quinta-feira, 30 de junho de 2022

O Tenentismo e a Revolta do Forte de Copacabana

Simplificando bastante, é possível dizer que "tenentismo" é o nome dado a um conjunto de movimentos ocorridos na República Velha, em oposição ao modo como ocorriam as eleições (¹) e como o Brasil era governado, sob influência das oligarquias estaduais. Tem esse nome porque foi liderado, em grande parte, por jovens oficiais militares. 
O marco inicial do tenentismo, que se distingue de outras oposições da época devido à opção pela luta armada contra o governo, foi a chamada "revolta do Forte de Copacabana", ocorrida entre os dias 5 e 6 de julho de 1922, no Rio de Janeiro, que era, então, a capital da República. Embora completamente derrotado, esse levante trouxe à tona, para o país, questões que, de um modo geral, não eram ainda muito discutidas, e que a maioria da população, pouco instruída para a participação política, não ousava debater às claras. 
É questionável quantos foram, de fato, os integrantes dessa rebelião (²), mas não é no número que reside seu significado. Heróis? Ou apenas insubordinados, sem respeito pela hierarquia que sustenta a carreira militar? Depende do ponto de vista - seu, leitor, inclusive, que, como ser pensante, pode decidir o que julgar correto. 

Jazigo do tenente Newton Prado, um dos "18 do Forte"


As fotos abaixo mostram o túmulo e monumento (³) em homenagem ao tenente Newton Prado, um dos que morreram em decorrência da Revolta do Forte de Copacabana, e um dos chamados "18 do Forte". Está em uma praça da cidade de Leme - SP.





(1) As queixas eram justificadas. Havia mesmo fraudes escandalosas.
(2) A expressão "os 18 do Forte" foi cunhada e popularizada pela imprensa da época.
(3) Sim, as duas palavras têm, em sua origem, o mesmo significado. 


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quinta-feira, 23 de junho de 2022

A colheita das azeitonas e a extração do azeite pelos antigos romanos

Ninguém sabe, com exatidão, quem foi a primeira pessoa que teve a ideia de prensar azeitonas para delas extrair o azeite. Plínio, o Velho (¹), achava que foi um ateniense chamado Aristeu (²) - uma tradição para a qual não há prova. Contudo, o azeite de oliva teve, na Antiguidade, (³) uma importância econômica enorme.
Gregos e romanos tinham conhecimento de que era preciso colher as azeitonas no tempo certo, para extração imediata do azeite e, por isso, deviam ter, de antemão, os vasos necessários ao armazenamento. É o que se vê nas palavras de. Marco Pórcio Catão (⁴), em De re Rustica (⁵): "Quando se fizer a colheita das azeitonas, deve-se extrair o azeite prontamente [...]. Sendo a extração rápida e estando já os vasos preparados [...], o azeite será mais verde e melhor. Se as azeitonas ficam muito tempo sobre a terra ou sobre o tablado, apodrecem, e o azeite terá cheiro ruim. [...] De qualquer variedade de azeitona se pode fazer bom azeite, desde que feito no tempo certo" (⁶). Catão pensava corretamente, e a regra que propôs é seguida ainda hoje na extração dos melhores e mais saborosos azeites. 
Em Roma, nos dias de Júlio César, azeite ruim não era coisa desconhecida. Em De vita Caesarum, Suetônio (⁷) conta um episódio interessante, com a intenção de mostrar a amabilidade de César, que, para não constranger seu anfitrião, se serviu generosamente de um azeite rançoso: "Certo dia, enquanto outros convidados exibiam desgosto por um azeite rançoso que o anfitrião servira em lugar de um fresco, [César] se serviu dele até exageradamente, para não dar àquele que o convidara a impressão de que o tinha por displicente ou pouco cortês" (⁸). Suetônio nada disse sobre as implicações políticas desse incidente. Seria só gentileza da parte de César ou era importante não desagradar uma figura de destaque em Roma?
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Preparo de azeitonas entre os Séculos XVIII e XIX


