Ao contrário de outras cidades gregas, Esparta nunca se destacou por grandes obras arquitetônicas, nem por belas esculturas e tampouco teve, entre seus cidadãos, um grande número de notáveis na literatura. Com a economia fundamentada na agricultura por meio do trabalho compulsório, aos homens livres era atribuída a administração da cidade-Estado e, mais que isso, o preparo contínuo para a guerra. A educação dos meninos espartanos era, portanto, centralizada na formação de guerreiros fortes e disciplinados, que valorizavam as tradições ancestrais a ponto de não questioná-las. Supunham que somente com a perpetuação dos velhos costumes seria possível assegurar a grandeza da cidade.
Uma vez que as crianças nascidas em Esparta eram consideradas pertencentes ao Estado mais que a seus pais, era às autoridades locais, os anciãos, que competia, em última instância, a decisão sobre a educação dos meninos. De acordo com Plutarco (¹), essa prática começou com Licurgo, o legislador semilendário de Esparta, em cuja biografia escreveu: "Educar os meninos era [para Licurgo] a mais importante ocupação [...]" (²).
O procedimento adotado era deixar que, até os sete anos, ficassem os meninos com os pais e, depois disso, passassem a viver em comunidade, para que recebessem uma educação militar: "Até que completassem sete anos os meninos permaneciam com seus pais, para aprender coisas necessárias aos que nasciam livres, assim como os fundamentos de escrita e leitura. Logo que chegavam aos sete anos eram levados diante de Licurgo, que os encaminhava no aprendizado daquilo que parecia mais apropriado às suas tendências naturais. Licurgo os observava individualmente, para que aprendessem aquilo em que mais poderiam se destacar" (³).
Uma leitura desavisada das palavras de Plutarco pode dar a ideia de que a intenção era encaminhar cada menino para uma profissão diferente, de acordo com suas aptidões. Não, não era bem isso. Faziam exercícios físicos extenuantes, desenvolviam o gosto pelas lutas, eram ensinados a suportar castigos sem choro ou lamentações, aprendiam a tolerar o frio e o calor excessivos, a fome e o cansaço, para que na guerra nada lhes parecesse demasiadamente penoso. Procurava-se descobrir quais dentre os futuros cidadãos tinham virtudes de liderança, e quais os que seriam melhores simplesmente obedecendo. Era dada a eles a oportunidade de administrar a justiça no grupo de sua idade, assim como de tomar decisões semelhantes às que deveriam fazer em relação à cidade quando adultos. Era, pois, uma educação vocacional, mas não no sentido que costumamos aplicar ao termo na atualidade.
Talvez sejamos tentados a julgar essa educação tão severa e precoce. Seria correto impor tal coisa às crianças? Ou consistiria em gravíssimo erro? Plutarco, o biógrafo de Licurgo, parece tê-la aprovado: "Para Esparta havia muito proveito nesses exercícios, porque aos meninos eram vedados os jogos e brincadeiras da infância que de nada valem e até podem ser prejudiciais, em uma idade em que se é capaz de aprender o que quer que seja, conservando esse conhecimento para a vida toda" (⁴). Não se iludam, leitores: a invenção dos jardins da infância, com todas as suas implicações pedagógicas, era coisa que deveria esperar ainda muitos séculos para acontecer.
(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) PLUTARCO. Vitae parallelae.
(3) Ibid.
(4) Ibid. Todos os trechos de Vitae parallalae aqui citados foram traduzidos por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
Veja também:
Numa coisa os Espartanos estavam certos: é muito mais fácil educar/condicionar uma criança para determinados fins do que em outra altura da vida. Eles agiam à dimensão do seu tempo, e por alguma razão ficaram na história.
ResponderExcluirUm bom domingo, Marta :)
Correto. O problema aparece quando os espartanos de nosso tempo tentam impor sua ideologia até às crianças, fazendo da educação escolar um instrumento com esse propósito.
ExcluirÉ bom vê-lo por aqui, A. C., tenha uma ótima semana!