quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os esportes no Brasil do Século XIX e início do Século XX - Parte 1

Em tempos remotos, atividades que hoje classificaríamos como "esportivas" eram, frequentemente, desenvolvidas mais pelo aspecto militar que pelo recreativo, ainda que este último não fosse descartado. Afinal, lançar dardos, cavalgar, lutar, saltar, correr velozmente, eram habilidades que contribuíam com eficácia para a formação de bons soldados. Eventualmente, como no caso da Antiga Grécia, os desportos tinham também um aspecto religioso - as competições realizavam-se em honra dos deuses, o que acabava sendo uma razão a mais para lutar até o limite das forças.
Bem diversos eram os combates de gladiadores nos circos romanos. Se um atleta grego competia pela honra dos deuses, de sua cidade e de si mesmo, os gladiadores já não tinham essa opção - não eram livres, mas escravos, e escravos obrigados a lutar até a morte. Nesse sentido, eram, sim, atletas, mas não desportistas, como hoje o entendemos.
Como tudo passa, passaram os Jogos Olímpicos, Panatenaicos, Ístmicos, e outros mais. Passaram também as lutas de gladiadores em Roma. Deles restaram apenas lembranças, particularmente nas esculturas que ainda assombram o mundo pela beleza e perfeição das formas, aliadas à certeza de que tais obras somente foram esculpidas porque eram reais os modelos em que seus autores se inspiraram.
Em tempos posteriores a negação do corpo tornou-se parte da visão de mundo dominante e, como resultado, a ideia das competições atléticas como exibição da beleza física sofreu um sério abalo. Ainda aconteciam competições, mas estas eram essencialmente relacionadas às habilidades militares e sempre disputadas com muita seriedade, de modo que as mortes de competidores não eram raras. A capacidade física era vista, nesse contexto, como um reflexo das virtudes morais que deviam compor o caráter de um autêntico guerreiro proveniente da nobreza.
Como tudo passa, passaram também as justas medievais. Ainda há, em alguns lugares, quem as realize, mas é só diversão, ao menos para quem assiste.
Aula de esgrima no Quartel da Luz para oficiais
da Força Pública de São Paulo.
Em virtude de sua aplicação militar, a esgrima é
esporte muito conceituado desde longa data. (¹)
Esportes, hoje, são vistos como um importante fator de saúde, parte essencial da educação dos jovens, além, é claro, do aspecto essencialmente competitivo no nível a que se denomina "de alto rendimento", que quase sempre envolve considerável importância econômica, como é o caso das grandes competições profissionais do futebol, tênis, basquete, hipismo, corridas automobilísticas, por exemplo. Ocorre que nem sempre foi assim, e talvez alguém se surpreenda com o fato de que, até meados do século XIX, a maioria das pessoas achava que os esportes eram coisa de crianças e de adultos infantilizados, ou de de gente exibicionista e suficientemente desocupada, com tempo de sobra para andar cultivando os músculos. Havia em alguns países, além disso, desde o século XVII, uma linha de pensamento religioso que considerava um pecado absurdo gastar tempo com esportes, quando coisas mais importantes, relacionadas à salvação da alma, é que deveriam ocupar a mente de pessoas ajuizadas e responsáveis.
Como tudo passa, passaram também as dúvidas quanto à sanidade mental dos desportistas, de modo que atividades físicas - como ginástica e natação - passaram a ser incluídas gradualmente nos programas educacionais, primeiro apenas para rapazes e, mais tarde, não sem um certo escândalo da sociedade, também para meninas. O certo é que, num conjunto de mudanças que sobrevieram em fins do século XIX e início do XX, associadas ao ritmo acelerado da urbanização e industrialização em muitos lugares, os velhos preconceitos relacionados aos esportes foram varridos pouco a pouco, para isso contribuindo bastante o renascimento do olimpismo, em especial desde os primeiros Jogos da era moderna, os de Atenas em 1896(²). Nesse aspecto (como em muitos outros...), o Brasil foi na onda, conforme veremos nas próximas postagens. (³)

(1) A CIGARRA, 21 de abril de 1915.
(2) Os Jogos de Atenas, celebrados em 1896, incluíram Atletismo, Ciclismo, Esgrima, Ginástica, Halterofilismo, Luta Greco-Romana, Natação, Tênis e Tiro, apenas para homens, já que o Barão Pierre de Coubertin tinha verdadeira alergia à presença de mulheres na competição.
(3) Já postei neste blog, há algum tempo, uma pequena série sobre o futebol no início do século XX, razão pela qual me deterei em outras modalidades.


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terça-feira, 28 de junho de 2011

O que Esopo tinha a dizer sobre as relações entre desiguais

Desde os dias da Revolução Francesa até o início do século XX houve, neste planeta, uma linha de pensamento bastante otimista, segundo a qual a humanidade estava indiscutivelmente progredindo, não apenas no plano científico (o que era evidente), mas também em questões mais sutis, ainda que não menos importantes, como a elevação do padrão de relacionamento entre pessoas, organizações e Estados. Embora a ocorrência de duas guerras mundiais tenha significado a derrocada dessa linha de pensamento, há ainda uns poucos que tentam eventualmente ressuscitá-la. Sim, é direito de cada um pensar o que quiser, fato que se constitui, aliás, em legado da já citada Revolução Francesa.
Uma fábula de Esopo (*) talvez ajude a esclarecer o assunto. Vamos, pois a essa historinha oriunda da Antiga Grécia.
Diz o relato de Esopo que um leão, rematado caçador, propôs um acordo a uma vaca, uma cabra e uma ovelha, de modo que tornar-se-iam sócios, caçando juntos e dividindo o que apanhassem. Envaidecidas pela proposta, as três herbívoras arvoradas em predadoras aceitaram prontamente. Consta que, depois de louca correria, capturaram um veado, o qual, conforme o pacto, deveria ser dividido entre os participantes da caçada.