Lucas Rigaud, um cozinheiro que trabalhou para a nobreza europeia nos Séculos XVIII e XIX, inclusive para os reis de Portugal, fez publicar a seguinte receita para a preparação de "azeitonas à moda francesa", que apresento aqui para leitores curiosos, que queiram conhecer o modo como azeitonas eram preparadas antigamente, e não, em hipótese alguma, para que alguém tente praticar:
"Peguem na quantidade de cinza que se julgar necessária, e ferva-se em dois ou três almudes de água, de forma que depois de fervida fique uma cenrada forte; deixe-se depois descansar e esfriar; coe-se por um pano, tomem dois ou três alqueires de azeitonas verdes, deitem-se [...] dentro, e deixem-se estar até que a cenrada as penetre até ao caroço, o que se fará no espaço de vinte e quatro horas. Escorra-se [...] a cenrada, deitem-lhe água fria, e mudando-lhe esta três ou quatro vezes até sair clara, deixem-se ficar nela oito dias, mudando-se [...] a água pela manhã e à tarde: em as azeitonas estando com um verde claro, e sem amargo, deitem-se em uma talha, ou em boiões vidrados; cubram-se de salmoura, tapem-se, ponham-se em lugar fresco, e sirvam-se delas passados quinze dias, ou quando se fizerem necessárias. Bem advertido que a salmoura será feita somente com água e o sal necessário, e que se lhe há de deitar quente com uns ramos de oréganos, uns ramos de funcho e umas folhas de louro, pau-rosa; e depois de ferver com tudo isto, deixe-se descansar e deite-se quente em cima das azeitonas, como fica dito" (⁹).

(1) 23 d.C. - 79 d.C.
(2) Cf. PLÍNIO. Naturalis historia, Livro VII.
(3) E tem ainda hoje, não apenas por razões culinárias.
(4) 234 - 149 a. C.
(5) Obra também conhecida como De agri cultura.
(6) CATÃO, Marco Pórcio. De re Rustica. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(7) 70 d.C. - c. 122 d.C.
(8) SUETÔNIO. De vita Caesarum, Livro I. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(9) RIGAUD, Lucas. Cozinheiro Moderno ou Nova Arte da Cozinha 5ª ed. Lisboa: Typografia Lacerdina, 1826, pp. 404 e 405.


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quinta-feira, 16 de junho de 2022

Procissão de Corpus Christi em São Paulo no ano de 1822

Era o ano da independência do Brasil, mas, sendo ainda junho, ninguém sabia disso, embora houvesse gente trabalhando para que a separação de Portugal acontecesse, mais cedo ou mais tarde. 
Pois bem, era junho de 1822, o dia de Corpus Christi se aproximava, e a Câmara de São Paulo devia tomar providências para que a tradicional procissão religiosa ocorresse dentro das normas do decoro. Nesse tempo, meus leitores, o projeto de um Estado laico não passava pela cabeça de quase ninguém, e somente iria vingar após a proclamação da República em 1889. Quanto a São Paulo, era uma cidadezinha provinciana, com poucas vias calçadas, para gaudio das formigas que estabeleciam residência nas ruas de terra batida e, dali, só de raro em raro eram removidas. Pontes, com frequência, ameaçavam ruir, e até porcos circulavam à vontade em algumas paragens. Por isso, em relação à vereança de 4 de junho de 1822, registrou-se na ata da Câmara: "Nesta determinaram [vereadores e juiz de fora] ao atual procurador que mande limpar os meios das ruas por onde passa a procissão do Corpo de Deus onde elas estiverem imundas e indecentes [sic!]."
Alguns dias antes, em 11 de maio de 1822, a mesma Câmara havia decidido: "Na mesma [vereança] se determinou ao atual procurador que mande fazer timbales para a festividade de Corpus Christi, visto que este Senado não tem para a mesma festividade; que sempre anda esta Câmara emprestando; bem como dois clarins, mandando vir do Rio por ser mais em conta, e no entanto que empreste para o presente ano. [...]" (*). Esse registro é mais que suficiente para elucidar qualquer dúvida quanto à realidade econômica da Província de São Paulo e de sua capital há duzentos anos.
Semanas mais tarde, os vereadores, cientes de que o príncipe regente Dom Pedro tencionava vir a São Paulo, começaram a dar ordens para que a população limpasse as ruas, removesse os formigueiros, caiasse a fachada das casas e recolhesse porcos e outros animais. Não parecia bem que Sua Alteza Real visse tais coisas ao passar pela cidade. Dom Pedro veio, de fato, e, com certa ajuda do acaso, sua passagem por São Paulo contribuiu para mudar definitivamente a condição política do Brasil. 

(*) Os trechos citados da Ata da Câmara de São Paulo foram transcritos na ortografia atual, com acréscimo da pontuação indispensável.


