segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A Guerra dos Emboabas e o retrato do rei

Guerra dos Emboabas é o nome que se deu ao confronto ocorrido nas Minas, em começos do Século XVIII, entre paulistas (descobridores das minas) e "forasteiros", geralmente reinóis, que acorriam ao Brasil sonhando com riqueza fácil. Era a esses forasteiros que os paulistas davam o apelido de "emboabas". O pega foi sério: verdadeiras batalhas foram travadas, com muitas mortes de ambos os  lados, seguidas de aparente calmaria, e novas refregas, no melhor espírito vingativo.
As autoridades vacilavam quanto a quem apoiar. Por um lado, as minas só eram conhecidas porque os paulistas, que assumiam todos os riscos nas andanças pelo sertão, as haviam encontrado. Não interessava, pois, à Coroa, desestimular seu espírito aventureiro. Por outro lado, era inaceitável, ao menos do ponto de vista lusitano, que portugueses fossem expulsos das minas pelos valentões de São Paulo. Nesse rumo, aonde iriam parar as autoridades e as leis estipuladas nas Ordenações do Reino quanto à exploração de minas, dentre as quais, a cobrança dos famosos (e famigerados) Reais Quintos? Sim, porque diziam as Ordenações no Livro Segundo, Título XXXIV, § 4:
"E de todos os metais que se tirarem, depois de fundidos e apurados, nos pagarão o quinto em salvo de todos os custos." (¹)
Vale explicar, aqui, que, segundo a legislação portuguesa, o rei era o proprietário de todas as minas conhecidas e/ou que viessem a ser descobertas em seus domínios. No entanto, por magnanimidade real, determinava-se que apenas o quinto fosse devidamente apurado para a Real Fazenda...
Foi depois de uma dessas bélicas trocas de ofensas entre paulistas e forasteiros que o a Metrópole tentou uma curiosa alternativa para, de uma vez por todas, serenar os ânimos.
Os paulistas tinham, pelo tempo afora, sempre governado a si mesmos como lhes dava na cabeça. Autoridades enviadas pela Metrópole sabiam, se tinham juízo, que o melhor partido, com eles, era negociar. Qualquer tentativa de submetê-los à força seria perda de tempo, com grande probabilidade de colocar, novamente, lenha na fogueira. O isolamento em que viviam no interior, quando o restante da colonização se fazia no litoral, deixava-os à vontade para viver com bem entendiam.
Por outro lado, sabia El-Rei que não podia prescindir de sua mania de vasculhar o interior à procura de riquezas. Melhor ideia era, prudentemente, administrar sua natural independência, sua vaidade, sua arrogância, até. Daí ter-se alvitrado, segundo o jesuíta Padre Manuel da Fonseca, enviar a São Paulo, junto com um novo governador, nada menos que - acreditem, senhores leitores - nada menos que um retrato de El-Rei:
"...apareceu Antônio de Albuquerque com o Governo de São Paulo e apertadas ordens de El-Rei, para que fossem os paulistas habitar pacificamente as Minas, impondo graves penas aos que primeiro violassem a paz; e entendendo o soberano que ânimos generosos se deixam vencer com qualquer afago, lhes enviou pelo novo governador um retrato seu, que ainda hoje se conserva na Casa da Câmara, para que entendessem que visitando-os daquele modo, já que pessoalmente o não podia fazer, tomava aos paulistas debaixo da sua real proteção. Com este singular favor se satisfizeram os paulistas, e esquecidos dos agravos passados, depuseram as armas." (²)
A coisa, parece, funcionou. Lisonjeados por tanta atenção do monarca (como supunham), talvez estivessem os paulistas melhor dispostos, senão à obediência, pelo menos a um comportamento tolerável. Sossegaram as minas, é fato. Mas não por muito tempo.

(1) Ordenações do Reino, de acordo com a edição de 1824 da Universidade de Coimbra.
(2) FONSECA, Manuel da S.J. Vida do Venerável Padre Belchior de Pontes, da Companhia de Jesus da Província do Brasil. Lisboa: Off. de Francisco da Silva, 1752. Reedição da Cia. Melhoramentos de S. Paulo, p. 219



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