Foi aí que a verdade se revelou. O leão, fazendo o que era compatível com sua natureza felina, partiu o veado em quatro partes, sob os olhares atentos das parceiras. Mas... Mas, longe de entregar a cada um o que se supunha devido, tomou o primeiro pedaço para si, por ser seu como membro do acordo, tomou o segundo, alegando que sua valentia fora, em grande parte, a responsável pelo sucesso da caçada, tomou o terceiro, sob a justificativa de que era o rei dos animais, oferecendo o quarto àquela que ousasse disputá-lo com ele.
Furiosas, vaca, cabra e ovelha quase explodiram em ira, sem, no entanto, poderem fazer qualquer coisa contra o leão. Termina aqui a fábula, vem agora a interpretação, na certeza de que meus ilustres leitores compreendem perfeitamente que Esopo não estava, por suposto, tratando de animais, e sim de homens.
Antes de mais nada, o que é que seres de natureza herbívora têm a fazer junto a um predador? Que igualdade pode nascer dessa desigualdade visceral? Ademais, a conclusão não poderia ser outra - pactos só devem ocorrer quando se tem a força necessária para fazê-los cumprir. Fora disso, é insanidade, seja no âmbito pessoal, institucional, internacional.
Então, leitor, que lhe parece: mudou muito a humanidade desde os antigos gregos? Alguma noção de progresso é aplicável, neste caso? Qual a sua opinião?

(*) Há uma interessante adaptação desta fábula por Monteiro Lobato, na qual figuram animais das matas do Brasil, mas a essência da narrativa é a mesma.


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domingo, 26 de junho de 2011

O uso de documentos históricos no trabalho do historiador

Como os historiadores sabem e interpretam o que aconteceu no passado? No que tange à maior parte do tempo histórico não é, certamente, por terem estado lá...
Para que um historiador possa refletir sobre um determinado acontecimento, ou mesmo encaminhar uma reconstituição, é preciso que haja documentos, relatos, provas, enfim, desse acontecimento, ou que ao menos sejam possíveis inferências a partir de outros fatos já conhecidos. Sem a existência de documentos comprobatórios é quase impossível uma abordagem científica. Máquina do tempo? Por enquanto, só mesmo em filmes e desenhos animados.
A lista de possíveis "documentos históricos" beira o ilimitado. Nela pode incluir-se qualquer coisa que ofereça informações úteis - obras literárias, artesanato, moedas, fotografias, restos de tecidos, antigas construções, registros cartoriais, diários, receitas culinárias, jornais, armas, móveis - vê-se facilmente que, nesse sentido, quase tudo poderia ser útil. Mas cabe aqui uma ressalva muito importante: por mais interessantes que sejam esses artefatos todos, eles não são a História, são apenas instrumentos que contribuem para que o trabalho do historiador seja possível. Nada, mas nada, mesmo, substitui a competência interpretativa de quem analisa os documentos para, a partir deles, construir uma imagem viável do passado.
Vejamos como, eventualmente, o estudo do passado pode ser comprometido por interpretações equivocadas.
Quando um historiador consulta autores antigos, é necessário ter o máximo de cuidado na análise do que escreveram. Nem sempre as coisas aconteceram exatamente como são descritas e somente o treino e a experiência conduzem a uma percepção apurada no sentido de identificar eventuais distorções dos fatos, sejam elas intencionais ou não.
Pode-se exemplificar a questão com a maneira usada pelos povos da Antiguidade ao narrar acontecimentos. Essas narrativas são, é claro, documentos históricos e, portanto, objeto de estudo dos historiadores, mas geralmente não podem ser tomadas ao pé da letra, se o que se pretende é obter uma interpretação apropriada. Por quê? Bem, os povos antigos não adotavam o mesmo conceito de História que nós e, por isso, suas narrativas são, quase sempre, entremeadas de coisas que consideramos ficção, mas que eles tinham na conta de realidade, como a interferência dos deuses nos acontecimentos humanos (os gregos eram ótimos nisso...). Outro fator significativo a ser considerado é a variedade de percepção do tempo em diferentes culturas, sem falar na enorme variedade de calendários, conceitualmente tão diversos do nosso. A propósito, é justamente em decorrência dessa dificuldade de compreensão do conceito de tempo, bem como do calendário de culturas muito diferentes da nossa que surgem, ocasionalmente, interpretações algo esdrúxulas, invocando supostas profecias e arrastando multidões crédulas e desinformadas a uma expectativa absurda de uma derrocada cataclísmica da Terra.
A conclusão inevitável disso tudo, leitor,  é que os humanos do século XXI acham-se muito sábios em relação aos das antigas civilizações, mas, surpreendentemente, gostam de preservar a mesma tendência de misturar fato e ficção, malgrado todo o avanço científico e tecnológico.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O desmatamento provocado pela agricultura no Período Colonial

