Saint-Hilaire, o naturalista francês que andou pelo Brasil no século XIX, espantou-se com a geral falta de instrução da população brasileira, e não foi certamente o único a dar-se conta do problema. Embora existissem brasileiros notáveis pelo saber e cultura, a maioria das pessoas era extremamente ignorante. Por quê?
A lista de razões poderia ser enorme. Veremos aqui apenas algumas delas:
1. Na mentalidade popular, apenas umas poucas pessoas - padres, por exemplo - precisavam de instrução.
2. O papel, onde se deveriam escrever as lições, era muito caro, e os livros, por sua vez, eram raríssimos. Sabe-se que algumas regiões chegavam a ter falta absoluta de meio circulante, de modo que as transações comerciais eram feitas em espécie. Nesse cenário, comprar o que vinha de longe, de Portugal, era quase impossível para coisas consideradas essenciais (vinho, bacalhau, azeite...), quanto mais para aquilo que se tinha como supérfluo.
3. O empreendimento de colonização era árduo e demandava todos os braços disponíveis, fossem eles livres ou cativos, de modo que os meninos que tinham o privilégio de frequentar a escola lá permaneciam por pouco tempo, sendo logo ocupados com outras atividades.
4. Havia poucos professores disponíveis, sendo a quase totalidade deles, padres jesuítas. Como os jesuítas não tinham colégios em todas as povoações, quem residia longe teria sérios problemas em encontrar um lugar adequado para morar enquanto se dedicava aos estudos - Antonil chegou a sugerir aos senhores de engenho (que viviam no campo, onde geralmente não havia escolas), que deixassem seus filhos em casa de parentes moradores de áreas urbanas para que pudessem receber alguma educação.
5. A vida simples dos colonos não exigia, grosso modo, grandes conhecimentos acadêmicos. Era perfeitamente possível que alguém passasse a vida toda sem nenhum constrangimento por sua pouca instrução, desde que tivesse uma leitura sofrível e fosse capaz de fazer algumas contas.
6. Embora alegassem o contrário, as próprias autoridades não faziam, via de regra, grande esforço para melhorar a instrução popular, porque havia um temor de que o estudo e a leitura de certos autores, em particular no contexto do espalhar-se de ideias iluministas, viesse a incentivar rebeliões.
7. Tudo isso considerado, imagine-se agora o que aconteceria a um rapaz que, vencendo tantos obstáculos, chegasse a superar o nível básico de instrução. Teria, para prosseguir em seus estudos, de ir à Europa, já que, até a vinda da família real lusitana (1808), não se cuidou do estabelecimento de qualquer instituição de ensino superior no Brasil. Assim, as possibilidades de uma formação acadêmica completa eram restritas aos poucos que dispunham de recursos para manter-se em alguma universidade europeia, caso em que a preferência recaia, como não poderia deixar de ser, em Coimbra.
Tudo o que se disse até aqui refere-se à instrução para meninos. Quanto às meninas, a situação era ainda pior, porque na maior parte do Brasil, durante o Período Colonial, as mulheres viviam reclusas ou semirreclusas, o que quer dizer, sem meias-palavras, que passavam a vida toda trancadas dentro de casa, longe de quaisquer olhos estranhos, apenas saindo, sempre com companhia masculina da família, para alguma rara cerimônia religiosa ou visita a algum parente. Diante disso, estava fora de questão que as meninas fossem enviadas a alguma escola de desasnar (*). Entendia-se que tudo o que precisavam saber, referindo-se sempre aos cuidados de uma casa, aprenderiam em casa mesmo, com a mãe ou outras mulheres mais velhas.
Demais disto, era habitual que pais ricos e poderosos, como os senhores de engenho, negociassem casamento para as filhas tão logo estas atingissem a adolescência. Casava-se pois uma menina com aquele que o pai escolhesse, mais com vistas a firmar uma aliança política e/ou econômica vantajosa do que a atender às preferências da noiva, que, com frequência, nem era consultada e, se era, esperava-se que cumprisse seu dever filial de assentir sem discussões. Por isso, entre famílias de grandes senhores rurais, não era incomum que uma jovenzinha fosse obrigada a casar-se com um homem muito mais velho (já viúvo algumas vezes, em tempos nos quais a morte de mulheres durante um parto era coisa corriqueira), que talvez nunca antes tivesse visto. Chega a ser quase um portento que, a despeito de tudo isso, houvesse uma ou outra mulher que alegasse saber ler e escrever, quando interrogada a respeito.
(*) Assim eram popularmente chamadas as Escolas de Primeiras Letras.
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