quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A volta de D. João VI a Portugal

O rei se foi, o príncipe D. Pedro ficou como regente


Assinatura de D. João VI (¹)
De má vontade, mas cumprindo o desejo das Cortes de Lisboa, D. João VI deixou o Brasil, rumo a Portugal, em abril de 1821, levando consigo parte da gente que com ele viera em 1808. Nem todos, é claro, decidiram voltar, porque haviam se estabelecido no Brasil e não previam tempos fáceis para a monarquia portuguesa. Ficou no Rio de Janeiro, também, o jovem príncipe D. Pedro, na condição de regente.
Em São Paulo, a notícia da partida do rei foi seguida de preces, um tanto tardias, em favor dos membros da família real durante a travessia do Atlântico, assim registradas em Ata da Câmara:
"Aos dezoito de maio de mil oitocentos e vinte e um, nesta cidade de São Paulo e casas da Câmara [...], aonde foram vindos o doutor juiz de fora presidente Nicolau Siqueira de Queirós, vereadores e procurador atual, e daqui saíram todas as tardes antecedentes cobertos com o real estandarte desde o dia quatorze até hoje, para irem assistir às preces que [...] fazia o excelentíssimo bispo pela feliz viagem de el-rei nosso senhor e sua real família para a corte de Lisboa [...]." (²)
A demora no início das preces pode ser facilmente explicada pela lentidão com que as notícias circulavam na época, principalmente quando se tratava de comunicações oficiais. De boca em boca, não tenham dúvida, leitores, as novidades circulavam um pouco mais depressa.
No dia seguinte (em 19 de maio de 1821, portanto), outro serviço religioso requereu a atenção dos camaristas de São Paulo, dessa vez em ação de graças, por nada menos que a regência de D. Pedro: "[...] saíram incorporados cobertos com o real estandarte para irem à Sé Catedral assistirem ao Te Deum que na mesma cantou o excelentíssimo bispo, em ação de graças ao Todo-Poderoso por se achar regendo este Reino do Brasil o senhor príncipe Dom Pedro de Alcântara [...]". Poder-se-ia argumentar que tudo isso fazia parte das formalidades usuais naqueles dias, mas é fato que o príncipe, era (ainda) alvo de admiração e de grandes expectativas por parte da população. Ninguém podia prever o papel que iria desempenhar no processo de independência, mas havia certo interesse em mantê-lo favorável à causa do Brasil, ainda que uma ruptura com Portugal não estivesse abertamente em pauta. Completou-se a demonstração pública de agrado com o regente pela colocação de luminárias nas janelas nos dias 20, 21 e 22 de maio (³).
Como exercício de história contrafactual, pode-se indagar o que teria acontecido se D. João houvesse teimado em permanecer no Brasil. Como teriam reagido as Cortes? E se D. João, deixando de lado a lentidão em decidir, houvesse resolvido, ele mesmo, liderar a ruptura dos vínculos entre Brasil e Portugal, fazendo-se rei de uma nova nação independente, em lugar de encarregar o filho dessa tarefa? Se... Conjecturas, conjecturas, nada mais que isso. 

(1) Cf. SOUSA, A. D. de Castro e. Fac-símiles das Assinaturas dos Senhores Reis, Rainhas e Infantes que Têm Governado Este Reino de Portugal Até Hoje. Lisboa: Imprensa Nacional, 1848.
(2) Todos os trechos de Atas da Câmara de São Paulo aqui citados foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável à compreensão.
(3) Conforme Ata da Câmara de 26 de maio de 1821.


