domingo, 27 de fevereiro de 2011

Escolas de primeiras letras nos dias da palmatória

Nos tempos coloniais, e mesmo durante o Império, muitas escolas tinham religiosos como professores, o que é facilmente compreensível se levarmos em consideração que, excetuando-se os jovens destinados pelos pais à carreira do Direito, em geral apenas os futuros sacerdotes é que realizavam estudos mais extensos e, portanto, tinham condições de ensinar. Os docentes não-membros do clero tornaram-se mais frequentes à medida que avançavam os anos do século XIX e, com eles, influências estrangeiras no campo da educação começaram a aportar no Brasil, contribuindo para mudar a face do sistema de ensino vigente, se é que se pode falar em "sistema de ensino" no Brasil daquela época. O fato é que, como regra geral, escola de verdade era apenas para os filhos das camadas mais altas da sociedade, como preparação para cursar Medicina ou Direito, nas poucas instituições existentes no País ou, o que não era incomum, nas universidades europeias. Quanto às meninas ricas, se não viviam em locais distantes das áreas urbanas, também frequentavam colégios, nos quais aprender piano e francês era uma questão de honra, sem descuidar, naturalmente, daquelas habilidades que deveriam valorizar uma jovem para o casamento, segundo os padrões então vigentes.
E os filhos do povo? Pouquíssimas meninas chegavam a frequentar aulas, enquanto os meninos, encaminhados à Escola de Primeiras Letras (quando havia uma por perto), somente aprendiam, com sorte, a ler, escrever e fazer contas. O que fugisse disso poderia ser considerado um caso excepcional.
A grande questão que se coloca é: como funcionavam as Escolas de Primeiras Letras no interior do País, destinadas aos meninos de baixa condição social? Nesse caso, a Literatura pode ajudar bastante. Selecionei dois trechos que darão uma ideia bastante razoável do pesadelo que deveria ser frequentar tais estabelecimentos de ensino. O primeiro é de José de Alencar, o segundo, de Aluísio Azevedo.

"Havia em Santa Bárbara uma aula pública de primeiras letras, à qual ainda o vulgo pelo costume antigo tratava de escola régia. Servia de mestre um latagão de verbo alto e punho rijo, que fora outrora ferrador e a quem chamavam Domingão.
Fiel às tradições da antiga profissão, entendia ele lá de si para si que um bom processo de ferrar bestas devia de ser por força excelente método de ensinar a leitura e a tabuada: e fossem tirá-lo dessa ideia! Assim encaixava o abecê na cachola do menino com a mesma limpeza e prontidão com que metia um cravo na ferradura. Era negócio de dois gritos, um safanão e três marteladas." (¹)

"Aos sete anos entrou para a escola. Que horror !
O mestre, um tal Antônio Pires, homem grosseiro, bruto, de cabelo duro e olhos de touro, batia nas crianças por gosto, por um hábito do ofício. Na aula só falava a berrar, como se dirigisse uma boiada. Tinha as mãos grossas, a voz áspera, a catadura selvagem; e, quando metia pra dentro um pouco mais de vinho, ficava pior." (²)

Sim, leitor, devia ser um pesadelo ter de frequentar uma escola dessas, cujos problemas começavam pela questão da absoluta falta de preparo dos "professores" e iam esbarrar na inexistência de uma política nacional de educação que enfrentasse, antes de mais nada, a necessidade de combater o horripilante analfabetismo que grassava entre a população. Não que a totalidade das escolas fosse  assim, mas o fato de a Literatura estar permeada de retratos fantasmagóricos de salas de aula nos leva à óbvia conclusão de que esse "fenômeno" nada tinha de incomum, o que não chega a ser espantoso, se relembrarmos o fato de que ainda na atualidade, mesmo em alguns países tidos como muito civilizados, permite-se o uso de coerção física para disciplinar a criançada. É a prevalência de um princípio tão velho quanto sórdido que sustenta que, se funcionou no passado, tem de continuar funcionando hoje. E funciona mesmo, pois sempre produziu gerações de neuróticos traumatizados que, uma vez adultos, continuaram a usar sadicamente, para com as novas gerações, os mesmos métodos brutais a que foram submetidos na infância.

