quinta-feira, 2 de junho de 2022

A Cruzada das Crianças

"Cruzados", desenho de Lee Woodward Zeigler (*)
Era o ano de 1212. O fracasso das Cruzadas formais fez nascer a convicção, apenas compreensível pela mística predominante naqueles dias, de que um exército composto por crianças seria capaz de reconquistar Jerusalém. Na presumível inocência dos pequenos imaginava-se haver alguma probabilidade de êxito, contrapondo-se ao fracasso das expedições formadas por guerreiros experientes que buscavam, na luta pelo controle de Jerusalém, expiar um arsenal completo de pecados. 
A ideia alastrou-se com certa facilidade e, pouco depois, um número considerável de meninos e meninas, a maioria de origem alemã e francesa, punha-se a caminho da chamada Terra Santa, sob o comando, afirma-se, de um camponezinho chamado Étienne. Os relatos da época - isso é inegável - são um tanto desencontrados quanto a detalhes, mas não se pode descartar a ocorrência, nesse tempo, de bandos de crianças em marcha para o sul da Europa, supondo que, de algum modo, seriam miraculosamente conduzidos à Palestina. 
Mas, se adultos fortes e devidamente alimentados, com boas armas e cavalos, fracassavam, como acreditar que, seguindo a pé e dependendo da caridade popular para alimentação, esses grupos de crianças e adolescentes poderiam reconquistar Jerusalém? Muitos ficaram pelo caminho, morrendo de frio, fome e exaustão, e uns poucos chegaram a voltar para casa. Aqueles que, havendo superado o longo trajeto, chegaram diante do Mediterrâneo, foram agraciados com uma proposta aparentemente generosa de proprietários de embarcações que se dispunham a transportá-los. Ingenuamente, aceitaram a oferta. Era uma armadilha, que os colocaria nas mãos de comerciantes de escravos.
Estranho paradoxo, esse, no modo como a mentalidade medieval via e tratava as crianças: somente elas, em sua pureza, poderiam reconquistar Jerusalém; por outro lado, nenhum respeito ou consideração para com aquelas que, alvo da mais pérfida astúcia, foram capturadas e vendidas para o trabalho escravo e para prostíbulos.

(*) THE YEAR'S ART. New York, Harry C. Jones, 1893, p. 266. A imagem foi editada para facilitar a visualização neste blog.


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