quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Menino escravo

Com a cesta no braço, vai subindo a rua.
- Salsinha, cebolinha, tomilho, manjericão!... Hortelã...
Do outro lado, sentado em uma cadeira posta na calçada, um homem lê o jornal. Da porta semiaberta logo atrás, sai uma mulher com um avental branco, muito limpo e engomado. Atravessa a rua, escolhe os temperos e entrega a moedinha correspondente. A hora do jantar não tarda.
O menino apalpa as moedas no bolso. Quer ter certeza de que todas ainda estão lá. Continua, ladeira acima.
- Salsinha, cebolinha, tomilho, manjericão!... Hortelã...
Logo se ouve um pateado rápido sobre as pedras da rua. O cavaleiro, ao passar pelo homem que lê o jornal, leva a mão ao chapéu, em cumprimento. O leitor levanta os olhos, acena com a cabeça, e volta a ler. O ruído das ferraduras sobre o calçamento logo desaparece na curva que a rua faz à direita.
 - Salsinha, cebolinha, tomilho, manjericão!... Hortelã...
Cinco meninos brincam com uma bola. Riem, provocam, as janelas de madeira parecem não se importar. Isso é medo apenas para vidraças.
Um erro no jogo e a bola desce, sem governo, até onde está o pequeno escravo. Olhinhos brilhantes, deixa a cesta no chão por um momento e devolve a bola. A brincadeira recomeça.
- Salsinha, cebolinha, tomilho, manjericão!... Hortelã...
A senhora não gosta de vê-lo voltar com sobras. Apalpa de novo as moedinhas no bolso, o coração dispara, falta uma... Não, está logo ali, do outro lado. Os pezinhos que desconhecem sapatos se apressam em subir a ladeira. É preciso estar de volta antes do acender dos lampiões.


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