inscrevem sempre milhares de candidatos, disputando umas poucas vagas. Dentre os chamados "concurseiros", há muitos que são vítimas do desemprego estrutural, já que suas antigas habilidades profissionais não são correspondentes às atuais exigências. Enquanto isso, porém, há no mercado de trabalho vagas para trabalhadores qualificados que nunca são preenchidas. Por quê? Simplesmente porque não há trabalhadores qualificados em quantidade suficiente, atualizados, que dominem cabalmente as modernas tecnologias. E, como cúmulo das aberrações, há nesta época do ano (em que são realizados os "vestibulinhos") milhares e milhares de jovens que disputam o ingresso nas poucas escolas profissionais existentes, mesmo quando algumas dessas instituições oferecem cursos bem pouco atraentes. Vê-se que, no momento em que temos a chance de superar de vez a fobia ao trabalho, não há escolas suficientes para formar trabalhadores! Não preciso gastar tempo e digitação discutindo o dano que tal situação causa e ainda muito causará à economia do País.
É bom saber, leitor, que o Brasil não é o único lugar do mundo em que há falta de profissionais, particularmente no campo da engenharia. A imprensa alemã, por exemplo, tem falado em "tecnofobia"  por parte dos estudantes. O caso do Brasil é um pouco diferente - faltam profissionais de nível médio, sobram diplomados em cursos superiores. O problema é que os engenheiros recém-formados são muitas vezes egressos de estabelecimentos de ensino de péssimo nível, sendo incapazes de exercer as funções atestadas por seus diplomas.
Que fazer? Se você tiver um pouco de paciência, vou expor minhas ideias:
a) Precisamos oferecer qualificação profissional a todos os jovens que a desejarem. Precisamos de escolas técnicas, mas não apenas algumas, precisamos de muitas escolas técnicas. A questão é que não basta assegurar vagas, é preciso disponibilizar escolas perfeitamente conectadas às necessidades do mercado de trabalho, capazes de orientar seus alunos em suas vocações e habilidades, oferecendo variedade de cursos. Sendo a maioria dos aprendizes ainda adolescentes, a formação profissional precisa, necessariamente, vir acompanhada de sólida base nas disciplinas do ensino médio, além de orientação adequada para a construção de valores, o que pressupõe a adoção do estudo em período integral. Os exames de seleção, só os considero aceitáveis em caráter classificatório, para definir a escola o o curso em que se ingressará, jamais para repartir umas poucas vagas entre uma multidão de meninos e meninas que lutam para preparar-se para o exercício digno de uma profissão.
Pode-se argumentar que tudo isso teria um custo muito elevado. Concordo, mas o retorno seria excelente. Não tenho dúvidas de que, havendo vagas asseguradas, não será admissível a existência de adolescentes desocupados pelas ruas, os gastos com a repressão a menores infratores serão bastante reduzidos, melhores profissionais serão formados e a elevação da renda será estabelecida em bases sólidas. Principalmente, serão preparados cidadãos conscientes e orgulhosos de sua capacidade e totalmente independentes de subvenções do Estado para o sustento próprio e de suas famílias.
b) Para cumprir com a verdade, é até surpreendente que haja quem queira estudar qualquer das engenharias, diante da horrorosa situação do ensino das ciências exatas (situação não menos horrorosa em outras áreas, é bom dizer, e os exames nacionais que avaliam estudantes atestam perfeitamente o que digo). Precisamos, creio, para sanar o problema, de duas posturas, sendo uma delas no curto e outra no longo prazo.  A de longo prazo é banir das escolas o pavor à matemática, mediante a adoção de métodos corretos de ensino, maior carga horária e contratação de docentes qualificados e remunerados na proporção da importância social da tarefa que exercem; já a de curto prazo passa por apertar o cerco às instituições de ensino superior, permitindo o funcionamento apenas das que realmente têm condições de formar bons engenheiros. Assinalo que tudo o que disse em relação ao ensino de engenharia vale, mutatis mutandis,  para as demais áreas do conhecimento.
E você, o que pensa a respeito? Estou convencida de que tudo isso constitui um empreendimento que ultrapassa as fronteiras de um único governo, precisa ser parte de um projeto nacional, de continuidade assegurada e não sujeita a pruridos eleitoreiros e ideológicos. O que proponho é uma verdadeira revolução no modo de ver e administrar a educação profissional.
Tem o Brasil maturidade política para isso? Podemos ao menos experimentar...