(1) ALENCAR, José de. Til.
(2) AZEVEDO, A. Casa de Pensão.


Veja também:

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Imposto sobre a cachaça para custear a instrução da juventude

"Arnaldo tinha partilhado das lições que o padre capelão dava a Flor, Alina e Jaime; mas sabidas as primeiras letras, o haviam tirado da escola, visto que um vaqueiro não carecia de mais instrução, e essa mesma já era luxo para muitos que se contentavam em saber contar pelos riscos de carvão."
José de Alencar, O Sertanejo

Que ninguém se preocupe, não estou propondo um novo imposto - vou tratar de um bem antigo...
Em tempos que precederam a independência do Brasil havia, sim, um imposto destinado a custear a instrução dos jovens, através das chamadas aulas e escolas régias, quase sempre apenas de Primeiras Letras, ainda que em algumas localidades houvesse também classes de Latim e só em raríssimos casos incluíam-se outras disciplinas, tais como Grego, Lógica e Retórica, eventualmente Matemática. Mais que isso, só em algumas Capitais. Para pagar os professores é que se taxava a o café e os produtos relacionados à indústria açucareira, o que incluía, portanto, o açúcar, a rapadura e a aguardente.
Demonstrando o que digo, vale observar o que assinala o Padre Aires de Casal em sua Corografia Brasílica (primeira edição em 1817), quando fala da Ilha de Santa Catarina e refere que é "a mocidade instruída por mestres régios de Primeiras Letras e Latim, para cujos honorários há um tributo na aguardente."
Outro que menciona o tal tributo é Auguste de Saint-Hilaire, ao elencar os tributos que deviam ser pagos no Brasil. Diz ele:
"Subsídios literários - elevado imposto sobre o açúcar e o café, para o custeio das despesas com a educação da mocidade ao qual, no dizer de Eschwege, era dado destino inteiramente diverso." (¹)
Ora, leitor, nem era preciso dizer que o imposto arrecadado costumava ter outras finalidades... Era apenas questão de observar as condições gerais de instrução no País. E, nesse caso, Saint-Hilaire tinha a seu favor o fato de ter viajado extensamente pelo Brasil, aliando-se a isso que, sendo estrangeiro, talvez conseguisse mais facilmente identificar o problema de maneira crítica. Que não deixou de fazê-lo, vê-se pelo que escreveu, ao narrar uma conversa com gente do interior:
"Pus-me a conversar com alguns homens ali presentes. Mostravam bem os seus trajos que não eram roceiros. [...].
Caiu a conversa sobre os acontecimentos do Rio de Janeiro. Tive a impressão de que estes homens não têm ideias sobre os fatos. Estão também muito pouco a par dos fins colimados pela revolução de Portugal. Enfim, tanto desconhecem os interesses de seu país quanto fazem confusa ideia das relações do Brasil com a mãe-pátria.
As agitações do Rio de Janeiro , anteriores a 12 de janeiro, foram promovidas por europeus, e as revoluções das províncias obra de algumas famílias ricas e poderosas. A massa popular a tudo ficou indiferente, parecendo perguntar como o burro da fábula: "Não terei a vida toda de carregar a albarda?"" (²)
O que surpreendia o naturalista francês era a quase completa ignorância entre a "massa popular", como ele diz, sobre as questões "quentes" do momento, relacionadas ao encaminhamento da ruptura dos laços entre o Brasil e Portugal, já que ele escreve pouco tempo antes da consumação desse fato.
Pergunto: Poderia ser diferente? Como esperar consciência política de quem tem pouquíssima ou nenhuma instrução? Se a intenção era manter a população colonial na ignorância, o resultado foi perfeito. Mas não precisava sobreviver à independência, à República e sabe-se mais a que acontecimentos.