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quinta-feira, 9 de junho de 2022

De que se ocupavam os homens espartanos

A atividade econômica mais importante (e quase a única) em Esparta era a agricultura. Mas não pensem, leitores, que esparciatas punham "a mão na massa". Competia aos hilotas o trabalho na terra, segundo Plutarco (¹), autor de uma biografia de Licurgo (²): "Quanto à agricultura, os escravos [dos espartanos] é que se ocupavam de lavrar o solo e fazer as colheitas. A produção equivalente ao que cabia a cada esparciata era posteriormente entre eles distribuída" (³).
Os hilotas, designados como escravos porque estavam sujeitos a trabalho compulsório, não constituíam, porém, mercadoria que se pudesse comprar ou vender. Talvez a designação de servos fosse mais adequada, porque estavam ligados à terra. Eram descendentes de antigos habitantes da Lacônia - de acordo com Tucídides, descendiam dos aqueus, mais precisamente. Sua condição de vida era péssima, e os espartanos não perdiam oportunidade de torná-la ainda mais miserável.
Não se pode, então, evitar uma pergunta: se a economia de Esparta estava fundamentada na agricultura, e se eram os hilotas que cultivavam o solo, o que é que faziam os homens adultos livres, também chamados esparciatas?
A guerra era o sumo propósito da vida de um esparciata. Portanto, de conformidade com Plutarco, "quando não estavam na guerra, [os homens espartanos] usavam o tempo se exercitando. Para cuidar do corpo, corriam e saltavam. Também praticavam a caça e se reuniam para deliberações, mantendo sempre um comportamento sisudo e respeitoso" (⁴). 
A entrada na vida política da cidade-Estado se fazia quando o jovem guerreiro, tendo demonstrado sua capacidade nos combates, completava trinta anos: "Quanto aos jovens, não lhes era permitido vir ao local de deliberações e conversar em público. Nem mesmo podiam comparecer às assembleias de cidadãos com os homens mais velhos, a não ser que já tivessem trinta anos" (⁵).

(1) c. 45 - 125 d.C.
(2) Legislador espartano semilendário.
(3) PLUTARCO, Vitae parallelae. O trecho citado foi traduzido por Marta Iansen, para uso exclusivamente no blog História & Outras Histórias.
(4) Ibid.
(5) Ibid.


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quinta-feira, 2 de junho de 2022

A Cruzada das Crianças

"Cruzados", desenho de Lee Woodward Zeigler (*)
Era o ano de 1212. O fracasso das Cruzadas formais fez nascer a convicção, apenas compreensível pela mística predominante naqueles dias, de que um exército composto por crianças seria capaz de reconquistar Jerusalém. Na presumível inocência dos pequenos imaginava-se haver alguma probabilidade de êxito, contrapondo-se ao fracasso das expedições formadas por guerreiros experientes que buscavam, na luta pelo controle de Jerusalém, expiar um arsenal completo de pecados. 
A ideia alastrou-se com certa facilidade e, pouco depois, um número considerável de meninos e meninas, a maioria de origem alemã e francesa, punha-se a caminho da chamada Terra Santa, sob o comando, afirma-se, de um camponezinho chamado Étienne. Os relatos da época - isso é inegável - são um tanto desencontrados quanto a detalhes, mas não se pode descartar a ocorrência, nesse tempo, de bandos de crianças em marcha para o sul da Europa, supondo que, de algum modo, seriam miraculosamente conduzidos à Palestina. 
Mas, se adultos fortes e devidamente alimentados, com boas armas e cavalos, fracassavam, como acreditar que, seguindo a pé e dependendo da caridade popular para alimentação, esses grupos de crianças e adolescentes poderiam reconquistar Jerusalém? Muitos ficaram pelo caminho, morrendo de frio, fome e exaustão, e uns poucos chegaram a voltar para casa. Aqueles que, havendo superado o longo trajeto, chegaram diante do Mediterrâneo, foram agraciados com uma proposta aparentemente generosa de proprietários de embarcações que se dispunham a transportá-los. Ingenuamente, aceitaram a oferta. Era uma armadilha, que os colocaria nas mãos de comerciantes de escravos.
Estranho paradoxo, esse, no modo como a mentalidade medieval via e tratava as crianças: somente elas, em sua pureza, poderiam reconquistar Jerusalém; por outro lado, nenhum respeito ou consideração para com aquelas que, alvo da mais pérfida astúcia, foram capturadas e vendidas para o trabalho escravo e para prostíbulos.

(*) THE YEAR'S ART. New York, Harry C. Jones, 1893, p. 266. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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