(*) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 62.


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domingo, 17 de outubro de 2010

Árvores antigas, monumentos verdes - Parte 2

"As florestas cintilavam. Gigantescos paus-d'arco bracejavam por entre as árvores vizinhas para mostrar bem alto a sua coroa de oiro; mas as palmeiras não se deixavam vencer e reagiam vitoriosamente por entre a espessura da mata, agitando no ar o seu penacho indígena; a gameleira brava procurava erguer a cabeça engrinaldada de heras e parasitas; pinheiros seculares, cedros mais velhos que a religião, paineiras, angicos, perobas, todos os gigantes da selva, pelejavam para sobressair!"
Aluísio Azevedo, O Homem

Árvore em praça na cidade de
São Pedro - SP
Chama-se dendrocronologia ao método de datação baseado no estudo dos anéis que constituem o tronco de uma árvore. Essa técnica pode ser utilizada com diversos objetivos, em várias ciências, incluindo-se o fato de que, fornecendo informações sobre as condições climáticas de uma determinada época, permite aos historiadores entender melhor os acontecimentos. Se sabemos, por exemplo, que em certa década houve poucas chuvas, presume-se que as colheitas tenham sido prejudicadas e podemos acrescentar elementos novos ao estudo das revoltas sociais do período, particularmente em casos nos quais a documentação escrita é escassa ou inexistente. Não se trata de determinismo, é só uma ferramenta a mais (aliás, muito útil) para a análise da complexa trama que engloba os eventos da saga humana na Terra.
Mudando de assunto, ou nem tanto, quando olhamos à nossa volta vemos árvores de proporções "normais", para os nossos padrões, mas que poderiam ser consideradas bem nanicas pelo que se via no Brasil há alguns séculos. Em sua obra Til, José de Alencar assim descreve as matas originais no interior de São Paulo:
"Ficava no seio de uma bela floresta virgem, porventura a mais vasta e frondosa, das que então contava a província de S. Paulo, e foram convertidas a ferro e fogo em campos de cultura. Daquela que borda as margens do Piracicaba, e vai morrer nos campos de Ipu, ainda restam grandes matas, cortadas de roças e cafezais. Mas dificilmente se encontram já aqueles gigantes da selva brasileira, cujos troncos enormes deram as grandes canoas, que serviram à exploração de Mato Grosso." (¹)
O próprio Alencar, escrevendo na segunda metade do século XIX, menciona que essa descrição tem como base a Corographia Brazilica, afirmando que "Mediam essas canoas, segundo Ayres do Casal, 80 palmos de comprimento, 7 1/2 de largura, e 5 de altura".
Exagero, talvez? Teriam efetivamente as matas brasileiras árvores de tais dimensões que possibilitassem, individualmente, a construção de canoas tão avantajadas? Um outro testemunho parece dizer que não. Em Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829 encontramos estas duas ilustrações de Hércules Florence: (²)

Trabalhadores cortam árvore de grandes dimensões para fazer uma canoa (segundo H. Florence)

Trabalhadores fazem canoa com o tronco de uma única árvore (H. Florence)

Árvore arrancada para a construção de rodovia,
interior de São Paulo
Por suposto há, ainda, árvores gigantescas nas matas brasileiras. Mas nas regiões mais urbanizadas, particularmente no Sudeste, sua desaparição não é recente. Tendo feito suas viagens entre 1816 e 1822, Saint-Hilaire escreveu, falando de certo lugar do Vale do Paraíba, próximo a Guaratinguetá:
"À esquerda da colina onde fica situada a cidade, existe outra, coberta ainda de mata virgem, e acima dela, à beira do mesmo rio, algumas cabanas esparsas, entremeadas de cerrados grupos de bananeiras e laranjeiras. A terceira colina eleva-se à esquerda da cidade. Era antigamente, como a primeira, coberta de mata, dela se cortou parte. Substituíram-na por engenho e plantações." (³)
Não discuto aqui questões, por certo justíssimas, da preservação e do manejo sustentável de florestas. Muito menos imagino que nunca uma árvore possa ou deva ser cortada. Há necessidade de lavouras para atender à demanda por alimentos. A ideia foi mostrar que o "cenário vegetal" do Brasil já foi, em um tempo historicamente não muito longo, bem diverso do que se vê atualmente, propondo maior cuidado na preservação do que chamei de "monumentos verdes" - árvores muitas vezes centenárias, sobreviventes de antigas matas, que ousaram coexistir em meio à urbanização, ou espécimes cultivados que, pela sua longevidade e beleza, tornaram-se patrimônio das comunidades em que cresceram. Servem, no mínimo, para recordar o que já perdemos, e, sendo mortais, como nós, são mais instrutivas que monumentos de pedra, erigidos para dar uma falsa impressão de imortalidade para apenas uns poucos dentre os homens.