Li, há pouco, uma notícia dando conta da preocupação de governantes brasileiros em fazer que os proprietários rurais assumam a responsabilidade pela recuperação de áreas que foram desflorestadas. Ora, leitor, se isso ocorrer - se - iremos ver este país na contramão de tudo o que já ocorreu no passado em termos de preservação de matas e florestas. Coisa óbvia, a colonização do Brasil se fez com base no desmatamento mais escandalosamente despreocupado. Isso não significa que não tenha existido ou não haja agora muita gente consciente, manejando os recursos naturais com responsabilidade, tratando de conciliar o máximo de produtividade na agricultura e na pecuária com a preservação de florestas que, de outro modo, estariam irremediavelmente perdidas. Mas isso, pelo menos até aqui, manifesta-se como exceção, e não regra.
Vejamos. Os engenhos de cana-de-açúcar do período colonial eram consumidores vorazes de quanta madeira se podia encontrar em suas proximidades. É de Antonil o seguinte informe:
"O alimento do fogo é a lenha, e só o Brasil com a imensidade dos matos que tem podia fartar, como fartou por tantos anos e fartará nos tempos vindouros, a tantas fornalhas, quantas são as que se contam nos engenhos da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, que comumente moem de dia e de noite, seis, sete, oito e nove meses do ano. E para que se veja quão abundantes são estes matos, só os de Jaguaripe bastam para dar lenha a quantos engenhos há  à beira-mar no Recôncavo da Bahia, e de fato quase todos desta parte só se provêm. Começa o cortar da lenha em Jaguaripe nos princípios de julho, porque na Bahia os engenhos começam a moer em agosto." (¹)
Não, não, padre Antonil, esses matos não eram eternos, quanto suas dimensões fariam supor. Escrevendo pouco mais de cem anos depois, outro sacerdote, Ayres de Casal, observou:
"As canas-de-açúcar, a mandioca, a planta do tabaco, os algodoeiros, são os principais ramos da agricultura, que tem feito diminuir tão consideravelmente as melhores matas." (²)
E, em outro trecho da mesma obra, informa Ayres de Casal:
"É pena ver derrubar uma árvore magnífica [...] só para se utilizar de algumas dúzias de frutos!" (³)
Penso que isto basta para dar uma ideia de quão criteriosa foi no passado a utilização dos recursos florestais. Não posso prever o futuro, mas posso advertir quanto às consequências do prosseguimento dessas práticas seculares. Neste caso, como em muitos outros, manter a tradição não será nenhuma virtude.


(1) ANTONIL, A. J. Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas. 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Sobre o inverno e suas consequências na República Velha

                                                                 O inverno envolto em mantos de geada
                                                                        Cresta a rosa de amor que além se erguera...
                                                                        Ave de arribação, voa, anuncia
                                                                        Da liberdade a santa primavera.
                                                                                Castro Alves, Adeus, Meu Canto

Hoje, 21 de junho, é, oficialmente, início do verão no Hemisfério Norte e do inverno no Hemisfério Sul. Por tradição, as festividades relacionadas ao Solstício de Verão sempre tiveram maior importância do que suas congêneres associadas ao Solstício de Inverno, o que é facilmente compreensível se tivermos em conta o fato de que as primeiras são celebrações associadas ao sol, à luz e aos dias tépidos, sempre mais apreciados que as longas (em alguns lugares longuíssimas) noites de inverno.
Ainda assim, no caso do Brasil, ao menos nas regiões em que há efetivamente uma estação que pode ser chamada de inverno, a época é agradável, não apenas pela óbvia associação às festas juninas, mas por uma série de pequenos prazeres que vêm junto com os dias frios, como é o caso das comidas típicas da época - sopas, fondues, chocolate quente...
Vale lembrar, porém, que já houve tempo em que a chegada dos meses mais frios era, a cada ano, uma fase de grande apreensão para fazendeiros e, por extensão, para governantes do Brasil, particularmente no Estado de São Paulo, no qual a agricultura cafeeira representava, até fins da década de 1920, um papel econômico preponderante. Expliquemos.
A maioria dos cafeicultores buscava capitais junto a instituições financeiras e, como é prática recorrente na agricultura, saldava seus compromissos com a venda da safra. Entretanto, em relação ao café, havia um problema gravíssimo, ou seja, a geada, que por vezes comparecia nos meses mais frios, o que no caso de São Paulo, equivale a dizer, a partir de maio. Nesse caso, um cafeicultor de levara três ou quatro anos formando um cafezal, esperando talvez a partir do quinto ano obter lucros, corria o sério risco de ver seu empreendimento fracassar sob uma eventual geada que podia danificar toda a safra, o que significava afundar em dívidas e até perder a propriedade. Daí o pavor que, nas décadas iniciais do século XX, quando as condições de previsão do tempo eram meramente empíricas, tomava conta dos agricultores quando a temperatura despencava, fossem eles pequenos proprietários ou grandes fazendeiros politicamente muito influentes.
Fato curioso é que, se a safra era ruim, devido às geadas, os cafeicultores tinham problemas, mas se era muito boa, havia problemas também. Por quê? Simples, a safra ruim trazia endividamento, a safra muito boa trazia superprodução e consequente queda nos preços de mercado, a despeito da intervenção estatal no sentido de frear a expansão dos cafezais e garantir o preço mínimo para o produto. Pode imaginar, leitor, o quanto a economia brasileira era refém do café, produto absolutamente dominante na pauta de exportações durante a República Velha!
Mudando levemente de assunto (você verá que quase nadinha), as primeiras décadas do século XX, com a nova realidade trazida pela imigração, foram marcadas por um crescimento - sutil, a princípio - no grau de consciência social. O país saíra, tardiamente, da lógica do escravismo, que muita gente considerava "natural", para uma nova situação em termos de relações de trabalho e de estratificação social. Assim, coisas que nem eram observadas com muito cuidado, começaram, aos poucos, a chamar a atenção. Veja, leitor, essa capa de uma edição de A Cigarra:


Quem quer que tome tempo para analisar as capas da revista em seus muitos números de anos anteriores verá o quanto era ousada a crítica embutida nessa edição (*). Era 1919. O mundo, não só o Brasil, passava por grandes transformações.

(*) Edição de sexta-feira, 1º de agosto de 1919. 
Observação importante: a crítica social contida na capa em análise não invalida o fato de que animais domésticos devem receber proteção adequada no inverno. Ao contrário de animais que vivem livres na natureza, eles não têm como procurar por si mesmos uma caverna para abrigo ou outra proteção qualquer, portanto precisam de nosso cuidado.


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domingo, 19 de junho de 2011

O vestuário dos escravos no Brasil - Parte 3

"Fazia de rainha Florência, que nesse dia triunfava sobre a rival, a mucama Rosa. O rei era o pajem de um ricaço da vizinhança; e todos os outros personagens, cativos das fazendas próximas.
O luxo que ostentavam fora pago, parte com as suas economias, e parte com dádivas dos senhores, cuja vaidade se personificava nos próprios escravos. Cada um desses ricos fazendeiros se desvanecia da admiração que sentia o povo pelas roupas vistosas que traziam galhardamente seus pajens, e pelos soberbos cavalos que eles meneavam com certo donaire."
José de Alencar, Til


Se, nos antigos engenhos açucareiros, os escravos eram, com frequência, deixados em situação precária quanto ao vestuário, nas fazendas de café, ao longo do século XIX, a situação variava, já que alguns senhores de escravos mais bem posicionados tanto social quanto politicamente começaram a preocupar-se com o que trajavam seus escravos, ao menos em eventos públicos. Tornava-se constrangedor que um fazendeiro poderoso permitisse que, diante da sociedade, seus escravos aparecessem usando pouco mais que trapos, principalmente quando serviam junto à família escravocrata, na sede da fazenda. Vale o mesmo para escravos que trabalhavam nas residências de figuras de destaque em áreas urbanas, particularmente na Corte. Assim, não são de todo incomuns as representações de época em que escravos aparecem bem vestidos, ao lado de seus senhores e/ou senhoras, como nestas cenas registradas por Debret:

Funcionário importante saindo a passear com a família. Os escravos acompanham. (¹)

Bebê branco é levado por escravos para ser batizado. (²)

Dama é levada por escravos em uma cadeirinha de arruar. (²)

Observe bem, leitor: há, apesar de tudo, um sinal óbvio de que eram escravos, e não libertos, por melhores que fossem as roupas. Já descobriu? A marca da escravidão está estampada no fato de que, devido à sua condição, não usavam sapatos.

(1) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, v. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, v. 3. Paris: Firmin Didot Frères, 1839. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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quinta-feira, 16 de junho de 2011

O vestuário dos escravos no Brasil - Parte 2

Ao longo do século XIX proliferaram os jornais, ao menos nas cidades mais importantes do Império do Brasil. Como ocorre ainda hoje, uma parte razoável dessas publicações era dedicada a anúncios e propagandas, que devidamente estudados fornecem informações muito interessantes sobre a época.
Entre os anúncios que se publicavam eram assíduos aqueles relativos a escravos que haviam fugido. Seguiam um certo padrão, informando coisas como nome do escravo e do proprietário, data e local de onde fugira, características físicas do escravo e, frequentemente, a roupa que vestia na ocasião da fuga. Selecionei alguns desses anúncios que transcrevo a seguir, a título de amostragem,  já que esclarecem qual era a roupa comum dos escravos, particularmente dos que trabalhavam em fazendas, em meados do século XIX. São uma fonte de informação mas, ao mesmo tempo, mostram com clareza parte do horror do escravismo, naquilo que tinha de pior: os tentáculos do esquema de captura daqueles que ousavam fugir.