(1) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 226.
(2) SAINT-HILAIRE, A. Op. cit., pp. 97 e 98.


Veja também:

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"Voluntários da Pátria" - não tão voluntários assim...

Quase toda a gente já ouviu contar histórias relacionadas ao recrutamento forçado dos chamados, curiosamente, "Voluntários da Pátria", ou seja, soldados que deviam servir na guerra "do Paraguai" (assim denominada no Brasil, é óbvio). São casos absurdos de pessoas que se mutilavam para não ir à Guerra, de outros que fugiam para o interior das florestas e até, dramaticamente, para os padrões de "honra masculina" da época, de rapazes que, não querendo fugir à devoção de hábito, compareciam aos ofícios religiosos em austeros trajes femininos... Todos esses artifícios eram justificados pelos horrores do cenário bélico, onde as doenças (cólera, particularmente), eram tão mortais quanto as armas.
Entretanto, no afã de fugir ao alistamento indesejado, valia até mesmo usar a força. Em uma publicação de 1868, a Folhinha de Modinhas Para o Ano Bissexto de 1868, na qual havia uma lista de acontecimentos relevantes dos anos precedentes, podem ser encontradas várias referências nesse sentido. Acompanhe comigo, leitor:

12 de novembro de 1866
"Uma escolta que conduzia à capital da província do Ceará dois recrutas ou guardas nacionais designados, foi atacada por oito mulheres, que lograram ficar em posse dos presos, depois de alguma luta e força física." (p. 165)

25 de novembro de 1866
"Por ocasião de dar-se uma busca na casa de Vicente Nunes, morador no bairro de S. Lourenço (província de S. Paulo), a fim de ser recrutado um filho deste, Nunes, armado de uma espingarda, resistiu à escolta, ferindo o guarda João Pires, sendo neste ato também ferido gravemente com um tiro que lhe disparou o guarda policial Roque Antônio de Moraes." (p. 166)

22 de março de 1867
"Foi assaltada às três horas da madrugada, por um troço de cerca de 200 pessoas, a cadeia de Pau d'Alho (Pernambuco), que continha uns 125 recrutas e guardas nacionais designados, além de alguns criminosos. Conseguindo desarmar a guarda da prisão e arrombando diversas portas, puseram em liberdade todos os presos." (p. 172)

Quase dá para dizer que, nessas circunstâncias, Pau d'Alho teve a sua Bastilha... Vale observar que a feroz resistência ao recrutamento é um forte indício do pavor que a Guerra inspirava, aliás justificadamente, como já assinalei.
Porém, no decurso do confronto (que durou de fins de 1864 até 1870), a necessidade de homens em armas era crescente e, nesse cenário, as estratégias governamentais para aumentar o número de recrutas eram também variadas. Podia-se substituir com escravos algum livre que fosse convocado, e um decreto imperial estipulou a alforria para os escravos que servissem na Guerra. O próprio Imperador D. Pedro II contribuiu para o fundo de manumissão de escravos que, libertos, seriam também encaminhados ao Exército, conforme a mesma Folhinha refere:

21 de fevereiro de 1867
"S. M. o Imperador deu cem contos de réis ao Ministério da Guerra para a manumissão de escravos que vão servir no exército em operações contra o Paraguai." (p. 170)

E, finalmente, não sendo suficientes esses meios, ou seja, o recrutamento forçado e a manumissão de escravos, restava ainda um expediente:

16 de fevereiro de 1867
"Chegaram da Ilha de Fernando à Corte 193 indultados para servirem na Guerra do Paraguai." (p. 170)

Provavelmente a "Ilha de Fernando" é uma referência à celebre colônia penal existente na principal ilha do Arquipélago de Fernando de Noronha (que funcionou desde o século XVIII até meados do XX). Portanto, vê-se que até mesmo prisioneiros foram indultados com a condição de também seguirem para o front. Ora, esse procedimento não era exatamente uma novidade em terras tupiniquins, já que a colonização se fez, em parte, por degredados que deixavam as masmorras lusitanas para viver no Brasil.
Isso tudo, leitor, nos conduz à seguinte constatação:  os "Voluntários da Pátria" não foram assim tão voluntários!