(1) ALENCAR, José de Til, vol. 1. Rio de Janeiro: Garnier, 1872, pp. 37 e 38.
(2) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília, Ed. do Senado Federal, 2007, pp. 235 e 236.
(3) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. do Senado Federal, 2002, pp. 80 e 81.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Árvores antigas, monumentos verdes - Parte 1

Não é muito comum que árvores sejam tema de um blog dedicado à História - você, leitor, talvez pense que isso poderia ser melhor enquadrado em outro lugar. Mas vou mostrar-lhe porque decidi trabalhar esse assunto.

Árvore do Jardim Público de Amparo - SP
Seres humanos erguem monumentos quando querem celebrar algum acontecimento importante ou homenagear alguém. Essa moda não é nova - egípcios e babilônios eram admiradores incondicionais desse hábito, que permanece até hoje, nas mais diversas culturas. Em resumo, um monumento pode ter qualquer das formas convencionais (obelisco, estela, arco de triunfo, etc.), ou ainda não ser nada convencional, mas quase sempre será um tributo aos grandes feitos de um povo ou de um indivíduo, mal conseguindo disfarçar a boa dose de vaidade que levou à sua construção, e isso vale até para os  "monumentos funerários", comumente chamados túmulos, salientando que não há aqui qualquer desrespeito, é mera constatação.
Com as árvores é (quase sempre) diferente (estou desconsiderando aqui, por exemplo, aquele famoso carvalho que os nazistas teriam plantado em Jaslo, na Polônia, em 20 de abril de 1942, para celebrar o aniversário de A. Hitler). Elas permanecem por muitos anos silenciosamente entre nós, testemunham as gerações que vêm e vão, fazem parte do ambiente em que vivemos, e muitas vezes passamos por elas sem que as notemos. São espécimes vegetais, e só isso.
A árvore precisou ser cortada, mas o tronco foi 
conservado na praça - Ouro Fino, MG
Até que um dia aquela árvore imensa, já bastante envelhecida, isolada em meio urbano, digna sobrevivente de tempos mais verdes, em que árvores cobriam boa parte do terreno das atuais cidades, é ameaçada de corte. Seja porque de fato esteja doente e corra o risco de cair, seja porque a ambição quase incontida das construções veja nela um incômodo obstáculo que precisa ser removido, o certo é que a árvore, quase ignorada, torna-se o centro das atenções, dividindo a opinião pública. O que aconteceu?
Algo em nós parece dizer que ela sobreviveu porque sorrateiramente ultrapassou o muro que divide a chamada História Natural, que é campo das Ciências Biológicas, e veio fazer parte da história de nossa própria comunidade. Afinal, pode ter estado naquela praça em que, por décadas, a criançada, ao deixar o colégio, sempre veio brincar, pode ter sido ponto de encontro para os mais diversos propósitos. Já não é, portanto, simplesmente em razão de preocupações ambientais que não queremos que seja cortada, pois se fosse isso, bastaria plantar várias outras em um local próximo. Perdoe-me a heresia leitor, se assim considera esta minha ideia, mas vejo árvores assim como monumentos verdes. E com a virtude de (como sempre, quase sempre), não andarem a perpetuar a vaidade de alguém que há muito desapareceu.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Registrando os sons - Parte 4: A evolução dos discos

"- Aí tens tu, o fonógrafo!... Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho. Acredita, não há senão a Cidade, Zé Fernandes, não há senão a Cidade!"
Eça de Queirós, A Cidade e as Serras

