Como a legislação vigente em Portugal e no Brasil tratava a questão da fuga de escravos
Escravos fugiam - ou, ao menos, tentavam fugir. Os legisladores dos desgraçados tempos da escravidão sabiam muito bem disso e, por conseguinte, já estabeleciam, de antemão, os "regulamentos" para garantir que o sistema de trabalho compulsório não viesse a sofrer perturbações consideráveis.
No caso do Brasil Colonial, vigoravam as famosas Ordenações do Reino, compiladas e publicadas em Portugal no início do Século XVII, mas que já existiam, na prática, bem antes disso. Nelas também constavam as leis aplicáveis aos cativos que ousavam intentar uma ruptura com a lógica que, negando-lhes a dignidade de seres humanos livres, forçava-os ao enquadramento na condição de mercadoria (que um senhor podia comprar e vender conforme desejasse) e de força de trabalho que devia produzir para máximo lucro do "proprietário" (¹).
Em primeiro lugar, as Ordenações estipulavam a obrigação, imposta a qualquer pessoa que encontrasse um escravo fugitivo, de denunciá-lo à Justiça em um prazo máximo de quinze dias:
"Se algum escravo que andar fugido for achado, o achador o fará saber a seu senhor ou ao juiz da cabeça do Almoxarifado da Comarca em que for achado, do dia em que o achar a quinze dias. E não o fazendo assim, haverá a pena de furto." (²)
Percebe-se com facilidade, conforme já disse anteriormente, que a legislação era estruturada para assegurar a continuidade do escravismo; além disso, ordenava-se ao juiz que submetesse o escravo fugitivo à tortura, para evitar que desse informações falsas quanto a quem era seu verdadeiro proprietário:
"E porque muitas vezes os escravos fugidos não querem dizer cujos são, ou dizem que são de uns senhores sendo de outros, do que se segue fazerem-se grandes despesas com eles, mandamos que o juiz do lugar onde for trazido o escravo fugido lhe faça dizer cujo é e donde é por tormento de açoites, que lhe serão dados sem mais figura de Juízo e sem apelação nem agravo, contanto que os açoites não passem de quarenta. E depois que no tormento afirmar cujo é, então faça as diligências sobreditas." (³)
Percebe-se com facilidade, conforme já disse anteriormente, que a legislação era estruturada para assegurar a continuidade do escravismo; além disso, ordenava-se ao juiz que submetesse o escravo fugitivo à tortura, para evitar que desse informações falsas quanto a quem era seu verdadeiro proprietário:
"E porque muitas vezes os escravos fugidos não querem dizer cujos são, ou dizem que são de uns senhores sendo de outros, do que se segue fazerem-se grandes despesas com eles, mandamos que o juiz do lugar onde for trazido o escravo fugido lhe faça dizer cujo é e donde é por tormento de açoites, que lhe serão dados sem mais figura de Juízo e sem apelação nem agravo, contanto que os açoites não passem de quarenta. E depois que no tormento afirmar cujo é, então faça as diligências sobreditas." (³)
No Brasil, o uso de um colar de ferro era um castigo que, publicamente, assinalava os escravos "fujões" (⁴) |
"Defendemos que nenhumas pessoas levem fora de nossos Reinos escravos, para os porem em salvo, e saírem de nossos Reinos, nem lhes mostrem os caminhos por onde se vão e se possam ir, nem outrossim deem azo nem consentimento aos ditos escravos fugirem, nem os encubram. E qualquer pessoa que o contrário fizer, mandamos que sendo achada levando algum cativo para o pôr em salvo, aquele que assim o levar, sendo cristão, será degradado para o Brasil para sempre. E sendo judeu ou mouro forro, será cativo do senhor do escravo que assim levava. E sendo judeu ou mouro cativo, será açoitado. E sendo-lhe provado que o levava, posto que com ele não seja achado, haverá as mesmas penas, e mais pagará a valia do escravo a seu dono." (⁵)
Admitamos: os legisladores tinham visão de futuro. Do mesmo modo que impunham severa punição para o escravo fugitivo, matavam, na origem, qualquer veleidade abolicionista, fosse por simples empatia com o sofrimento de um cativo, fosse ideologicamente embasada, com vistas a suprimir, em última instância, um sistema perverso no qual homens, para explorar outros homens, faziam por despojá-los, tanto quanto possível, do mais sagrado atributo humano, a liberdade. Homo homini lupus...
(1) As aspas aqui, leitores, são expressão do pensamento do nosso século, no qual a liberdade individual no contexto de uma sociedade democrática tem supremo valor; nos tempos da escravidão, um senhor de escravos era, sem mais rodeios, exatamente o dono dos cativos. Nem mais e nem menos.
(2) Ordenações do Reino, de acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra, Livro V, Título LXII.
(3) Ibid., § 1.
(4) __________ Brasilian Souvenir. Rio de Janeiro: Ludwig &; Briggs, 1845. O original pertence à BNDigital; a imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.
(5) Ordenações do Reino, Título LXIII.
Veja também:
Adoro toda essa riqueza
ResponderExcluirde informações !
Matéria maravilhosa.
Bjins
CatiahoAlc.
e maravilhosa nova semana.
Obrigada, +Reflexos Espelhando Espalhando Amig Tenha também uma ótima semana.
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