"Em 12 de maio de 1852 fugiram [...] dois escravos:
Um mulato de nome Marcino [...], levou uma faca de cabo de prata e uma pistola garrucha, uma capa de pano escocês além de mais roupa fina [...].
Outro [...] levou chapéu de minas, capa redonda, um pala branco e outro pintado de lã usado e sem forro, um paletó de brim e mais roupa grossa e fina [...]."
(Aurora Paulistana, 27 de maio de 1852)

"50$000 de gratificação a quem aprender um escravo de nome José [...]: levou roupa de algodão e poncho velho de forro encarnado."
(Aurora Paulistana, 28 de julho de 1852)

"Fugiu no dia 4 de agosto corrente um escravo [...] de nome Sabino [...], levou paletó de pano azul, forrado de baetilha xadrez e calça de algodão azul trançado [...]."
(Aurora Paulistana, 21 de agosto de 1852)

"Em princípio de maio do corrente ano fugiram da fazenda [...] dois escravos [...].
1º Miguel [...] Quando fugiu levou vestido calça e camisa de algodão, camisa e coberta de baeta azul e um ponche velho, mas pode ter já mudado de traje.
2º Francisco [...] Quando fugiu levou vestido calça e camisa de algodão mas pode ter já mudado de vestuário. [...] Ambos eles têm sinais de terem sido castigados por serem muito fujões."
(Aurora Paulistana, 21 de agosto de 1852)

"Fugiu [...] um escravo crioulo de nome Gabriel [...] com um sinal de gancho no pescoço e outro no pé defronte do tornozelo. Levou consigo um ponchinho velho e sem forro, duas camisas das quais uma de algodão, por baixo de uma de baeta azul, levou também calça de algodão da terra e um chapéu de pano branco velho e já rasgado."
(Aurora Paulistana, 29 de agosto de 1852)

"Fugiu [...] um escravo mulato de nome Amaro [...], foi vestido de camisa e calça de algodão, chapéu de palha, levou um poncho de pano azul e forro de baeta da mesma cor, e igualmente levou uma foice."
(Aurora Paulistana, 25 de outubro de 1852)

"Fugiu [...] um escravo de nome Antônio [...], levou uma baeta azul, roupa fina e grossa, chapéu de palha [...]."
(Aurora Paulistana, 25 de outubro de 1852)

"Fugiu em princípios de setembro deste ano [...] um escravo mulato de nome Mariano [...] levou uma pistola, uma faca, cartucheira com fivela de prata e vestido um poncho de forro vermelho, calça de algodão riscado, chapéu branco de copa redonda."
(Aurora Paulistana, 23 de dezembro de 1852)

"Gratifica-se generosamente a pessoa que apreender o escravo mulato de nome Belisário [...].
Esse escravo fugiu [...] trazendo camisa de chita e calça de casimira e cobertor francês branco. "
(Correio Paulistano, 5 de fevereiro de 1867)

Percebe-se facilmente uma regularidade - tecidos de algodão para calças e camisas, a recorrente camisa de baeta azul, poncho vermelho, algum tipo de chapéu. É de se notar que, na região serrana do Rio de Janeiro e em São Paulo, parte da indumentária comum aos escravos era um poncho de tecido espesso e resistente, em virtude das noites frias do inverno, embora essa peça não figurasse sempre entre os cativos que viviam regiões mais quentes. Podem ser percebidas algumas outras variações nos anúncios, mas eventuais discrepâncias não significam uma obrigatória variante do padrão, já que as roupas adicionais que um escravo levava ao fugir não tinham,  necessariamente, que ser suas. Em caso de fugas planejadas, um escravo podia tentar ocultar algumas peças durante certo tempo, a fim de ter como substituir as vestes usadas ao escapulir, o que aumentaria um pouco a probabilidade de sucesso em ocultar-se dos caçadores de recompensas que certamente iriam procurá-lo.


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terça-feira, 14 de junho de 2011

O vestuário dos escravos no Brasil - Parte 1

Não é tarefa simples detalhar o que vestia a "gente comum" no período colonial, já que, sob muitos aspectos, há uma falta crônica de fontes documentais. Uma vez que a maioria das pessoas não sabia escrever, também não podia deixar anotações, diários e outros papéis que, de outro modo, seriam fontes preciosas de informação. Arquivos ainda existentes são, quase sempre, incompletos e tiveram, por muito tempo, conservação inadequada, o que significa dizer, bem claramente, que em muitos casos os documentos restantes são ilegíveis e, por isso mesmo, virtualmente inaproveitáveis. Em um cenário desses, entende-se que determinar o que vestiam os escravos não é muito fácil.
Temos, no entanto, alguns testemunhos que ajudam a iluminar a questão. Um deles vem de André João Antonil, padre jesuíta que repreende os senhores de engenho que não dão vestuário adequado a seus escravos:
"Se o negar esmola a quem com grave necessidade a pede, é negá-la a Cristo Senhor nosso, como ele diz no Evangelho, que será negar o sustento e o vestido ao seu escravo? E que razão dará de si quem dá serafina e seda e outras galas às que são ocasião da sua perdição, e depois nega quatro ou cinco varas de algodão e outras poucas de pano da Serra a quem se derrete em suor para o servir, e apenas tem tempo para buscar uma raiz e um caranguejo para comer?" (¹)
Desse trecho extraímos algumas informações importantes, como o tipo de tecido de que se fazia a roupa de um escravo que tinha a "boa sorte" de ter um senhor que se preocupava com isso (algodão e pano da Serra, ou seja, tecidos de baixo preço) e a quantidade fornecida (quatro ou cinco varas, lembrando que uma vara corresponde a 1,10 m). Pelo mesmo trecho ficamos sabendo que no cenário colonial havia, eventualmente, outros tecidos disponíveis (seda e serafina, um tipo de tecido de lã estampada), bem mais sofisticados, mas seu destino, como Antonil sugere, era outro.
Acontece que há um outro lado a observar. Se é verdade que, a partir da obra de Antonil podemos deduzir que, pelo menos nos engenhos, havia escravos submetidos a andar maltrapilhos, sabe-se também que a indumentária da população colonial pobre não era, igualmente, das mais favoráveis - desse assunto teremos oportunidade de tratar futuramente, em outra postagem.
O livro de Antonil tem sua edição datada de 1811, no início do século XVIII. Já no século XIX, mais precisamente em 1º de maio de 1822, Saint-Hilaire (naturalista francês que percorreu boa parte do Brasil), anotou ter encontrado um grupo de "escravos novos", ou seja, aqueles recentemente chegados da África, em um rancho de tropeiros, a caminho de uma fazenda onde deveriam trabalhar. Diz ele:
"[...] No rancho ainda permanecia um lote de negros e negras novos que um feitor conduzia a uma fazenda vizinha de Resende.
Todos eles usavam roupa nova e as mulheres tinham para vestir-se uma coberta de pano azul. Trajavam camisa de algodão e saia de cor, os homens punham carapuça de lã vermelha, camisa e calção de algodão grosso. Ontem ao anoitecer estenderam esteiras no chão e deitaram-se uns ao lado dos outros, envoltos em cobertores." (²)
Percebe-se facilmente uma grande diferença entre o que deve ter visto Antonil nos engenhos de açúcar e o que registrou Saint-Hilaire. O que não se se sabe, nesse caso, é quanto tempo se esperava que essas roupas novas durassem. Afinal, Debret, em obra mais ou menos contemporânea, registrou tanto escravos com roupas rasgadas como outros até bem vestidos.  Não que a situação dos escravos houvesse melhorado muito, mas é fato que, gradualmente, alguns senhores começaram a achar constrangedor que seus escravos andassem em trapos. Prover roupas decentes não era, portanto, simplesmente uma questão de humanidade. Era a honra dos escravocratas que estava em jogo.