A maioria de nós sorri diante dessa fala de Jacinto, mas não nos esqueçamos do contexto: a era da segunda revolução industrial fazia crer a muitos em uma espécie de redenção do mundo e da humanidade pela tecnologia. Nós, que vivemos mais de um século depois, bem sabemos que não é assim...
Em Registrando os Sons - Parte 1: Fonógrafos e Gramofones, mencionei o fato de que os primeiros aparelhos a reproduzirem sons gravados usavam cilindros, e não discos. Entretanto, foi o "padrão disco" que veio a estabelecer-se na indústria, uma vez que o produto final era mais durável que os cilindros, mais fácil de manejar e permitia, principalmente, um tempo maior de gravação.
Esses discos que podiam ser tocados nos gramofones e em outros aparelhos que mais tarde vieram a ser desenvolvidos, tinham um ciclo de 78 rotações por minuto (RPM), sendo geralmente fabricados em goma-laca, o que exigia um certo cuidado no manuseio, ou seja, se caíssem no chão, com certeza se quebrariam. Apesar de ter um tempo de gravação possível bem maior que o dos cilindros, ainda assim, se fosse necessário gravar, por exemplo, uma sinfonia, seriam necessários vários discos, formando um verdadeiro álbum, o que contribuía para encarecer bastante o produto final. A despeito disso, continuaram por várias décadas como padrão, até que em 1948 os long plays (LPs) ocuparam seu lugar.
Fabricados em vinil, os LPs possibilitavam tempos muito superiores de gravação, com menos ruído e ótima resistência - as sinfonias podiam agora ser reproduzidas em um único disco. Por essas razões, rapidamente ganharam a preferência do público, pelo menos até o surgimento dos compact discs, ou CDs. O registro do invento do CD data de 1979, mas a fabricação em escala comercial só viria a ocorrer na década seguinte.
Conheço pessoas, no entanto, que ainda preferem os discos de vinil, sob a alegação de que os CDs, com a eliminação dos ruídos, eliminaram também partes importantes dos sons originais, que um ouvido treinado normalmente consegue perceber. A mim, porém, isso parece saudosismo. Tenho ainda alguns LPs, mas apenas para aquelas gravações inesquecíveis, das quais nunca encontrei um CD correspondente.
Apenas quero mencionar ainda o aparecimento, em 1963, das fitas cassete. Elas constituem um aspecto importante na história dos registros sonoros porque possibilitaram às pessoas comuns a gravação de suas vozes, e isso de um modo bem simples, bastando, para tanto, dispor de um gravador. E, como os gravadores rapidamente tornaram-se portáteis, seu uso difundiu-se nas mais diversas circunstâncias, fazendo com que as fitas gravadas tivessem um papel decisivo em alguns acontecimentos, como foi no caso de Watergate. Aqui no Brasil, os leitores que tiverem pelo menos umas quatro décadas de vida hão de lembrar-se do cacique Mário Juruna, eleito deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro, que chegou a Brasília empunhando um gravador, com o qual pretendia garantir que os direitos da população indígena, uma vez negociados, não fossem esquecidos!


domingo, 10 de outubro de 2010

Registrando os sons - Parte 3: Na era do fonógrafo, nem tudo era entretenimento

É fato inquestionável que, desde a invenção dos primeiros aparelhos capazes de registrar os sons, as principais aplicações práticas têm sido no ramo do entretenimento. Todavia, logo apareceram outras possibilidades, que incluíam, por exemplo, o registro de eventos considerados "históricos", ou o uso de cilindros e discos para fins didáticos, como professores virtuais, particularmente no campo do ensino de línguas estrangeiras. Chama a atenção, no entanto, esse pequeno trecho que apareceu na revista Vida Paulista, no ano de 1903, no qual é mencionado um livro que propunha aplicações jurídicas para o fonógrafo:
"- O Fonógrafo e suas combinações, nas relações jurídicas, é um estudo feito pelo ilustrado lente da Faculdade de Direito, dr. José Bonifácio de Oliveira Coutinho, que teve a gentileza de nos oferecer um exemplar. Trabalho de grande alcance jurídico e enriquecido com larga cópia de conhecimentos científicos, o dr. Oliveira Coutinho analisa a história do fonógrafo e suas combinações, demonstrando, em relação ao direito, as vantagens que podem advir de seu uso como elemento de prova nos contratos, nas contas correntes, nos testamentos, etc., sem esquecer as vantagens de seu emprego como mensageiro de recados."
Já no nosso século, observamos que, dentre as novas tecnologias, várias têm parecido promissoras para propósitos jurídicos. A título de exemplo, há poucos anos a questão do uso e da confiabilidade dos exames de DNA suscitava ainda debates acalorados entre os especialistas em Direito, sendo seu emprego, agora, suficientemente generalizado. Com a questão das gravações, independente do método, não foi diferente. Hoje consideramos seu uso algo corriqueiro, e profissionais são treinados na verificação da confiabilidade dos registros sonoros para efeitos legais. Mas, em 1903, era de fato uma ideia nova a ser explorada. Naturalmente a possibilidade de usar fonógrafos como "mensageiros de recados" revelou-se pouco frutífera: as secretárias eletrônicas deveriam esperar ainda muitas décadas para assumirem seu posto no quotidiano dos escritórios.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Registrando os sons - Parte 2: O que tocava em um fonógrafo no Brasil do início do Século XX

