Missões jesuíticas de catequese de indígenas na América do Sul, também chamadas reduções, eram povoações organizadas com extremo cuidado. O arruamento era retilíneo, havia em destaque uma igreja ou capela, além de oficinas, um edifício simples para hospital, uma escola, residência para os padres e, por suposto, casas para as famílias indígenas a quem os religiosos se esforçavam por ensinar um novo estilo de vida, muito diferente daquele a que os nativos estavam habituados em suas aldeias, anteriormente à colonização.
Portanto, quem visse uma redução jesuítica já saberia, com alguma certeza, como eram todas as outras. Ou quase todas. Viajando pelo território das Missões na América do Sul no Século XVIII, após a expulsão dos jesuítas, Félix de Azara, estudioso da natureza e dos costumes locais, descobriu que havia pelo menos duas povoações - antigas reduções - chamadas San Joaquín e San Estanislao, nas quais o arruamento das moradias indígenas estava longe, muito longe, mostrar obediência às antigas práticas jesuíticas. Intrigado, tratou de descobrir o motivo, e escreveu: "[...] Toda esta povoação, como a precedente (¹) está coberta de palha e os ranchos e choças estão como semeados, sem formar quadras nem ruas, cuja disposição, ainda que pareça bárbara, é necessária, porque a experiência tem demonstrado que quando os indígenas desertam ou vão juntar-se aos bárbaros do bosque (²), ateiam fogo à respectiva choça, e se estivesse próxima das outras, todas se queimariam." (³)
É preciso fazer algumas considerações sobre esse fato para lá de curioso. Primeiro, não era incomum a fuga ou tentativa de fuga de catecúmenos que, saudosos de seu modo de vida anterior, tentavam escapulir ao controle dos padres. Além disso, as duas reduções em questão são de estabelecimento tardio, em meados do Século XVIII, no apagar das luzes da catequese jesuítica colonial, e é possível que os missionários não tivessem tempo suficiente para estabelecer os parâmetros habituais. Finalmente, a desorganização instaurada a partir da expulsão dos jesuítas explica, ao menos parcialmente, que muitos indígenas já catequizados fugissem das reduções, até para escapar à exploração dos colonizadores que, sem o freio representado pela presença dos padres, não tinham escrúpulos em obter trabalho e recursos à força da população ameríndia. Queimar a cabana, na hora da fuga, serviria, em termos práticos, para desviar a atenção dos administradores locais que, ansiosos por apagar o fogo, somente mais tarde notariam que alguns haviam "desaparecido". Talvez funcionasse, também, como uma afirmação explícita de retorno à vida livre, deixando para trás as restrições impostas pela catequese e pela colonização.
(1) Respectivamente San Joaquín e San Estanislao.
(2) Azara fazia referência aos indígenas não catequizados.
(3) AZARA, Félix de. Viajes Inéditos de D. Félix de Azara. Buenos Aires: Imprenta y Librería de Mayo, 1873, p. 220. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
Oi, Marta. Muito interessante e lógico o que escreveu, pois parece que o mesmo sucedeu com os incas, com a chegada iminente dos espanhóis a Macchu Pichu. Eles incendiaram e destruíram suas casas e fugiram....já li tbm que eles fugiram em direção ao norte do Brasil, chegando até o Pará...vc já leu algo a respeito? Não sei se é verdade, mas a cerâmica marajoara, por exemplo, me lembra muito a cerâmica inca .. abraços e obrigada.
ResponderExcluirAnita
Há muita pesquisa em andamento sobre a real extensão do Império Inca. Rotas de comércio, por exemplo, parecem ter englobado parte do norte do Brasil. Quanto à cerâmica indígena, a variedade é tão grande quanto variados são os grupos étnicos. No Século XIX, por exemplo, foram apontadas semelhanças entre desenhos abstratos usados por alguns grupos indígenas e aqueles empregados pelos gregos na Antiguidade. As semelhanças existem, efetivamente, mas não significam uma conexão obrigatória entre eles. Pode ser apenas coincidência.
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