quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Imposto sobre a cachaça para custear a instrução da juventude

"Arnaldo tinha partilhado das lições que o padre capelão dava a Flor, Alina e Jaime; mas sabidas as primeiras letras, o haviam tirado da escola, visto que um vaqueiro não carecia de mais instrução, e essa mesma já era luxo para muitos que se contentavam em saber contar pelos riscos de carvão."
José de Alencar, O Sertanejo

Que ninguém se preocupe, não estou propondo um novo imposto - vou tratar de um bem antigo...
Em tempos que precederam a independência do Brasil havia, sim, um imposto destinado a custear a instrução dos jovens, através das chamadas aulas e escolas régias, quase sempre apenas de Primeiras Letras, ainda que em algumas localidades houvesse também classes de Latim e só em raríssimos casos incluíam-se outras disciplinas, tais como Grego, Lógica e Retórica, eventualmente Matemática. Mais que isso, só em algumas Capitais. Para pagar os professores é que se taxava a o café e os produtos relacionados à indústria açucareira, o que incluía, portanto, o açúcar, a rapadura e a aguardente.
Demonstrando o que digo, vale observar o que assinala o Padre Aires de Casal em sua Corografia Brasílica (primeira edição em 1817), quando fala da Ilha de Santa Catarina e refere que é "a mocidade instruída por mestres régios de Primeiras Letras e Latim, para cujos honorários há um tributo na aguardente."
Outro que menciona o tal tributo é Auguste de Saint-Hilaire, ao elencar os tributos que deviam ser pagos no Brasil. Diz ele:
"Subsídios literários - elevado imposto sobre o açúcar e o café, para o custeio das despesas com a educação da mocidade ao qual, no dizer de Eschwege, era dado destino inteiramente diverso." (¹)
Ora, leitor, nem era preciso dizer que o imposto arrecadado costumava ter outras finalidades... Era apenas questão de observar as condições gerais de instrução no País. E, nesse caso, Saint-Hilaire tinha a seu favor o fato de ter viajado extensamente pelo Brasil, aliando-se a isso que, sendo estrangeiro, talvez conseguisse mais facilmente identificar o problema de maneira crítica. Que não deixou de fazê-lo, vê-se pelo que escreveu, ao narrar uma conversa com gente do interior:
"Pus-me a conversar com alguns homens ali presentes. Mostravam bem os seus trajos que não eram roceiros. [...].
Caiu a conversa sobre os acontecimentos do Rio de Janeiro. Tive a impressão de que estes homens não têm ideias sobre os fatos. Estão também muito pouco a par dos fins colimados pela revolução de Portugal. Enfim, tanto desconhecem os interesses de seu país quanto fazem confusa ideia das relações do Brasil com a mãe-pátria.
As agitações do Rio de Janeiro , anteriores a 12 de janeiro, foram promovidas por europeus, e as revoluções das províncias obra de algumas famílias ricas e poderosas. A massa popular a tudo ficou indiferente, parecendo perguntar como o burro da fábula: "Não terei a vida toda de carregar a albarda?"" (²)
O que surpreendia o naturalista francês era a quase completa ignorância entre a "massa popular", como ele diz, sobre as questões "quentes" do momento, relacionadas ao encaminhamento da ruptura dos laços entre o Brasil e Portugal, já que ele escreve pouco tempo antes da consumação desse fato.
Pergunto: Poderia ser diferente? Como esperar consciência política de quem tem pouquíssima ou nenhuma instrução? Se a intenção era manter a população colonial na ignorância, o resultado foi perfeito. Mas não precisava sobreviver à independência, à República e sabe-se mais a que acontecimentos.

(1) SAINT-HILAIRE, A. Segunda Viagem a São Paulo e Quadro Histórico da Província de São Paulo. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 226.
(2) SAINT-HILAIRE, A. Op. cit., pp. 97 e 98.


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