Veja também:

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O pequeno cisne de Odense - entre o doce conto infantil e a amarga crítica social

"É uma delícia flutuar na água, disse o patinho; é delicioso senti-la correr sobre sua cabeça quando você mergulha até o fundo."
H. C. Andersen, O Patinho Feio


Você diria, leitor, que o pequeno cisne da foto ao lado é feio? Parece que há algo em nós que nos leva a desenvolver certa ternura pelos filhotes em geral, sejam lá de que espécie forem. Todavia, como o conto de Hans Christian Andersen nos obriga a recordar, as coisas podem não ser tão favoráveis quando se é muito diferente da maioria, mesmo sendo um "filhote fofinho".
Pois bem, relembrando a infância, o patinho feio foi o último filhote a sair do ovo, na ninhada de uma pata (como teria ido parar lá?), no início da primavera. A orgulhosa mãe foi logo atormentada pelos demais patos, não por causa dos patinhos amarelinhos, seus filhotes "normais", mas pelo esquisito filhote grandalhão e acinzentado. Entre a pataria perguntava-se: "Será que ele é um peru?"
Patos e galinhas não davam paz ao "monstrinho". Cansado da zombaria (nós diríamos, do bullying), o patinho feio foge e vai dar com um bando de gansos selvagens, que admitem sua companhia "desde que não queira se casar com ninguém de sua família". Ocorre que, dias depois, os gansos selvagens são alvo de caçadores, fazendo com que o pobre serzinho, para escapar dos tiros, tenha novamente que fugir apavorado. Foi meter-se em um galinheiro e, visto pela velha dona da casa, foi considerado uma pata que deveria botar ovos. Fugindo também dali, viu, ao aproximar-se o outono, um grupo de cisnes em um lago e admirou sua beleza. Os dias foram ficando mais frios e, com a chegada do inverno, o lago congelou. Poderia ter morrido de frio, mas um camponês que passava levou-o para casa. Tiranizado pelas crianças, fugiu ainda essa vez, a custo conseguindo sobreviver ao terrível inverno.
Mas a primavera retornou e, com ela, os belos cisnes do lago. Observando desde a margem, o patinho decidiu aproximar-se deles, supondo que seria morto por tanta ousadia. Os cisnes também nadaram em sua direção, de modo que baixou a cabeça esperando o primeiro golpe. Ao fazê-lo, viu sua própria imagem refletida na água, não mais de um patinho cinzento, mas de um cisne espetacular, em plena juventude.
Essa é a história de Andersen. Por que gostamos tanto dela?
Aposto que, antes de mais nada, todos nós nos identificamos um pouco com o patinho. Não creio que haja ser humano sobre a terra que não tenha experimentado, alguma vez, a estranha sensação de "estar fora de lugar". É minha opinião que essa história expressa muito bem a realidade vivida pelo próprio Andersen em sua infância e juventude - menino pobre de Odense, perdeu os pais muito cedo, e corria um boato nas redondezas (provavelmente infundado) de que talvez fosse filho do rei da Dinamarca. Entretanto, por ser muito talentoso, acabou por triunfar, ganhando fama internacional. Mas o caso não acaba aí, pois se acabasse, poderíamos até dizer que Andersen era a versão humana do patinho feio (a propósito, seus biógrafos dizem que ele se achava mesmo muito feio).
Andersen não foi o que se pode chamar, exatamente, de uma pessoa muito ajustada. Enfrentou, ao longo de sua vida (1805 - 1875), o problema de ver-se, a despeito da genialidade, amarrado às teias de uma sociedade muito rígida, em que a posição determinada pelo nascimento era decisiva, refletindo-se nas possibilidades de relacionamento e mesmo de aceitação. O que é fascinante é o fato de que, durante os séculos de sociedade estamental, milhões de pessoas ajustadas aceitaram a condição em que nasceram sem questionamentos, e viveram suas vidas "normais" sem qualquer grande novidade - enquanto isso, um "desajustado" como Hans Christian Andersen escreveu O Patinho Feio e muitas outras obras, ganhou notoriedade e respeito e deixou uma obra que ainda encanta e continuará a fazê-lo enquanto as desigualdades e injustiças de toda natureza tiverem lugar neste planeta. Nesse sentido, esse aparentemente singelo conto infantil repudia a zombaria dos patos, as bicadas das galinhas e as esporadas dos galos (falo em sentido figurado, evidentemente), destaca a estupidez de discriminar o diferente apenas por não ser como o "padrão" e lembra que, ao menos no que tange ao tempo da natureza, a primavera sempre retorna após cada inverno.


