quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Doces ou estudo? Rapaduras e crianças nos engenhos coloniais

Fato intrigante: vários autores que percorreram o Brasil em diferentes épocas do período colonial e mesmo durante o Império asseveram que as crianças brasileiras pareciam quase sempre tristonhas, apáticas, longe da vivacidade e dos folguedos próprios da idade, como se podia ver em outros lugares.
É um tanto difícil averiguar a completa veracidade desses relatos de viajantes, embora a menção por diferentes autores possa indicar que, pelo menos em alguns lugares, isso talvez acontecesse. Sendo assim, o que poderia alegrar a criançada? Bem, se considerarmos os engenhos de cana-de-açúcar, parece haver uma boa resposta, de acordo com o que escreveu André João Antonil, ao explicar como é que do melado de cana-de-açúcar se faziam as rapaduras:
"O melado, que se dá em pratos e vasilhas para comer, é o da primeira e segunda têmpera. Do da terceira, bem batido na repartideira se fazem as rapaduras, tão desejadas dos meninos, e vêm a ser melado coalhado sobre um quarto de papel com todas as quatro partes levantadas, como se fossem paredes, dentro das quais endurece esfriando-se, de comprimento e largura da palma da mão. E bem-aventurado o rapaz que chega a ter um par delas, fazendo-se mais de boa vontade lambedor destes doces papéis, do que escrivão nos que lhe dão para trasladar alfabetos." (*)
Curiosa observação, que eleva a posse de rapaduras às raias da bem-aventurança e nos mostra que, em matéria de preferir doces a estudo, a criançada de outras épocas não era, afinal, assim tão diferente da de hoje... 

(*) ANTONIL, André João (Giovanni Antonio Andreoni). Cultura e Opulência do Brasil por Suas Drogas e Minas, 1711, pp. 73 e 74.


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