Notícia publicada no jornal Aurora Paulistana, 1º de maio de 1852 |
Nascido em São Paulo no dia 12 de setembro de 1831, o poeta Álvares de Azevedo faleceu no Rio de Janeiro em 25 de abril de 1852. Era jovem, muito jovem, e já fazia grande sucesso com suas produções literárias, aliás de caráter bastante diversificado, refletindo um espírito em busca de seus rumos, típico de um (quase) adolescente. Ao contrário do que muitos pensam, o tal senso de "ser adulto" tem variado muito de idade - já notou, leitor, por exemplo, como mudou ao longo dos tempos a época da vida que se considerava apropriada para o casamento? De todo modo, basta folhear o que se publicou da pena de Álvares de Azevedo para que se constate a veracidade do que estou dizendo.
É, porém, inegável que a temática da morte, até por influência de autores do romantismo europeu, está muito presente em seus versos, assim como nos escritos de outros poetas contemporâneos - vê-se logo que, ao menos em termos literários, os jovens escritores demonstravam uma identificação absolutamente passional com o famoso suicida de colete amarelo e casaca azul (*), a ponto de alguns, seguindo-lhe o exemplo, chegarem a pôr termo à vida "por amor".
Vale aqui, entretanto, uma observação. Se é verdade que havia interesse pelas obras um tanto mórbidas dos grandes românticos, esse interesse encontrava âncora na realidade quotidiana. Do que estou falando? Quem quer que caminhe pelas quadras de cemitérios nos quais estão sepultados os mortos do século XIX dar-se-á logo conta de um fato estarrecedor, o da existência de uma quantidade absurda de túmulos de gente que morreu com dezoito, vinte anos, ou pouco mais que isto. Vê-se, leitor, que morrer "na flor da idade" era coisa relativamente comum, consequência de doenças (como a tuberculose) para as quais não havia tratamento, não uma fantasia de adolescentes mentalmente doentios, metidos a ler e escrever poesia quando deviam tratar de fazer qualquer outra coisa.
Ora, o estudante de Direito Álvares de Azevedo faleceu, como já disse, em 25 de abril de 1852, mas a notícia de sua morte apareceu no jornal Aurora Paulistana somente em 1º de maio (do mesmo ano, claro). Isso nos dá alguma ideia da velocidade de publicação das notícias naqueles dias, já que uma edição do mesmo jornal circulou em 28 de abril, sem tocar no assunto. Compare-se com o que ocorre atualmente, quando um fato, ocorrido em quase qualquer ponto, não do Brasil, mas do mundo, ganha os sites de notícias e repercute nas redes sociais em poucos minutos, para se verificar o quanto o fenômeno da rápida circulação de informações alterou não só nossa visão de mundo mas, até em consequência disso, nosso modo de vida e, por que não dizê-lo, nossa percepção da morte. Chora-se pela celebridade falecida em um ponto qualquer do planeta, ignorando-se por vezes a dor e o sofrimento dos que estão perto, ou mesmo a desgraça de milhares trucidados por catástrofes naturais e/ou provocadas por nossa própria espécie. Somos mesmo muito estranhos.
(*) Refiro-me, naturalmente, à personagem Werther, da obra Die Leiden des jungen Werthers, de Goethe: "Er lag gegen das Fenster, entkräftet, auf dem Rücken, war in völliger Kleidung, gestiefelt, im blauen Frack mit gelber Weste."
***
Sob uma epígrafe de Byron, Álvares de Azevedo, em 12 de setembro de 1851, dia de seu vigésimo e último aniversário, escreveu:
Tantas noites de febre e d'esperança!
Mas hoje o coração desbota, esfria,
E do peito no túmulo descansa!
Pálida sombra dos amores santos,
Passa, quando eu morrer, no meu jazigo:
Ajoelha-te ao luar e canta um pouco,
E lá na morte eu sonharei contigo!
(Saudades in Lira dos Vinte Anos)
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