Veja também:

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Que tal embutir a rede elétrica?

Cidades que conservam um razoável patrimônio histórico têm, em virtude disso, um enorme potencial turístico. Embora esse potencial nem sempre seja explorado convenientemente, não há dúvida de que pode acrescentar muito às possibilidades econômicas de uma localidade. Nesse caso, espera-se que a administração pública faça o necessário para não apenas divulgar o patrimônio histórico com o objetivo de atrair turistas, mas que também venha a empenhar-se em dar aos visitantes condições satisfatórias para uma estada agradável, estimulando um possível retorno, algum dia. Isso inclui não só manter os locais históricos em condições excelentes (o que é óbvio), mas também favorecer o setor de hotéis e restaurantes, além de prover condições adequadas de informação e transporte. Infelizmente, não é o que acontece, em muitos casos.
É evidente a diferença entre lugares com e sem a
rede elétrica encobrindo o cenário
Tenho observado, porém, mesmo em locais até bem preservados, que por vezes os turistas precisam ter habilidades verdadeiramente ginásticas se quiserem obter boas fotos. A razão é simples: o emaranhado da rede elétrica, diante de locais importantes, torna difícil, senão impossível, registrar e levar para casa (e, claro, para as redes sociais), o momento da visita, por vezes tão aguardada. Não creio que seja alguma missão inexequível embutir a fiação, deixando a vista livre para ser devidamente apreciada. Essa providência, já adotada em alguns lugares (inclusive com a uso de um novo tipo de iluminação, que poderíamos chamar "de época"), enriquece bastante a experiência do turismo histórico. Fica aqui, portanto, a sugestão aos administradores municipais.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

As tarifas de correios na Corte do Império do Brasil

"É a primeira vez que a nossa velha tia recebe carta pelo correio... o fato nos tornou curiosos."
Joaquim Manuel de Macedo, Uma Pupila Rica

Que tarifa era cobrada para a remessa de correspondência no Império?
Decretos de 1865 e 1866 determinaram que em todo o Brasil se cobrasse um valor padrão de 100 réis para a remessa de cartas, valor esse que seria elevado de acordo com a seguinte tabela (¹), caso a correspondência fosse superior a 15 gramas:


Entretanto, na Corte (Rio de Janeiro), havia também o correio urbano, cujas tarifas eram as seguintes (²):


Entretanto, acrescentava-se uma informação muito interessante:
"Pagará, porém, somente a taxa de 20 réis, cada uma das cartas especificadas nos parágrafos seguintes:
1º Participações de casamento e de nascimento.
2º Convites de enterro.
3º Bilhetes de visita, não excedendo a dois em cada capa.
4º Circulares, prospectos e avisos diversos."
Por aí se vê, leitor, que eventos eram considerados prioritários na vida em sociedade (a ponto de merecerem desconto nas tarifas) e qual era o papel social que desempenhavam os correios na época - nesse caso particular, no que se refere à convivência na Capital do Brasil.

(1) Folhinha de Modinhas para o Ano Bissexto de 1869. Rio de Janeiro: Livraria de Antônio Gonçalves Guimarães Comp., p. 133.
(2) Ibid., p. 134.