Mercado de escravos do Valongo, de acordo com Debret (³).
Observe o vestuário dos escravos: a imagem é mais poderosa que quaisquer palavras!

(1) ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, pp. 26 e 27 na edição original de 1711.
(2) SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Ed. Senado Federal, 2002, p. 125.
(3) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique ao Brésil Tomo 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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domingo, 12 de junho de 2011

Nozinhos de Santo Antônio

Li há poucos dias um trechinho bem interessante de Machado de Assis, que me deu o que pensar. Compartilho-o com você, leitor:
Indague quem quiser o motivo histórico deste foguetear os três santos, uso que herdamos dos nossos maiores; a realidade é que, não obstante o ceticismo do tempo, muita e muita dezena de anos há de correr, primeiro que o povo perca os seus antigos amores. Nestas noites abençoadas é que as crendices sãs abrem todas as velas. As consultas, as sortes, os ovos guardados em água, e outras sublimes ridicularias, ria-se delas quem quiser; eu vejo-as com respeito, com simpatia, e se alguma coisa me molestam é por eu não as saber já praticar. Os anos que passam tiram à fé o que há nela pueril, para só lhe deixar o que há sério; e triste daquele a quem nem isso fica: esse perde o melhor das recordações. (*)
Veja, Machado (em 1878, que fique bem entendido) diz que muito tempo haveria de passar até que o povo perdesse o encanto pelas superstições relacionadas aos festejos juninos. Minha pergunta é: isso já aconteceu?
Não tenho como discutir o que seguramente persiste em ambientes rurais. No entanto, nos conglomerados urbanos, já é outra coisa. Há festas juninas por toda parte, incluindo escolas e clubes, mas são movidas por propósitos que vão desde a simples necessidade de convívio social até o imperativo do levantamento de fundos para alguma causa filantrópica. Não se incluem, portanto, no panorama da preservação pura e simples de tradições populares, que é o objeto de nossa investigação. Quero lembrar, por outro lado, que não estão em discussão aqui as crenças e práticas estritamente religiosas de quem quer se seja, mesmo porque não fazem parte do campo de atuação deste blog.
Mastro de Santo Antônio, encontrado ao lado
da capelinha a que a postagem se refere
Ora, em busca de algum vestígio das ditas tradições a que poderíamos chamar "folclóricas", lembrei-me de que, há muitos anos, em um colégio da cidade em que morava, havia um grupo de alunas que, para levantar recursos para a festa de formatura, vendia "nozinhos de Santo Antônio". Eram pedaços de fita pelos quais pagava-se uma pequenina quantia, nos quais devia o(a) comprador(a) dar um nó enquanto pronunciava o nome da "pessoa amada", que, supunha-se, estaria devidamente amarrada também. Após esse procedimento, as fitas eram devolvidas às vendedoras, que assumiam o solene compromisso de, no dia de Santo Antônio (13 de junho), levá-las à capela correspondente, para assegurar que o santo obrasse em favor dos donos ou donas das fitas. O mais engraçado é que, em consequência desse cínico ritual, havia infelizes que eram amarrados por duas, três ou mais pessoas, resultando daí um verdadeiro nó que Santo Antônio dificilmente poderia desatar!
Pode parecer um arroubo de ceticismo, mas quis voltar à tal capelinha de Santo Antônio, não para desatar alguém - jamais me dei ao trabalho de brincar com essa tolice, por mais que colegas insistissem - mas para verificar se Machado tinha ou não razão. Achei a igreja fechada, o que é significativo, pois em outros tempos, nos dias que antecediam 13 de junho, havia muita gente por lá o tempo todo, tanto que as emissárias dos nozinhos tinham uma certa dificuldade em depositá-los aos pés da imagem do santo que se acreditava casamenteiro. E, embora uma faixa na entrada avisasse que haveria quermesse em honra de Santo Antônio, o cenário, para dizer a verdade, não era de entusiasmar. A conclusão óbvia é que, ao menos ali, é bem possível que uma ou outra pessoa ainda se atenha às velhas tradições, mas, como regra geral, elas desapareceram. Não tenho motivo para crer que a situação seja muito diferente em outros centros urbanos.
Então, leitor, se era esse tipo de prática que Machado de Assis tinha em mente, acho que é até de se comemorar que tenha declinado. Talvez estejamos precisando muito nesse país de uma boa dose de fria racionalidade em lugar de crendices, por mais românticas que pareçam. Entretanto, é bom dizer que isso não precisa atingir os doces das festas de junho, particularmente o de batata-doce, meu favorito. Eis aí uma tradição digna de longevidade!

