domingo, 10 de junho de 2012

Colonos, funcionários públicos coloniais, baiacus

Que juízo fazia Nuno Marques Pereira, autor do Compêndio Narrativo do Peregrino da América (¹), a respeito de colonos que, vindo ao Brasil, alcançavam alguma posição, principalmente por ocupar cargo público?
Resposta simples: comparava-os a baiacus. O quê? Sim, a mesma irritação que demonstrava com padres que pouco caso faziam do sacerdócio (veja a postagem anterior) era também direcionada a tais colonos, embora dessa vez expressa com algum humor. Que, levado a sério, não tinha graça nenhuma.
O padre Nuno Marques Pereira começa por uma descrição dos baiacus, feita à moda da época e, por isso mesmo, com as limitações dos conhecimentos científicos que lhe eram disponíveis. Vejamos:
"São estes tais como uma casta de peixes que há neste Brasil, e lhes chamam baiacus, entre os quais há uns que têm espinhos. São estes peixes peçonhentíssimos, por terem no fel o mais refinado veneno que há no mundo, e que ainda que algumas pessoas os comem, é com muita cautela. Mas vamos à comparação. Costumam estes peixes, assim como os pescam e tiram da água, começarem a inchar, e fazem-se como bolas. Os de espinhos, não há quem pegue neles, pelo risco das agudas pontas. Incham de sorte que assim morrem às vezes dando um grande estouro. Ocupam-se estes peixes em mariscar pelas margens dos rios e mangais, e só quando se veem em terra é que incham."
Ora, dirão os leitores, e que é que isso tem a ver com os senhores colonos e funcionários públicos? A explicação não tarda:
"Assim são os baiacus humanos, ou desumanos: tanto que se veem nas praias e terra do Brasil, logo começam a inchar, e se lhes dão algum ofício ou posto, fazem-se baiacus de espinhos, não há quem se chegue junto deles. E se dizem a um destes: "Basta, Baiacu, porque podes rebentar", ou se lhes tocam, cada vez incha mais."
E o padre-escritor conclui:
"Bem sei que este exemplo ou moralidade é mui humilde, porém como é tão vulgar, cada qual o tome no sentido mais acomodativo." (²)
Em linguagem de hoje, talvez escrevesse: Que vista a carapuça aquele que a achar de bom tamanho.

O Autor do Compêndio Narrativo do Peregrino da América comparou colonos e
funcionários coloniais a baiacus... (³)

(1) Essa obra teve, ao longo do século XVIII, várias edições, sendo das mais lidas e admiradas no Brasil da época, conforme se explica na postagem "Compêndio Narrativo do Peregrino da América, um best-seller do Brasil Colonial".
(2) PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Lisboa: Oficina de Manoel Fernandes da Costa, 1731, pp. 20 e 21.
(3) Os baiacus desta postagem pertencem ao Museu do Mar, no Aquário Marinho de Ubatuba, SP. Se passar pelo Litoral Norte, não deixe de visitar.


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