A edição de janeiro de 1904 da revista Echo Phonographico trazia um anúncio de cilindros para fonógrafo, que incluía, basicamente, "Cantos em Espanhol", "Cantos em Italiano" (principalmente árias operísticas) e "Cantos da célebre soprano alemã Frau E. Reimann" (árias, também). Ou seja, o cardápio era reduzido e essencialmente importado. Entretanto, um ano depois, a mesma revista, na edição de janeiro de 1905, trazia este outro anúncio:


Note-se: "Cantados pelo Bahiano, o melhor cançonetista brasileiro"...  Há aqui, leitores, uma mudança muito significativa em relação aos fonogramas oferecidos no ano anterior. No mesmo anúncio, são listadas nada menos que cento e cinquenta e nove canções, dentre as quais "As Mocinhas Desta Terra", "Canção do Vagabundo", "Mulata Vaidosa", "Matuto do Ceará", "Cabocla", "Vacina Obrigatória", "Casa Branca da Serra", "Enterro da Sogra", "Cabra Decidido", "O Fazendeiro da Capital Federal". É fácil perceber que, rapidamente, as gravações musicais vinham ganhando espaço como entretenimento, e a oferta de fonogramas diversificava-se, para atender a todas as preferências, mesmo porque, a crer neste trecho da edição de fevereiro de 1905 do Echo Phonographico, havia grande procura por fonógrafos:
"Tão desenvolvido [sic] tem sido a procura de fonógrafos nestes últimos meses, que nos princípios de janeiro a Casa Edison dos Srs. Figner Irmãos lutou com sérias dificuldades para atender aos inúmeros pedidos que lhe chegavam de todos os pontos do Brasil.
Há dias recebeu aquele estabelecimento uma grande encomenda de aparelhos e tantos tem vendido que teve de fazer um novo pedido telegraficamente aos Estados Unidos, para que se não esgote o estoque antes de chegar nova remessa."
Sim, leitores, ainda que suponhamos algum exagero com interesse propagandístico, não podemos fugir dos fatos: esses aparelhos tornaram-se uma verdadeira febre, o objeto do desejo por excelência em um momento no qual o Brasil começava a tatear os encantos (e desencantos) do mundo capitalista, acarretando notáveis mudanças nos hábitos da população, à medida que as gravações de uso doméstico afiguravam-se muito melhores aos ouvidos do que suportar os modestos cantores que eventualmente vinham fazer apresentações nos teatrinhos das cidades do interior do Brasil.


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terça-feira, 5 de outubro de 2010