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quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Elevação do Brasil a Reino Unido com Portugal e Algarves

Bandeira do Brasil como Reino Unido
a Portugal e Algarves (²)
A data oficial da elevação do Brasil a Reino Unido com Portugal e Algarves é 16 de dezembro de 1815. Nessa ocasião, formalmente saía do status de Estado do Brasil para se tornar, também formalmente, parte do Reino, até porque, nesse tempo, a capital da monarquia lusa estava, temporariamente, instalada na cidade do Rio de Janeiro. Ainda formalmente, D. Maria I detinha a Coroa (¹), mas quem de fato tinha o poder de decisão era seu filho D. João, príncipe regente. 
Mas, como já expliquei aqui no blog, nesse tempo, e até muito depois, as notícias andavam um tanto devagar, de modo que foi somente em 24 de janeiro do ano seguinte, 1816, que a Câmara de São Paulo decidiu enviar representantes que beijassem a mão do príncipe regente D. João por tão valiosa decisão:
"[...] Na mesma [vereança] se acordou de mandar uma deputação beijar a mão a Sua Alteza Real pela mercê de ter elevado o Brasil à graduação de Reino, e pedir ao mesmo senhor para ser solenizado o dia 16 de dezembro com uma festa na catedral desta cidade [...]." (³)
A questão, agora, era resolver quem seriam os indicados para a honra de beijar a mão do príncipe. Questão discutida, decisão tomada: "[...] nomeou para deputados o atual vereador, o tenente Antônio Cardoso Nogueira, e ao pretérito vereador, o tenente Antônio Francisco Gonçalves dos Santos Cruz [...]". Supõe-se que D. João, que parecia ser tolerante, e até gostar das longas filas de beija-mão, tenha apreciado a homenagem.

Uma dentre as várias moedas que circularam no
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (⁴)

Em 21 de fevereiro de 1816 a Câmara de São Paulo lembrou-se ainda de enviar ao Rio de Janeiro um ofício sobre o mesmo assunto:
"Nesta enviou-se um ofício a Sua Alteza Real, e outro ao senhor Marquês de Aguiar, que esta Câmara manda em agradecimento de Sua Alteza Real dignar-se elevar estes Estados do Brasil a Reino. [...]". Seria apenas mais uma formalidade, entre as muitas que cercavam a realeza, a não ser por uma razão: a elevação do Brasil a Reino, quando a sede da monarquia ainda se encontrava no Rio de Janeiro, estava, aos poucos, pavimentando o caminho da independência política, da ruptura com o domínio português. Mas isso sabemos nós, que vivemos mais de duzentos anos depois. Não era consciência geral na época, ainda que seja razoável admitir que alguns a tivessem.

(1) Restava-lhe pouco tempo nessa dignidade: faleceu em 20 de março de 1816.
(2) Cf. SOUSA, Alberto. Os Andradas, Vol. 1. São Paulo: Tipographia Piratininga, 1922. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 
(3) Os trechos de atas da Câmara de São Paulo aqui citados foram transcritos na ortografia atual, com adição da pontuação indispensável à compreensão.
(4) Cf. FERNANDES, Manuel Bernardo. Memória das Moedas Correntes em Portugal, Desde o Tempo dos Romanos Até o Ano de 1856. Lisboa: Tipographia da Academia, 1856, p. 301. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Por que espartanos não deviam visitar outros lugares

Geralmente se considera que viajar para conhecer lugares novos e outras culturas é um modo excelente de se obter instrução. Gregos da Antiguidade foram notáveis pelo gosto que tinham por viagens. Não os espartanos, porém, e por razão que se atribuía a uma ordem dada pelo legislador Licurgo, conforme Plutarco (¹) explicou em Vitae parallelae:
"Licurgo não admitia que espartanos viajassem livremente de um lugar a outro. Pensava que se andassem por outros lugares, acabariam deixando de lado os costumes sóbrios que haviam aprendido e tomariam conhecimento das futilidades, hábitos e formas distintas de governo entre outros povos. Assim acabariam se tornando corruptos e, finalmente, ensinando essas coisas a outros espartanos, poriam a perder sua cidade." (²)
É fácil concluir que uma regra assim tinha como objetivo impedir o contato, por exemplo, com cidades sob regimes menos rígidos - democracias, por exemplo. Há, inclusive, quem atribua a Guerra do Peloponeso, ao menos em parte, a um confronto ideológico entre cidades sob regime democrático e outras dominadas por oligarquias.
A proibição, contudo, ia mais longe. Não só os espartanos livres, inclusive homens adultos (esparciatas) estavam proibidos de fazer turismo perto ou longe, como fazia-se todo o possível para que estrangeiros não pusessem os pés em Esparta, não fosse o caso de algum espírito novidadeiro fazer perguntas demais, repetir a conversa aqui e acolá e, indo a coisa adiante, suscitar uma rebelião. Oficialmente, no entanto, ainda conforme Plutarco, o motivo era outro: estrangeiros não deviam ser admitidos em Esparta porque poderiam trazer doenças.
O lado intrigante disso tudo, se as palavras de Plutarco forem dignas de crédito, é que o próprio Licurgo havia sido um peregrino incansável pela região mediterrânica, antes de retornar a Esparta para ditar-lhe as leis. Com o propósito de conhecer como eram governadas as diferentes localidades, viajara muito, fizera observações, tomara nota daquilo que parecia interessante e só então iniciara as reformas que instituíram a legislação que é conhecida sob seu nome. Viajar fora útil, até indispensável para ele. Para gente comum, achou melhor proibir.