(*) Notas Semanais, 16 de junho de 1878.


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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Por que tardou a descoberta de ouro no Brasil Colonial

Se havia alguma coisa que os conquistadores portugueses desejavam, acima de qualquer outra, encontrar em terras brasileiras, era ouro, sem dúvida. Isso desde os primeiros momentos da colonização. No entanto, como qualquer escolar sabe muito bem, a descoberta de ouro demorou quase duzentos anos para ocorrer - uma eternidade, se forem consideradas as necessidades prementes da Metrópole lusitana.
A questão é: Por quê?
Antes de mais nada, diante do imenso território brasileiro completamente desconhecido, pode-se dizer que os exploradores procuravam metais preciosos como se tivessem os olhos vendados. Para quem ousava enfrentar o desconhecido, as florestas e rios pareciam sempre iguais e, nessa situação, como identificar territórios já percorridos? Verdade é que indígenas escravizados mostravam muitas vezes as rotas que conheciam no "sertão", mas com os recursos técnicos da época era muito difícil, senão impossível, que homens rudes (como eram quase sempre os colonizadores) pudessem traçar mapas precisos, permitindo o retorno a um lugar que se considerasse com bom potencial aurífero. Diante disso, era comum que bandeirantes retornassem a São Paulo, ao final de uma expedição de apresamento de índios, contando maravilhas sobre supostas riquezas do interior, mas voltar ao local descrito era tarefa cujo sucesso, em grande parte, dependeria mais da sorte do que de qualquer outro fator. Deve-se acrescentar ainda que supostos especialistas na prospecção de metais preciosos, enviados ao Brasil por ordem da Coroa, mostraram-se em absoluto ineptos para a tarefa que deles se esperava.
Imagem idealizada de um bandeirante, de
acordo com monumento na cidade de Amparo - SP
Alguém levantará talvez a questão de que, nesse aspecto, os espanhóis obtiveram precocemente sucesso, por oposição ao que ocorria com os portugueses em terras do Brasil (ou que viriam a ser reconhecidas como sendo do Brasil posteriormente, já que não o eram pelo Tratado de Tordesilhas). Deve-se notar, todavia, que se é fato que as terras de Espanha renderam logo metais preciosos, isso é devido em grande maneira ao fato de que os invasores depararam-se com civilizações muito complexas e, sob muitos aspectos, tecnologicamente desenvolvidas, que não apenas conheciam as jazidas mas já as exploravam sistematicamente, o que facilitou muito o processo de "descobrimento".
Finalmente, é bom frisar que os famosos bandeirantes de São Paulo não estavam, a priori, tão interessados em achar ouro quanto em "descer índios" do sertão, que não apenas escravizavam para trabalhar em suas lavouras como também vendiam para outras regiões do Brasil. Foi somente com a insistência dos monarcas portugueses que alguns se dispuseram a procurar ouro e pedras preciosas, uma atividade para a qual não tinham quase nenhum conhecimento. É amplamente sabido que nessa empreitada os poucos escravos africanos que acompanhavam as bandeiras tiveram papel importante, já que conheciam métodos de extração de ouro em rios e córregos, coisa ignorada por seus senhores.
Há depoimentos que dão conta de que, na região de Cuiabá, chegou-se inicialmente a escavar a terra com pedaços de pau e até com as mãos para retirar ouro. Mais divertido ainda só mesmo o relato de que o bandeirante Antônio de Almeida Lara teria descoberto uma considerável quantidade de ouro, virtualmente à flor da terra... ao cair do cavalo.


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terça-feira, 7 de junho de 2011

Da Índia? Não, da América do Sul!



