terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Grandes inundações no Egito Antigo e na Mesopotâmia

Para os povos nômades do passado que procuravam um lugar para se fixarem, um fator indispensável à sedentarização era encontrar um suprimento confiável de água. Só com água suficiente a agricultura podia ser praticada e, assim, compreende-se facilmente que as primeiras civilizações tenham se estabelecido às margens de rios. Isso vale para quase todos os povos que conhecemos, embora alguns, por sua relação com as bases do que viria a ser o mundo ocidental, sejam mais conhecidos que outros.
Tente, por um instante, imaginar o Egito sem o Nilo - percebe-se que, sem a presença do rio, a civilização egípcia teria sido, ao menos, muito diferente, embora seja arriscado usar a palavra "impossível", uma vez que a História da humanidade está repleta de realizações quase inacreditáveis. E, embora seja difícil acreditar em tudo o que relatou Heródoto, sua descrição das práticas agrícolas do antigo Egito dão-nos ao menos uma ideia do que de fato ocorria. Diz ele:
"Eles não têm o trabalho de abrir e fazer sulcos na terra com arado, nem de roçar o que semearam, nem de realizar nenhum outro trabalho como fazem os demais lavradores em cultivar suas plantações, já que, transbordando o rio sem qualquer ação humana e retirando-se as águas dos campos depois de regá-los, o trabalho é resumido a que cada um lance as sementes, deixando nas terras os rebanhos para que as sementes sejam cobertas ao serem pisadas. Depois disso, todos esperam tranquilamente até o tempo da sega, que é debulhada pelos mesmos animais e recolhida, dando-se por acabada a colheita."
Não, o mundo não era perfeito para os egípcios - só para começar, havia anos em que as cheias do Nilo quase não aconteciam (o que significa geral falta de alimentos). Além disso, graças à presença do rio, e como o próprio Heródoto assinalou, a região toda era repleta de algo que dá calafrios em qualquer um, ou seja, nuvens e nuvens de mosquitos!
Também os mesopotâmios buscaram estabelecer às margens de rios (o Tigre e o Eufrates, nesse caso), de modo que o nome que hoje lhes atribuímos (herança dos antigos gregos) é uma contínua lembrança desse fato (*).
Ora, leitor, ter os benefícios de água abundante tinha, também para os mesopotâmios, as suas inconveniências. Sem poderem contar com as inundações benéficas como as que tinham os egípcios, precisam estar preparados para... as maléficas. Isso sabemos pelo que diz o Código de Hamurabi. Quer ver?
"Se alguém for tão preguiçoso a ponto de não conservar seu dique (barragem) em condições satisfatórias, e se o dique se romper e os campos forem inundados, o responsável deverá pagar o cereal que foi danificado.
Se ele não puder substituir o cereal danificado, ele e suas propriedades serão divididos entre os agricultores cujo cereal se perdeu."
Desses dois pequenos artigos do Código o que deve ser entendido é:
a) os mesopotâmios construíam algum tipo de obstáculo ou barragem, com a finalidade de impedir que a água do rio, que era muito útil para a agricultura, viesse a ser um problema, em caso de inundação;
b) Cada agricultor era responsável pela conservação dessa barragem na área que lhe correspondia;
c) Se, por preguiça, a barragem não era devidamente conservada, em caso de ruptura desse obstáculo e consequente inundação dos campos, ficava o responsável inteiramente obrigado a pagar o dano causado;
d) Finalmente, na hipótese de que não pudesse pagar, seria vendido como escravo e suas propriedades seriam confiscadas para indenizar os agricultores prejudicados.
Que fique claro - não estou propondo termos exatamente iguais nas leis modernas - mas diante do quadro atual de transbordamento de rios, deslizamentos e perda de vidas, não posso deixar de admirar a capacidade que tinham os antigos mesopotâmios em punir adequadamente os verdadeiros responsáveis por eventuais catástrofes. Em casos evidentes de negligência, não punham a culpa na vontade dos deuses, nem mesmo no acaso e, embora não tenhamos muita informação sobre como o Código era efetivamente aplicado, essa lex talionis devia funcionar muito bem como instrumento dissuasivo da preguiça e da falta de seriedade na conservação de tudo o que pudesse afetar a coletividade.

(*) Mesopotâmia significa "região entre rios".

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