Quando é usada a expressão "engenho de cana-de-açúcar" ou "engenho colonial" pode-se dar a falsa ideia de que todas essas unidades açucareiras eram muito semelhantes. Ocorre, entretanto, que não eram. Havia engenhos funcionando com diferentes sistemas de moagem, para distintas capacidades de produção.
Falando dos engenhos de Pernambuco, Pero de Magalhães Gândavo, que escreveu o seu Tratado da Terra do Brasil ainda no século XVI, assinalou:
"Alguns moem com bois, a estes chamam trapiche, fazem menos açúcar que os outros, mas a maior parte dos engenhos do Brasil mói com água."
Detalhes, mesmo, seriam dados por Antonil em Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas, depois de considerar que o nome de "engenho" para as oficinas onde se fabricava o açúcar era plenamente justificado. É ele quem melhor explica a distinção entre pequenas e grandes unidades produtoras, dizendo:
"Dos engenhos, uns se chamam reais, outros, inferiores, vulgarmente engenhocas. Os reais ganharam este apelido por terem todas as partes de que se compõem, e todas as oficinas perfeitas, cheias de grande número de escravos, com muitos canaviais próprios e outros obrigados à moenda, e principalmente por terem a realeza de moerem com água, à diferença de outros, que moem com cavalos e bois, e são menos providos e aparelhados, ou pelo menos com menor perfeição e largueza das oficinas necessárias e com pouco número de escravos, para fazerem, como dizem, o engenho moente e corrente."
Engenho de açúcar com roda d'água (Rugendas) (¹) |
Tem-se, pois, aqui, a principal diferença entre um engenho real e uma engenhoca ou trapiche: enquanto o primeiro era dotado de roda d'água, o último moía mediante a força de bois ou cavalos. Daí resultava, leitor, uma outra consequência, que não pode ser atribuída à totalidade dos casos, mas que era, contudo, muito frequente: os engenhos reais eram dedicados prioritariamente à produção de açúcar (sendo outros derivados da cana apenas uma produção secundária), enquanto as engenhocas tinham seu principal uso na fabricação de aguardente.
Há que acrescentar, ainda, que se a moenda fosse mesmo muito pequena, podia ser acionada pela força humana, o que equivale a dizer, por escravos, conforme a gravura de Debret que pode ser vista abaixo.
Pequena moenda de cana-de-açúcar (Debret) (²) |
(1) RUGENDAS, Moritz. Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann, 1835. O original pertence à Biblioteca Nacional; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(2) DEBRET, J. B. Voyage Pittoresque et Historique au Brésil vol. 2. Paris: Firmin Didot Frères, 1835. O original pertence à Brasiliana USP; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
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