Pode parecer estranha a presença destes simpáticos roedorezinhos em um blog dedicado à História e assuntos correlatos. Mas não é. Os europeus que chegaram à América em fins do século XV supunham que haviam encontrado um caminho para as Índias navegando para o Ocidente e, em sua essência, a ideia era correta, não fosse pela existência de um "pequeno obstáculo" na rota, ou seja, o Continente Americano. Por essa razão, durante algum tempo, espécies animais e vegetais originárias da América foram chamadas "da Índia" ou "das Índias" e, em alguns casos, o nome equivocado sobreviveu, como ocorre com o porquinho-da-índia, cuja designação incorre em erro tanto taxionômico quanto geográfico, já que o serzinho herbívoro não é nem porco, nem da Índia...
Há evidências de que o porquinho-da-índia (Cavia porcellus) é originário dos países andinos, preferindo viver em áreas de vegetação rasteira. Ocorre que, pela época da invasão espanhola ao Império Inca, comandada por Francisco Pizarro, já era domesticado e criado em cativeiro e,  ritualmente, era sacrificado sempre que se desejava obter dos deuses colheitas satisfatórias, além de servir de complemento à alimentação das camadas mais pobres. Sabe-se também que causou sensação ao ser levado à Espanha, do mesmo modo que muitas outras espécies até então desconhecidas na Europa. Usados em laboratórios para experimentos científicos, os porquinhos-da-índia têm hoje muitos admiradores, de preferência não mais como especialidade culinária (assim espero), mas como animaizinhos de estimação. Ótimo! Portanto, longa vida aos porquinhos-da-índia (o que, nessa espécie, significa mais ou menos uns sete anos).

Paciente e herbivoramente, esse espécime devora seu alimento...



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domingo, 5 de junho de 2011

Abastecimento de água - sistema de abastecimento inaugurado em Piracicaba em 1887

Fachada do Museu
da Água de Piracicaba
Como tornar viável a captação da água de um grande rio, levando-a até os moradores de uma cidade? Um modelo interessante de resposta a essa questão foi inaugurado em Piracicaba - SP, em 26 de maio de 1887, ou seja, há recentemente completos 124 anos.
Arranjos feitos pela Câmara Municipal com empresários (Frick e Zanotta) conduziram à concretização do projeto de retirar água do rio Piracicaba e bombeá-la para a cidade, numa iniciativa que era bastante moderna para o Brasil da época.

Vista do aqueduto que fazia parte
das instalações
inauguradas em 1887
A estação de captação e bombeamento foi construída ao lado do famoso "véu da noiva" (salto do Piracicaba), com as edificações necessárias para comportar todo o maquinário exigido. Atualmente, funciona no local o Museu da Água, que certamente vale uma visita, por mostrar não somente as instalações e máquinas da época como também outros equipamentos usados ao longo do século XX. Há, além disso, aquários nos quais podem ser observados peixes do rio Piracicaba, tudo muito organizado e com explicações facilmente compreensíveis. É, sem dúvida, um belo exemplo de preservação do patrimônio histórico, sem descuidar da instrução quanto a questões da atualidade, como é o caso da utilização responsável dos recursos hídricos.

Interior do aqueduto, Museu da Água de Piracicaba

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Abastecimento de água - dos aguadeiros às torneiras públicas

Na postagem anterior referi a existência de grandes chafarizes na maioria das cidades coloniais brasileiras. Certamente esse não era o único modo de suprir as necessidades de água nos núcleos urbanos, daí incluírem-se, portanto, entre outros meios, os poços e fontes naturais, quando elas estavam disponíveis.
À medida que as cidades cresceram em população, outras opções tiveram de aparecer. Na Capital do Brasil Império, a cidade do Rio de Janeiro, bem como em outros lugares, os aguadeiros, geralmente escravos, eram encarregados de buscar água em grandes tonéis, atendendo à casa em que serviam ou então, o que não era incomum, vendendo água nas ruas. Com isso, quem não tinha um escravo e também não queria ir buscar água, tinha a possibilidade de comprar de alguém que fazia a venda de porta em porta. Não é sequer necessário lembrar que, com o declínio do sistema escravista, tal forma de abastecimento de água também começou a desaparecer.
As alternativas variaram bastante, mas a tendência geral foi buscar (ao menos nas localidades mais progressistas, beneficiadas pela fase dourada da economia cafeeira), algum método que contemplasse simultaneamente o abastecimento do maior número de pessoas com um padrão considerado satisfatório de higiene (esse assunto começava a entrar em pauta), envolvendo algum tipo de canalização de água, a partir do que se esperava que a rede viesse, por iniciativa da comunidade, a estender-se amplamente. Foi nesse quadro que muitas cidades tiveram as torneiras públicas, que os moradores continuavam a chamar de chafarizes, mas que tinham um aspecto bem diferente daquele exibido pelos congêneres do século anterior.
Para quem se interessar pelo assunto e quiser ver pessoalmente, localizei três dessas torneiras públicas que ainda podem ser vistas, em diferentes estados de conservação, conforme as fotos abaixo evidenciam. Estão situadas nas cidades paulistas de Jaguariúna, Amparo e Socorro.

1.Torneira pública de Jaguariúna


Das três, é a que está em pior estado, fora do lugar em que foi originalmente instalada e, para quem desconhecer o assunto, dificilmente lembrará a utilidade que já teve. Pode ser vista junto à parada de ônibus ao lado da Matriz Centenária de Santa Maria . Data de 1902.

2. Torneira pública de Amparo


As torneiras públicas de Amparo datam de c. 1897. Uma delas está no Jardim Público (também do século XIX) e ainda é utilizada. Merece bem uma restauração. Água encanada, em Amparo, foi usada a partir de 1902.

3. Torneira pública de Socorro


É, de longe, a mais bem conservada. Muito bonita, esteve em uso nos inícios do século XX. Funciona perfeitamente.