terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

"Voluntários da Pátria" - não tão voluntários assim...

Quase toda a gente já ouviu contar histórias relacionadas ao recrutamento forçado dos chamados, curiosamente, "Voluntários da Pátria", ou seja, soldados que deviam servir na guerra "do Paraguai" (assim denominada no Brasil, é óbvio). São casos absurdos de pessoas que se mutilavam para não ir à Guerra, de outros que fugiam para o interior das florestas e até, dramaticamente, para os padrões de "honra masculina" da época, de rapazes que, não querendo fugir à devoção de hábito, compareciam aos ofícios religiosos em austeros trajes femininos... Todos esses artifícios eram justificados pelos horrores do cenário bélico, onde as doenças (cólera, particularmente), eram tão mortais quanto as armas.
Entretanto, no afã de fugir ao alistamento indesejado, valia até mesmo usar a força. Em uma publicação de 1868, a Folhinha de Modinhas Para o Ano Bissexto de 1868, na qual havia uma lista de acontecimentos relevantes dos anos precedentes, podem ser encontradas várias referências nesse sentido. Acompanhe comigo, leitor:

12 de novembro de 1866
"Uma escolta que conduzia à capital da província do Ceará dois recrutas ou guardas nacionais designados, foi atacada por oito mulheres, que lograram ficar em posse dos presos, depois de alguma luta e força física." (p. 165)

25 de novembro de 1866
"Por ocasião de dar-se uma busca na casa de Vicente Nunes, morador no bairro de S. Lourenço (província de S. Paulo), a fim de ser recrutado um filho deste, Nunes, armado de uma espingarda, resistiu à escolta, ferindo o guarda João Pires, sendo neste ato também ferido gravemente com um tiro que lhe disparou o guarda policial Roque Antônio de Moraes." (p. 166)

22 de março de 1867
"Foi assaltada às três horas da madrugada, por um troço de cerca de 200 pessoas, a cadeia de Pau d'Alho (Pernambuco), que continha uns 125 recrutas e guardas nacionais designados, além de alguns criminosos. Conseguindo desarmar a guarda da prisão e arrombando diversas portas, puseram em liberdade todos os presos." (p. 172)

Quase dá para dizer que, nessas circunstâncias, Pau d'Alho teve a sua Bastilha... Vale observar que a feroz resistência ao recrutamento é um forte indício do pavor que a Guerra inspirava, aliás justificadamente, como já assinalei.
Porém, no decurso do confronto (que durou de fins de 1864 até 1870), a necessidade de homens em armas era crescente e, nesse cenário, as estratégias governamentais para aumentar o número de recrutas eram também variadas. Podia-se substituir com escravos algum livre que fosse convocado, e um decreto imperial estipulou a alforria para os escravos que servissem na Guerra. O próprio Imperador D. Pedro II contribuiu para o fundo de manumissão de escravos que, libertos, seriam também encaminhados ao Exército, conforme a mesma Folhinha refere:

21 de fevereiro de 1867
"S. M. o Imperador deu cem contos de réis ao Ministério da Guerra para a manumissão de escravos que vão servir no exército em operações contra o Paraguai." (p. 170)

E, finalmente, não sendo suficientes esses meios, ou seja, o recrutamento forçado e a manumissão de escravos, restava ainda um expediente:

16 de fevereiro de 1867
"Chegaram da Ilha de Fernando à Corte 193 indultados para servirem na Guerra do Paraguai." (p. 170)

Provavelmente a "Ilha de Fernando" é uma referência à celebre colônia penal existente na principal ilha do Arquipélago de Fernando de Noronha (que funcionou desde o século XVIII até meados do XX). Portanto, vê-se que até mesmo prisioneiros foram indultados com a condição de também seguirem para o front. Ora, esse procedimento não era exatamente uma novidade em terras tupiniquins, já que a colonização se fez, em parte, por degredados que deixavam as masmorras lusitanas para viver no Brasil.
Isso tudo, leitor, nos conduz à seguinte constatação:  os "Voluntários da Pátria" não foram assim tão voluntários!


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