Veja também:

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Os correios em São Paulo no ano de 1852


Se você quiser mandar alguma correspondência a alguém, deve deixá-la em alguma caixa de coleta, já devidamente selada, ou então deve levá-la diretamente a uma agência de correios. As caixas de coleta recolhem a correspondência a qualquer hora do dia ou da noite, já as agências de correios funcionam em horário específico. Mas nem sempre foi assim.
Se você vivesse em São Paulo na década de 1850, teria que ficar atento aos horários estabelecidos para as remessas postais, conforme sabemos por esse aviso que costumava aparecer no jornal Aurora Paulistana (*):


"PARTIDA DOS CORREIOS - Para a Corte pelas barcas de vapor - na véspera das partidas delas. Norte, e terrestre da Corte - 1, 6, 11, 16, 26 e 31. Interior por Sorocaba, Campinas e povoações marítimas ao sul de Santos - 2, 12 e 22. Linha de Bragança - 6, 16 e 26. Santos - 2, 7, 12, 17, 22 e 27.
A administração recebe a correspondência para os vapores até as 7 horas da tarde da antevéspera da partida, mas das 5 horas em diante o porte é dobrado.
Quanto às outras correspondências , são recebidas nos dias da partida das malas - as do norte até às 5 horas da tarde; e as outras até às 10 horas da manhã. O porte é dobrado 1 hora antes."
O que depreendemos disso?
a) A correspondência, no Brasil da metade do século XIX, podia seguir em embarcações a vapor ou por via terrestre (nas costas de mulas, portanto);
b) No primeiro caso, a ida da correspondência dependia da data em que as embarcações a vapor seguiam para a "Corte", ou seja, para o Rio de Janeiro, capital do Brasil na época;
c) Quem queria  mandar uma carta precisava, de acordo com o destino, estar atento às datas disponíveis, já que havia poucos dias no mês em que a correspondência era remetida;
d) O fato de serem poucos os dias "de correio" a cada mês nos dá informações sutis a respeito das condições de transporte e comunicações no Brasil da época;
e) A informação de que, poucas horas antes do envio, o porte (valor dos selos) era dobrado, nos diz quão estafante supunha-se o trabalho dos funcionários em  recolher a imensa quantidade de correspondência que precisava ser enviada, naquele Brasil tão densamente povoado e alfabetizado de 1852, justificando o fato de haver um estímulo a que tudo fosse feito com antecedência... 
Só podemos concluir que, sendo o ritmo de vida muito mais lento do que hoje, as pessoas podiam enviar suas cartas, pessoais ou comerciais, sem o desespero que nos caracteriza atualmente por ver a informação chegar o quanto antes. Aliás, na maioria dos casos, não havia sequer a garantia de que, de fato, a correspondência chegaria ao destinatário.
Que me diz, leitor? Prefere carta ou e-mail?

(*) AURORA PAULISTANA, 1º de maio de 1852.


Veja também:

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Quem ainda escreve cartas?