(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) PLUTARCO. Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.


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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Faiscadores de ouro

Talvez seja prudente começar explicando que faiscador era o nome dado ao indivíduo, fosse escravo ou livre, que, mesmo com poucos recursos, procurava ouro por conta própria em áreas de mineração consideradas de baixo rendimento. Escravos faziam isso nas horas de folga (aos domingos, por exemplo), e, com sorte e economia, podiam chegar a ter o bastante para comprar a liberdade. Entre os homens livres, havia muitos faiscadores que faziam da procura do ouro sua principal atividade, tirando daí o sustento para si e para a família. Não se esperava, como regra, que uma ocupação assim tornasse alguém rico, embora casos isolados de enriquecimento possam ter existido.
Faiscadores geralmente trabalhavam sozinhos, sem o auxílio de equipamentos que facilitassem o trabalho. Segundo o barão de Eschwege (¹), era este o procedimento típico de um faiscador: 
"[...] O faiscador entra no rio até que a água lhe chegue aos joelhos, levando uma bateia maior, de três a três palmos e meio de diâmetro. Com os joelhos antepostos e os maiores esforços, mergulha e enterra a bateia no cascalho. [...] extrai e agita os seixos soltos, de modo que são levados pela correnteza, enquanto os grãos de ouro se concentram na bateia.
[...] O ouro, que se concentra na parte afunilada da bateia, isto é, no fundo, é lavado com pouca água e guardado na bolsa de couro, presa à cintura do faiscador." (²) 
Era trabalho, portanto, dos mais penosos. Não obstante, em 1815, de acordo com Eschwege, mais era o ouro obtido anualmente pelos faiscadores, que aquele que se extraía em minas cujos proprietários dispunham de escravos e equipamentos. 
Não havia, oficialmente, faiscadores de diamantes no tempo colonial. Isto é, não deveria haver, porque as jazidas de diamantes foram, durante muito tempo, monopólio da Coroa e, portanto, era proibido que particulares nelas entrassem para mineração. Há certo consenso, porém, de que maior era a quantidade de diamantes contrabandeados do Brasil que aquela enviada formalmente ao Reino. Não se criam leis para proibir aquilo que ninguém faz (ou que ninguém tem interesse em fazer). O Brasil era simplesmente grande demais para que faiscadores fossem vigiados, ainda que esporadicamente algum faiscador de diamantes fosse capturado e pagasse pela transgressão própria e de muitos outros.


No começo do Século XX


A foto abaixo (³) mostra a lavagem do ouro no começo do Século XX, sem grandes novidades em relação aos cem ou duzentos anos anteriores. 

Lavagem do ouro, começo do Século XX (3).

(1) Wilhelm Ludwig von Eschwege veio ao Brasil a convite do governo joanino, para estudar o que poderia ser feito para revitalizar as minas já decadentes.
(2) ESCHWEGE, Wilhelm Ludwig von. Pluto Brasiliensis. Brasília: Senado Federal, 2011, pp. 254 e 255.
(3) Cf. VALLENTIN, W. In Brasilien. Berlin: Hermann Paetel, 1909. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog. 


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