Registrando os sons - Parte 1: Fonógrafos e gramofones

Até meados do século XIX, se alguém queria ouvir música, tinha, via de regra, duas opções: podia cantar e tocar em casa, tendo por vezes como plateia  um grupo de familiares e amigos, ou ir a um teatro, onde instrumentistas e cantores se apresentavam. Pela mesma época, nas sessões legislativas, nos tribunais ou em outras circunstâncias em que registrar as palavras de alguém era importante, notava-se sempre a presença de profissionais chamados taquígrafos ou estenógrafos, que asseguravam que o que se dizia não seria perdido.
Isso nos remete a uma questão fundamental: o som é transitório, ao menos na percepção humana, uma vez que, como indivíduos, não temos qualquer controle sobre a propagação das ondas sonoras que alguma vez emitimos. Isso significa que, como expressão artística, a música enfrentava um problema que não atinge as artes plásticas: uma pintura ou escultura, uma vez concluída, pode ser continuamente admirada, pois tem, materialmente, uma longa duração. Exemplificando, embora seja discutível se pinturas rupestres podem ser consideradas arte, já que não sabemos se seus autores tinham efetivamente a intenção de "fazer arte", ou se, por outro lado, viam em suas representações alguma finalidade meramente utilitária (a crença talvez, de que representar uma caçada de sucesso podia, de algum modo, assegurar que isso viesse a acontecer), é certo que têm perdurado por milênios e podem ser observadas por pessoas do nosso século. Não é assim com a música - que apaixonado por piano não daria tudo para ouvir o próprio Beethoven a executar algumas de suas sonatas? Mas, diremos, é impossível! Os sons perderam-se no tempo, e agora podemos apenas fazer ilusórias tentativas de imaginar como seriam.
Entretanto, por volta da década de 1850, trabalhava-se já no sentido de criar algum meio de registrar os sons, abrindo imensas possibilidades para a arte, para a preservação da memória histórica, para o entretenimento.
Um "fonoautógrafo" foi inventado em 1857, mas o aperfeiçoamento que possibilitaria a comercialização precisou esperar um pouco mais: data de 1877 o fonógrafo de Thomas Edison e de dez anos mais tarde o gramofone de Emil Berliner. A diferença entre eles? O primeiro usava um cilindro gravado, enquanto o último já usava discos, uma inovação que faria o modelo triunfar e, com extremo progresso, existir até hoje. Já os cilindros foram aposentados em 1912, embora os já existentes continuassem, como é lógico, a ser usados ainda por algum tempo.

Anúncio de fonógrafo na revista especializada Echo Phonographico
publicada em São Paulo, edição de janeiro de 1904
Curiosamente, os cilindros, em termos de reprodução dos sons, eram vantajosos por apresentarem menos ruído que os discos, mas estes, por seu turno, eram muito mais duráveis e permitiam gravações mais longas, daí a preferência que vieram a ter do público em geral.

Anúncio de cilindros para fonógrafo, também na revista Echo Phonographico de janeiro de 1904

Veja também:

domingo, 3 de outubro de 2010

Fim de festa: Senhores, vamos limpar esta desordem!

Você, leitor, sabe que é ótimo, de vez em quando, reunir os amigos para uma festa. Mas sabe, também, que quando a festa acaba, há um grande trabalho a fazer para "pôr ordem na casa". É a vida!
Agora, pouco depois das 17 horas de domingo, 3 de outubro, as eleições deste ano, ao menos quanto ao primeiro turno, já passaram, e entram discretamente para os domínios da História Contemporânea. Mas, como toda grande festa, deixam seus vestígios, e que vestígios...
Saí para dar uma olhada nas ruas e, como já esperava, há muita sujeira por toda parte: uma infinidade de panfletos tentando convencer eleitores menos convictos, enquanto outros parecem destinados a "ajudar" os descuidados que não prepararam uma lista de seus candidatos. O certo é que a desordem recobre calçadas e ruas.
A propósito, a palavra candidato vem do latim, em referência às togas brancas que os postulantes a cargos públicos usavam e que, na cultura na época, significavam sua plena capacitação para a função pretendida, além de um caráter imaculado, perfeitamente digno da grandeza do Estado romano. É claro que hoje isso já não faz muito sentido. Mas, se é verdade que a legislação eleitoral brasileira anda precisando de alguns ajustes (embora já tenha progredido muito), seria bom incluir nela a obrigação de que os senhores candidatos, após as eleições, providenciem a limpeza das vias públicas. Não, muito melhor seria se essa parafernália eleitoral, que infesta as cidades, nem fosse distribuída, evidenciando o respeito pela decisão dos eleitores na hora do voto, além de dispensar o consumo inútil de tanto papel. Não faria mal a ninguém, iria desonerar a limpeza pública e, diante do povo, demonstraria a seriedade das intenções dos que postulam uma posição como governantes e representantes da nação. Afinal, já houve muito tempo para convencer o eleitorado com propostas realmente inteligentes. Mas, por hora, só resta limpar toda a desordem!


