quinta-feira, 24 de março de 2022

A Conjuração Baiana

A Inconfidência Mineira foi sufocada mesmo antes de começar. Ninguém pode dizer o que teria acontecido se os conspiradores das Minas Gerais houvessem saído das palavras para o terreno da ação, como também se desconhece até que ponto estavam dispostos a ir tão longe. Afinal, sentimentos de raiva diante do que se julgava exploração por parte da Metrópole não eram novidade, mas dessa vez vinham azeitados pelo triunfo das colônias inglesas que, na América do Norte, haviam vencido a luta pela independência. A repressão aos inconfidentes foi brutal, mas não deve ser vista com surpresa: qualquer monarquia europeia teria agido de modo semelhante. Era o procedimento usual na época, não uma exclusividade lusitana.
Mas veio 1798, e outra conjuração ou inconfidência, desta vez na Bahia, levantou a ideia de independência. É, no entanto, muito menos conhecida que a de Minas Gerais, cujos integrantes, majoritariamente, pertenciam à elite colonial. Na Bahia, exceto pela figura de Cipriano Barata, as lideranças vieram de camadas sociais menos privilegiadas. Contavam-se, por exemplo, entre seus adeptos, soldados rasos, artesãos urbanos e até escravos. 
Francamente influenciados pelo ideário da Revolução Francesa, os "conjurados" da Bahia eram, como é óbvio, partidários da independência do Brasil, que deveria ser seguida pela implantação de um regime republicano, no qual seria abolida a escravidão, bem como as restrições monopolistas ao comércio, que tanto incomodavam alguns setores da população colonial. Admitindo que a influência da religião poderia ser prejudicial ao movimento de independência, falava-se em medidas severas contra os clérigos que se opusessem aos interesses populares. Esse conjunto de propostas foi dado a público em panfletos manuscritos, distribuídos nas igrejas e em outros pontos da cidade de Salvador em 12 de agosto de 1798. Não se poderia esperar outra coisa: uma investigação quanto à autoria desses corajosos, mas imprudentes papéis, levou a muitas prisões e a sentenças diversas, incluindo degredo, prisão e chibatadas
Não foi só. Em 8 de novembro de 1799, quatro integrantes da Conjuração Baiana, Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens, soldados, e Manuel Faustino e João de Deus Nascimento, alfaiates, foram executados por enforcamento e, como era prática naquele tempo, esquartejados. Já se vê, portanto, a razão para alguns se referirem à Conjuração Baiana como "Conjuração dos Alfaiates". Houve uma quinta sentença de morte, destinada a Luís Pires, que, contudo, jamais foi aplicada, porque o sentenciado conseguiu fugir e nunca foi encontrado. Para casos assim é que a legislação da época cominava a execução em efígie.
É possível uma comparação entre a Inconfidência Mineira e a Conjuração (também chamada Inconfidência) Baiana? Vejamos:
  • Ambos os movimentos tiveram pouco ou nada de prático, contudo as palavras, ditas ou escritas, eram levadas a sério pelas autoridades coloniais, que não hesitavam em aplicar medidas repressivas severas, ao melhor estilo da época;
  • Por tradição, se diz que o movimento de Minas foi predominantemente de elite, enquanto o da Bahia teve raízes populares, coisa que, em linhas gerais, é verdade, admitindo-se, porém, exceções, em ambos os casos;
  • Tanto em relação à Inconfidência Mineira quanto à Conjuração Baiana havia, subjacente à ideia de independência, um descontentamento gerado pelo declínio econômico de áreas que já haviam sido importantes, o Nordeste açucareiro e as regiões auríferas de Minas Gerais;
  • Ao que parece, a abolição do trabalho escravo nunca foi uma prioridade nos debates entre os inconfidentes de Minas, mas teve lugar central nas ideias dos conjurados da Bahia.
Em conclusão, note-se que, após a concretização da Independência, a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, executado em 1792 pela participação na Inconfidência Mineira, foi, aos poucos, ganhando um destaque que talvez não tivesse no Século XVIII. Exaltado como mártir da emancipação política do Brasil, tornou-se uma espécie de herói cada vez mais importante, à medida que, no correr dos anos, o movimento republicano ganhou força. Não deixa de ser curioso que republicanismo e abolicionismo, que em muitas circunstâncias caminharam juntos no Brasil, tenham, de algum modo, quase esquecido os que morreram na Bahia por promoverem a divulgação de ideias não apenas de independência, como também de extinção do trabalho escravo, quase cem anos antes que a Lei Áurea fosse assinada.


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