"Nesse tempo o meu maior prazer, senão o único, era caçar - sair na fresca da manhã, com as névoas ainda soltas, rolando, fluindo ao rés da terra molhada, num rijo cavalo, entre cães, a surpreender, na beira das lagoas ou nos matos, a paca esquiva, o caititu atrevido, a jaguatirica ou correr no campo o veado arisco, mais ligeiro que o vento que assobiava aos meus ouvidos."Coelho Neto, Água de Juventa
Cervos e veados parecem ter recebido a triste primazia, quando ainda eram numerosíssimos nos campos do Brasil, da preferência dos caçadores, tanto dos que os procuravam como alimento como daqueles que disparavam suas armas simplesmente por esporte.
Cervo do Pantanal (fotografado vivo, bem vivo, e espero que assim continue) |
"Além desta caça, há cervos, que são do mesmo feito e mais pequenos que os nossos veados. Há veados do tamanho de cabras; mas a carne mais tenra e gostosa que a dos nossos." (¹)
É quase desnecessário acrescentar que a comparação era feita em relação aos cervídeos que o conde português conhecera na Europa, antes que sua nomeação para o governo das minas de Mato Grosso o trouxesse ao Brasil, obrigando-o a empreender viagem pela rota das Monções. (²)
As peles de veado, assim como as de anta, tiveram largo emprego no Brasil para confecção de uma série de objetos, dentre os quais, sapatos. Isso permitiu o desenvolvimento de um pequeno ramo de atividade de que podemos ter alguma ideia por uma anotação feita pelo naturalista Auguste de Saint-Hilaire em seu diário de viagem ao Rio Grande do Sul, no qual observa que, na lista de coisas vindas de outras partes do Brasil para aquela Capitania, haviam sido importadas de Santa Catarina em 1816, "195 peles de veado curtidas", o que nos leva a crer que a caça e exploração comercial desses animais eram, na época, usuais. (³)
O mesmo autor, narrando ainda suas viagens pelo território do Rio Grande do Sul e do atual Uruguai, acrescenta:
"Vi hoje, às margens da estrada, um rebanho de cervos que pastavam tranquilamente ao lado de avestruzes; eles não fugiram à nossa aproximação." (⁴)
Aqui tem-se a oportunidade de ver mais uma confusão entre seres vivos do Continente Americano e da África, dentre as muitas que se faziam na época - não eram avestruzes as aves vistas por Saint-Hilaire. Eram emas, claro, como o leitor já deve ter adivinhado.
(1) TAUNAY, Affonso de E. História das Bandeiras Paulistas tomo 3, 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975, p. 203.
(2) Mais tarde chegou a ocupar o cargo de vice-rei do Brasil.
(3) SAINT-HILAIRE, A. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 123.
(4) Ibid., p. 159.
Veja também:
- Animais na História do Brasil (Parte 1): Os "quadrúpedes indígenas" do padre Ayres de Casal
- Animais na História do Brasil (Parte 2): Tigres e leões na América do Sul?
- Animais na História do Brasil (Parte 3): Histórias de onça
- Animais na História do Brasil (Parte 4): Churrasco de anta
- Animais na História do Brasil (Parte 5): Os ferozes queixadas
- Animais na História do Brasil (Parte 6): A capivara
- Animais na História do Brasil (Parte 8): Preguiças
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Democraticamente, comentários e debates construtivos serão bem-recebidos. Participe!
Devido à natureza dos assuntos tratados neste blog, todos os comentários passarão, necessariamente, por moderação, antes que sejam publicados. Comentários de caráter preconceituoso, racista, sexista, etc. não serão aceitos. Entretanto, a discussão inteligente de ideias será sempre estimulada.