Quando foi, leitor, que você escreveu sua última carta? Refiro-me, naturalmente, à correspondência de caráter pessoal, e não às cartas ditas "comerciais". Estive pensando e acho que devo ter escrito a última lá pelo início da década de 1990...
Não sabemos quem foi o primeiro a ter a ideia de enviar algo escrito para alguém, mas temos a certeza de que, na Antiguidade, correspondência era, geralmente, uma questão de Estado, isso porque poucas pessoas sabiam escrever e, portanto, para mandar uma carta era preciso contar com os serviços de um profissional especializado, o escriba. Assim, é graças a isso que sabemos muita coisa sobre o modo de vida e os costumes dos povos antigos, já que ao menos uma pequena parte de toda essa correspondência oficial acabou, de algum modo, sobrevivendo ao tempo e chegando até nossos dias. Não me entenda mal, leitor, mas a súbita decadência do Império Assírio significou a preservação da Biblioteca de Nínive que, não fora esse acaso (feliz para os historiadores, infeliz, lógico, para os assírios), poderia ter desaparecido completamente como a Biblioteca de Alexandria, ainda que seu material básico para os textos, as placas de argila, fosse algo mais resistente que frágeis papiros. E, como é em lugares assim que se encontra a maior parte da correspondência oficial do passado mais remoto, pode-se atualmente ter uma ideia do que era tratado nas antigas cartas enviadas a mando dos poderosos.
Demorou muito tempo para que a correspondência pessoal viesse a ser coisa corriqueira - como já disse, isso dependia da alfabetização tanto de quem escrevia como de quem recebia uma carta. Mas, gradualmente, escrever cartas tornou-se um hábito socialmente importante, enquanto que deixar de responder a uma carta recebida, não havendo motivo forte para isso, veio a ser quebra grave dos códigos de etiqueta. Tão importante foi o crescimento da função social das cartas que o chamado "gênero epistolar" (já possível nos dias dos antigos romanos) ganhou espaço  próprio no campo da literatura. Ao longo do tempo surgiram manuais de correspondência, livros com modelos de carta para todos os gostos e propósitos, esperando-se ainda dos professores que ensinassem a seus discípulos a arte da correspondência.
Mas tudo passa. E a era das cartas já ficou para trás, à medida que formas eletrônicas de correspondência, muito mais práticas, velozes e econômicas assumiram seu posto nas relações interpessoais. A despeito disso, conheço muitos jovens que fazem questão de ainda escrever cartas, não por necessidade, mas como um hobby, tendo o cuidado de escolher o papel e a caneta, caprichando na caligrafia e executando todo um ritual ao dobrar as folhas e colocar em um envelope. Ninguém, no mundo ocidental, costuma desejar viver em tendas, tendo que caçar para a alimentação e fazer fogo para cozinhar ou para sobreviver ao inverno. Entretanto, há muita gente que gosta de acampar nos finais de semana. Talvez com as cartas pessoais esteja acontecendo algo parecido.


Veja também:

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

História contrafactual - Parte 3

1. Caso a Guerra do Peloponeso não acontecesse, seria a Grécia capaz de resistir à conquista macedônica?

2. Quanto poderia ter durado o Império Romano se as invasões bárbaras nunca houvessem ocorrido?

3. Sem o Renascimento haveria Reforma Protestante?

4. Se o território brasileiro fosse estritamente aquele que coube a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas, quais seriam hoje as possibilidades econômicas e estratégicas do Brasil?

5. Se o Paraguai não houvesse se envolvido em guerra nos anos 1864-1870, qual seria sua condição hoje, inclusive no que se refere ao equilíbrio de forças na América do Sul?

6. Se Lenin não houvesse retornado à Rússia em 1917, deixaria uma revolução socialista de lá ocorrer?

7. Quais seriam os rumos da União Soviética se Trotsky, e não Stalin, houvesse se consolidado no poder após a morte de Lenin?

8. O que teria acontecido se uma das potências europeias, e não a Rússia, tivesse sido o primeiro país a passar por uma revolução socialista?


Veja também:

domingo, 6 de fevereiro de 2011

História contrafactual - Parte 2

1. Se Júlio César não houvesse sido assassinado em 15 de março de 44 a.C., quais seriam as possibilidades de que acabasse declinando politicamente, de modo que a República romana sobrevivesse?

2. Se Cleópatra e Marco Antônio houvessem decidido enfrentar as forças de Augusto, vencendo-as, em que isso afetaria o posterior desenvolvimento do que se conhece como Império Romano?

3. Que consequências haveria para movimentos como o Renascimento e a Reforma Protestante se a imprensa de tipos móveis não houvesse sido inventada no século XV?

4. Se a colonização da América por Europeus tivesse começado cem anos mais tarde, que diferenças haveria? (Haveria alguma diferença?)

5. Como seria se, em lugar de os europeus terem chegado à América em 1492, fossem os nativos americanos que houvessem ido à Europa?

6. Em que nossa opinião sobre a obra de J. S. Bach poderia ser alterada se Mendelssohn nunca houvesse encontrado e divulgado os manuscritos da Paixão Segundo São Mateus?