Guia das profissões que deixaram (ou deixarão) de existir

"O que você vai ser quando crescer?" Estou certa de que você já fez essa pergunta algumas vezes na vida, quase sempre para puxar papo com um sobrinho, filho do vizinho ou outro pequeno muito tímido ou que não vai com a sua cara, não é, leitor? Pois saiba que, se você vivesse, digamos, há trezentos anos, as respostas poderiam ser bem diferentes daquelas que você ouvirá, caso faça essa pergunta hoje. Muitas profissões surgiram e desapareceram, enquanto outras ainda sobrevivem, havendo também algumas, já muito antigas, porém em muito boa forma - ainda precisamos de cozinheiros, médicos, historiadores... e assim por diante. Mas já não necessitamos da competência de um caçador de mamutes, por exemplo.
Dedico esta postagem a algumas profissões já desaparecidas e a outras semidefuntas. Confira a lista, para ver quais delas você conhece.
  • FERREIRO - era o profissional capaz de forjar peças em diversos metais (e não apenas ferro), fazendo uso de instrumentos como o martelo, a bigorna e o fole. Com o desenvolvimento da indústria metalúrgica, perdeu espaço enquanto trabalhador autônomo.
  • FOGUISTA - era o encarregado de manter em funcionamento as máquinas a vapor, mediante o abastecimento delas com material apropriado, tal como carvão. As ferrovias turísticas, que usam locomotivas a vapor, têm ainda seus foguistas, mas de um modo geral a profissão declinou, apesar de já ter sido muito significativa, tanto na indústria quanto nos transportes, e não apenas nas ferrovias, mas também nas embarcações a vapor.
  • ESTALAJADEIRO - era o proprietário ou gerente de uma estalagem que, antes da existência dos hotéis, era o lugar onde os viajantes encontravam espaço para dormir, comer e abrigar seus animais de carga e montaria.
  • MONTEIRO - também chamado couteiro, era o profissional especializado em caçadas, com a obrigação de auxiliar a nobreza nesse "esporte".
  • AGUADEIRO - nem sempre as casas tiveram redes de água encanada e, portanto, o abastecimento dependia, ao menos em parte, desse trabalhador que percorria as ruas vendendo e entregando água.
"Carregadores de Água", de acordo com Hércules Florence (*)
  • ARMEIRO - era o profissional especializado em fabricar e efetuar manutenção em armaduras, espadas, etc. Hoje em dia, os poucos armeiros existentes fazem a conservação de peças de museu e fabricam armaduras, geralmente sob encomenda, para colecionadores.
  • COCHEIRO - era o profissional treinado para conduzir os cavalos das carruagens. Como não costumamos mais usar carruagens, só há trabalho, eventualmente, em locais turísticos.
  • FIANDEIRA - eis aqui uma profissão que, desde tempos remotos, era, quase sempre, confiada a mulheres. Consistia na habilidade de fazer fios, geralmente com o auxílio de uma roca, que seriam, por sua vez, usados para fazer tecidos.
Roca para Fiar (Museu Gustavo Teixeira, São Pedro - SP)
  • JOGRAL - era um músico profissional que, na Idade Média, era pago para divertir os convidados em uma festividade.
  • CUTELEIRO - era o profissional que fabricava, artesanalmente, uma variedade de instrumentos cortantes, tais como facas, navalhas, tesouras, etc. Ainda há cuteleiros, atendendo principalmente às encomendas de colecionadores.
  • LENHADOR - era o trabalhador que, usando machado ou serra manual, derrubava árvores que deviam servir como lenha para abastecer residências, tanto para aquecimento como para cozinhar. Embora haja muitos lenhadores atualmente, a moderna profissão é muito diferente daquela em que todo o trabalho era movido a músculos.
  • LITEIREIRO - era o condutor de liteiras. No Brasil Colonial e Império esse trabalho era desempenhado quase que exclusivamente por escravos.
  • ALMOCREVE - era o profissional que alugava e/ou conduzia animais de carga, muitas vezes atuando como guia em estradas perigosas e pouco conhecidas pelos viajantes.
  • DATILÓGRAFO - essa profissão, leitor, eu a tenho visto desaparecer diante de meus olhos. Era o profissional especializado em datilografia, quer dizer, em escrever à máquina. Foi substituído pelo digitador, com a vantagem de que se pode obter de um texto tantas cópias quantas se desejar, e não apenas umas poucas, (isso quando se usava papel carbono), além de ser possível salvar o texto digitado para uso posterior. Com as máquinas de escrever, seria preciso datilografar tudo novamente. Digo, no entanto, que os digitadores também desaparecerão, quando tivermos equipamentos capazes de transformar nossos pensamentos em textos prontos, sem erros de ortografia ou pontuação e, de preferência, sem as nossas divagações, ainda que entre parênteses. Mas, até que esse dia chegue, já decidiu o que vai ser quando sua atual profissão desaparecer?
(*) FLORENCE, Hércules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. do Senado Federal, 2007, p. 5.


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