quinta-feira, 21 de junho de 2012

Revoltas "nativistas" no Brasil Colonial

Nunca é fácil ir contra uma opinião sedimentada, por ser já muito repetida, ainda que de escassos fundamentos. Esta postagem, como se verá, intenta justamente essa tarefa difícil.
Após a Independência, intelectuais brasileiros viram-se às voltas com uma questão séria, a de escrever a História do Brasil sob a perspectiva de nação independente, e não de colônia anexa a uma monarquia europeia. Compreende-se que, nesse quadro, houvesse uma certa busca por fatos que, de algum modo, caracterizassem o que se poderia chamar de nascimento do sentimento nacional, do "ser brasileiro".
Os colonos que viviam no Brasil, desde o início da ocupação do território por portugueses até cerca de meados do século XVIII, consideravam-se portugueses, independente de haverem ou não nascido no Reino. Era, pois, uma tarefa ingrata, essa de buscar raízes nacionalistas onde elas provavelmente não existiam. Ainda assim, chegou-se a uma lista um tanto variável de movimentos que foram rotulados como "revoltas nativistas", lista essa na qual costuma-se incluir, entre outras, em sequência cronológica, a Aclamação de Amador Bueno (1641, em São Paulo), a Revolta de Beckman (1684, no Maranhão), a Guerra dos Emboabas (nos anos 1708 e 1709, nas Minas), a Guerra dos Mascates (entre 1710 e 1711, em Pernambuco) e a Revolta de Filipe dos Santos (Vila Rica, 1720), guindada esta última à condição de prefácio à Inconfidência Mineira. Como já assinalei, há outros movimentos eventualmente classificados como nativistas, mas são esses os mais recorrentes.
Pois bem, meus leitores, daremos agora uma rápida vista às revoltas mencionadas.

A Revolta de Beckman, ainda que calcada na luta contra o monopólio de uma companhia portuguesa de comércio, tinha como proposta o combate à presença e atuação de jesuítas, que eram tidos não apenas como concorrentes em atividades de comércio (das chamadas "drogas do sertão"), mas como um obstáculo à escravização de indígenas, uma prática que, além de comum naqueles dias, era julgada indispensável - afinal, na lógica dos colonizadores, alguém tinha que fazer o trabalho pesado!

A Guerra dos Mascates alinhavou-se pela ojeriza dos de Olinda contra os de Recife - entenda-se, entre fazendeiros produtores de açúcar (de Olinda) e comerciantes de açúcar e outros artigos (de Recife), parecendo, esses últimos, na opinião dos primeiros, terem uma aptidão toda especial para lucrar com a exploração dos senhores de engenho. Verdade seja dita, em Olinda havia muitos fazendeiros "brasileiros", e em Recife, muitos dos comerciantes eram portugueses natos - mas nesse tempo os nascidos no Brasil consideravam-se portugueses, e a questão era mais econômica e de precedência entre as duas povoações do que uma luta entre gente do Brasil e gente do Reino; além disso, havia comerciantes "brasileiros", também, e, por isso, não menos "mascates", na opinião dos fazendeiros. O problema tornou-se sério quando as duas belicosas partes resolveram pegar em armas para, tentando controlar o governo, resolver a questão, ainda que isso significasse eliminar os desafetos.

A Guerra dos Emboabas foi travada entre paulistas, descobridores das minas, e os "outros", fossem quem fossem, portugueses ou nascidos em outras regiões do Brasil que não em São Paulo. Paulistas julgavam-se, com uma ponta de razão, com direitos especiais nas lavras, como seus legítimos descobridores, e tinham quaisquer outros como "forasteiros", independente de sua origem.

A chamada Revolta de Filipe dos Santos, em Vila Rica, 1720, foi uma luta de mineradores contra autoridades que representavam a Coroa. A causa? O estabelecimento das Casas de Fundição, nas quais todo o ouro que se extraísse deveria ser obrigatoriamente transformado em barras e quintado. Ora, por que não queriam os mineradores essas Casas de Fundição? Simplesmente porque aí seriam cobrados os impostos (os Reais Quintos...) que não se desejava pagar e suspeitava-se também de que, ao efetuar a transformação em barras, os funcionários acabariam por apropriar-se indevidamente de parte do ouro com que trabalhavam. Essa revolta deve ser entendida no contexto do farto descaminho de metal precioso a que estavam os mineradores habituados. O líder da revolta, aliás, era português.

Finalmente, resta dizer que a mais independentista das revoltas foi justamente aquela que não aconteceu: a Aclamação de Amador Bueno. Dentro do cenário da restauração da monarquia lusa após a União Ibérica, gente de ânimos exaltados, provavelmente com o incentivo de paulistas de origem espanhola, tentou, em São Paulo, aclamar Amador Bueno, um rico fazendeiro, como seu rei - eis aí um movimento que, esse sim, poderia ser taxado de tentativa de independência. Sucede que este senhor, que por certo tinha alta consideração por preservar a cabeça devidamente encaixada no pescoço, recusou-se terminantemente a tal dignidade, chegando, para isso, a fugir, segundo relatos mais ou menos contemporâneos, para refugiar-se no mosteiro de S. Bento, sempre dando vivas ao rei português, de quem se considerava o mais leal dos servidores. E acabou por aí a tal Aclamação.

Meus leitores que, em seus anos escolares, talvez tenham lutado para memorizar as rebeliões nativistas com suas respectivas datas, devem estar um tanto decepcionados. Sei, também, que é perfeitamente possível que adeptos de opiniões contrárias não achem graça nenhuma nesta postagem. Tudo isso, no entanto, é já perfeitamente sabido há muito tempo e nunca é demais lembrar que, se a conjuntura histórica pós-Independência forjou o rótulo de nativista para esses movimentos, não é tarde para reavaliá-los em uma perspectiva menos apaixonada, que lhes respeite as verdadeiras dimensões, sem a necessidade de fabricar, a ferro e fogo, fatos que jamais aconteceram.


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