7. Qual seria hoje a posição social das mulheres no mundo ocidental se, durante as duas guerras mundiais, o mercado de trabalho não houvesse precisado delas desesperadamente?

8. O nazismo teria vindo à existência e finalmente chegado ao poder ainda que Adolf Hitler houvesse morrido em combate durante a Primeira Guerra Mundial?


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

História contrafactual (*) - Parte 1

1. Como seria o Egito Antigo se, ao invés do politeísmo, um claro monoteísmo se houvesse estabelecido às margens do Nilo?

2. Que tipo de cultura ter-se-ia desenvolvido na região mediterrânica (e talvez, posteriormente, no mundo Ocidental), se Cartago houvesse derrotado Roma nas Guerras Púnicas?

3. Seria hoje a Igreja Católica a única confissão cristã no Ocidente se Lutero e outros reformadores não tivessem feito qualquer oposição no século XVI?

4. Que impacto haveria sobre o desenvolvimento posterior da música europeia se W. A. Mozart houvesse conseguido um excelente emprego público, que lhe permitisse viver confortavelmente até a velhice, em lugar de ter uma existência atormentada por falta de recursos seguida de morte prematura, com pouco menos de trinta e seis anos de idade?

5. Caso não houvessem sido denunciados, seriam os Inconfidentes de Minas Gerais capazes de conduzir com sucesso uma revolta que resultasse em independência do Brasil?

6. Qual teria sido o desenrolar do processo de independência do Brasil se o governo português tivesse aceitado o Bloqueio Continental imposto por Napoleão Bonaparte, de modo que a Família Real não houvesse decidido transferir-se para o Brasil?

7. Que tipo de país seriam hoje os Estados Unidos se o Sul, e não o Norte, houvesse vencido a Guerra da Secessão?

8. Na hipótese de que a Princesa Isabel não houvesse assinado a Lei Áurea em maio de 1888, o que poderia ter ocorrido em relação à escravidão e aos escravos no Brasil?

(*) História Contrafactual é uma técnica para o estudo da História na qual trabalha-se com perguntas do tipo "Como seria se..." ou "O que teria acontecido caso...". É, evidentemente, apenas uma técnica, mas os resultados podem ser bem interessantes.


Veja também:

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A questão dos instrumentos musicais em museus

A maioria dos museus de cidades do Estado de São Paulo tem, em seu acervo, um ou mais instrumentos musicais. São, em geral, instrumentos que pertenceram a algum músico de destaque na cidade e, depois de sua morte, ficam expostos ao público, como uma espécie de homenagem. Isso é bom, mas poderia ser melhor.
Todo mundo sabe que instrumentos musicais tendem a conservar-se melhor quando são convenientemente usados com alguma regularidade. Portanto, deixar um instrumento guardado dentro de uma caixa de vidro, sem uso algum, apenas contribui para sua usual deterioração. Por isso, a solução óbvia, é que esses instrumentos precisam ser tocados! Mas como conciliar o uso e a preservação?
Minha ideia é que, excetuando-se instrumentos que, de fato, não têm mais condições de uso, os demais deveriam, antes de mais nada, ser restaurados por luthiers competentes. Em seguida, poder-se-ia procurar na própria cidade executantes que, em determinadas datas e, de preferência, em uma sala do próprio museu, deem concertos usando esses instrumentos. Assim, o proveito será grande, pois os instrumentos serão tocados por conhecedores que, a pedido do museu, podem falar ao público sobre o instrumento, seu proprietário original e, naturalmente, sobre as músicas que serão apresentadas. Ou seja, conservam-se os instrumentos, valorizam-se os músicos e educa-se o público.
É trabalhoso? Pode ser, mas assim, inegavelmente, o público terá mais apreço pelos instrumentos que compõem o acervo do museu do que teria pela mera observação do cadáver de um violino, sem cravelhas, sem cavalete,  sem estandarte, sem encordoamento e sem alma - em sentido duplo, por suposto.


Veja também: